Acórdão nº 50/17.8T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

T (…), Lda., instaurou contra TT (…), Lda, ação declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu: 1 – A resolução do contrato de compra e venda referente à viatura pesada de passageiros matricula (...) RA, e a favor da A., sendo assim o mesmo considerado totalmente sem qualquer efeito, devendo a Ré ser condenada à entrega da mesma viatura à A. no estado em que se encontra.

2 – A condenação da ré no pagamento da indemnização de € 97.369,49 (Noventa e sete mil trezentos e sessenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos), por perdas e danos sofridos pela A., acrescido de juros legais vencidos contados a partir da citação.

3 – Condenação da ré a consentir na venda da viatura matrícula (...) RA, para pagamento da referida indemnização, ou outra fixada nos autos, e no mais que for devido, tudo nos termos do artº 18º nº 1 do Dec. Lei 54/75, uma vez que a A. é a titular do registo de reserva de propriedade.

Em alternativa (melhor diria: subsidiariamente) caso tal não se entenda: A condenação da ré no reconhecimento da resolução do contrato, na entrega do veículo, e no consentimento da venda do mesmo acrescido do pagamento da restante parte do preço em dívida, referente ao preço do contrato no montante total de € 27.668,12 (Vinte e sete mil seiscentos e sessenta e oito euros e doze cêntimos) sendo € 22.134,50 de capital e € 5.533,62 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e sessenta e dois cêntimos) de juros vencidos até 05/01/2017, desde Setembro de 2010, acrescido dos vincendos a partir da mesma data, calculados à taxa de juros legais (4%) até integral pagamento.

Para tanto, alegou: Em 20-05-2006, vendeu à ré o veículo automóvel com a matrícula (...) RA, pelo preço de 96.800,00€, a que acresceu o valor de 10.000,00€ a título de encargos, tendo ambas acordado que após a entrada inicial de 35.000,00€ e descontado o valor dos serviços de transporte da requerente para a requerida, no valor de 2.900,50€, o remanescente do preço seria pago em 35 prestações mensais de 2.000,00€.

Ambas as partes acordaram a constituição de reserva de propriedade a favor da requerente, devidamente registada.

Em 24-01-2008, a requerida devia à requerente o montante de 48.974,51€, sendo que após essa data apenas pagou à requerente a importância de 23.000,00€, tendo-lhe igualmente pago em serviços de transporte o valor de 3.840,01€.

A A. interpelou a Ré em 11-10-2011, para que a mesma pagasse o valor do débito atrás referido em oito dias, ou seja até ao dia 19-10-2011, e a mesma apesar do referido prazo nada fez, e nada mais pagou ou quis pagar.

A ré contestou e reconveio.

Pediu a improcedência da acção, a condenação da autora no pagamento de 22.533,56 euros por prejuízo decorrente da apreensão do veículo e como litigante de má fé em multa e indemnização.

A autora replicou pedindo a improcedência da reconvenção e mais impetrando a condenação da ré por má fé.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e em consequência, mais decide: 3.1.Absolver a Ré TT (…), Lda, da totalidade dos pedidos formulados pela Autora T (…) Lda.; 3.2.Julgar improcedentes ambos os pedidos de condenação das partes como litigante de má-fé e consequentemente: 3.2.1. Absolver a Autora do pedido de condenação, em multa e indemnização, como litigante de má-fé, a esse título formulado pela Ré; e 3.2.2. Absolver a Ré do pedido de condenação, em multa e indemnização, como litigante de má-fé, a esse título formulado pela Autora.» 3.

    Inconformada recorreu a autora.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Inexistiram contra alegações.

  2. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. - Procedência da acção.

  3. Apreciando.

    5.1.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

    Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

    Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.

    09P0114.

    Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

    – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

    5.1.2.

    Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

    A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

    Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

    Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

    Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

    A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode...

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