Acórdão nº 3309/16.8T8VIS A.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A (…) e C (…), com os sinais dos autos, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe moveu o Banco B (…)SA, também id. nos autos – para haver deles a quantia de € 20.571,71 (sendo € 19.844,77 de capital, inscrito na livrança avalizada pelos executados e dada à execução, e o restante de juros vencidos) e juros vincendos – vieram deduzir embargos à execução, alegando, em síntese: Que a “execução (…) corre por efeito de aval por eles prestado ao contrato de locação financeira mobiliária n.º (...) ”[1], “contrato que foi celebrado entre o B (…) crédito e a sociedade P (…), Lda., da qual o embargante era à data gerente”[2]; e que só por o embargante ser gerente é que os avales foram prestados.

Que, “em Novembro de 2011, (…) o embargante cedeu a sua quota a F (…), que assumiu todas as suas obrigações inerentes, tendo-se obrigado, em especial, a substituir os avales prestados pelos embargantes, tudo conforme documentação e pedido apresentados junto do B (…) de (...) , para substituição das garantias”[3], tendo os embargantes ficado convencidos “do bom efeito jurídico da sua comunicação”.

Que, “em Maio de 2013, contudo, a ora exequente remeteu correspondência aos embargantes informando da existência de prestações em atraso no referido contrato, sem levar em conta a extinção já operada dos avales.”[4] Que a exequente não recuperou o seu crédito (financiamento para a aquisição da máquina de impressão MIMKI UJF 3041) por não ter sido diligente e não ter accionado os meios ao seu dispor para recuperar o bem objecto do negócio.

Que “a transmissão do crédito [ao banco exequente] foi feita sem garantias”, que “essa é uma condição do endosso (…) no caso concreto”, pelo que, “sendo o aval dos embargantes uma garantia constante do título e sendo o endosso por via da cessão de créditos sem garantia (o que o aval representa), não foi transmitida a eventual responsabilidade dos embargantes”; uma vez que “das condições do endosso não consta sem garantia real (consta sem garantia o que quer dizer sem qualquer garantia)” e visto que “a obrigação assumida pelos embargantes é uma garantia pessoal”, “a operar o princípio da literalidade, o aval no caso não foi transmitido”[5].

Contestou o Banco exequente, dizendo, em síntese, que preencheu devidamente a livrança entregue assinada em branco – para garantir o pagamento das rendas do contrato de locação junto aos autos – por ambos os executados, reflectindo a quantia inscrita na livrança a quantia em dívida decorrente de tal contrato de locação; negando ter aceite ou acordado a substituição das garantias invocada pelos embargantes e qualquer falta de diligência no accionamento dos meios ao seu dispor para recuperar o bem objecto do negócio; e impugnando a relevância jurídica extraída pelos embargantes da expressão “sem garantia” constante do endosso da livrança.

E concluiu pela total improcedência da oposição.

Conclusos os autos – após a realização da devida audiência prévia – passou a conhecer-se de imediato do mérito, tendo sido proferida sentença – em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – em que se julgou a oposição, por embargos, totalmente improcedente, mandando prosseguir os termos da execução.

Inconformados com tal decisão, interpõem os executados/embargantes o presente recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que revogue o decidido e que “ordene a remessa dos autos a julgamento para que venham a considerar-se procedentes”.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões: “(…) 1ª – A responsabilidade dos recorrentes no caso decorre de aval prestado em contrato de locação financeira. A livrança só titula garantia dessa obrigação que não é autónoma relativamente à obrigação.

  1. - É possível o avalista desobrigar-se do aval se forem cumpridos os formalismos e condições dos artigos 642º, 648º e 654º do Código Civil, o que os recorrentes no caso fizeram.

  2. - No caso o credor não cumpriu as obrigações de zelo na cobrança da obrigação junto do devedor principal nem de salvaguarda do património que garantiu as obrigações assumidas.

  3. - Sendo a exequente a dona da máquina objeto de negócio e nada tendo feito para recuperar a sua posse, atua em prejuízo do avalista sujeitando-se à liberação da garantia requerida pelo avalista.

Por tudo se entendem violadas as normas previstas nos artigos 227, 642, 648, 654 do CC e artigos 607 nº 4, 608 nº 2, 615 nº 1 d) do CPC.

(…)” O Banco exequente respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida as normas processuais e substantivas referidas pelos embargantes/apelantes, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

* II – Fundamentação de Facto Estão provados os seguintes factos: 1) Na execução a que os presentes embargos de executado correm por apenso foi apresentado pelo "B (…) S.A.", como título executivo, uma livrança com o n.º (...), emitida no (...) , no dia 27 de julho de 2015, no montante de € 19.844,77, com vencimento a 4 de agosto 2015, subscrita por P (…), Lda., para ser paga ao B (…), SA, ou à sua ordem, avalizada no verso – após a expressão “dou o meu aval à firma subscritora” – pelos executados/embargantes A (…) e C (…) e endossada, também no verso, “por via de cessão de créditos sem garantia” pelo B (…) , conforme documento junto a fls. 46 do processo de execução cujo conteúdo dou por reproduzido.

2) A livrança foi emitida em consequência da celebração de um contrato de locação financeira – proposta n.º (...) – entre o B (…) SA[6], na posição de locador, e a P (…), Lda., na posição de locatária, conforme documento de fls. 14 v.º a 17 v.º, cujo conteúdo se dá por reproduzido e em cuja cláusula 21.ª consta: (…) Garantias de cumprimento 1 - Para garantia do cumprimento das obrigações assumidas no presente contrato (…), o locatário obriga-se a entregar ao locador uma livrança em branco por si subscrita e avalizada ou não por terceiros, conforme pacto de preenchimento. (…)” 3) Entre a P (…), Lda., como primeira outorgante, os executados, como segundos outorgantes, e o B (…), SA, como terceira outorgante, foi outorgado documento, que designaram como “Convenção de Preenchimento de Livrança em Branco” e da qual consta: “(…) Pela presente convenção o 1.º outorgante reconhece ao 3.º outorgante o direito de unilateralmente completar o preenchimento da livrança em anexo, na qual é subscritor, nomeadamente fixando a data de vencimento que entender e a quantia pela qual a mesma valer, desde que não exceda o montante das responsabilidades decorrentes do contrato de locação financeira com a proposta n.º (...) (…) Os segundos outorgantes declaram que possuem perfeito conhecimento de todas as responsabilidades assumidas pelo primeiro outorgante, nomeadamente do seu montante e das emergentes do seu eventual incumprimento temporário ou definitivo do contrato de locação financeira supra referido, bem como dos termos da presente Convenção, à qual dão o seu total acordo, sem quaisquer tipos de restrições e excepções, autorizando o preenchimento da livrança, por si avalizada, nos precisos termos exarados.

(…)” 4) Foi celebrado um contrato designado por “contrato de compra e venda e cessão de posição contratual” entre B (…), SA, na qualidade de cedente, e B (…) na qualidade de cessionário, conforme documento junto a fls. 7 a 37 do processo de execução cujo conteúdo dou por reproduzido.

5) O "B (…), S.A." é actualmente designado por "B (…) * Encontravam-se pois os factos constantes da sentença recorrida incompletamente redigidos.

Faltava – o que se acrescentou – o seguinte: - mencionar o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem a livrança devia ser paga[7]; - mencionar o que consta do verso da livrança antes da assinatura dos executados; - mencionar o que consta do verso da livrança depois da assinatura dos executados (o endosso); - mencionar quem se apresentou, na execução, como titular/portador da livrança; - fazer constar a convenção de preenchimento da livrança; - mencionar que o B (…) é a actual designação do B (…).

* III – Fundamentação de Direito Quando um litígio envolve letras ou livranças, como é o caso, há quase sempre (para não dizer, sempre) que considerar e distinguir dois planos jurídicos – o plano cartular e o plano extracartular – funcionando o plano cartular como um “limite” e ponto de partida para o que se pode/deve dizer e invocar em termos extracartulares; por outras palavras, ainda que as questões suscitadas se situem (como é caso e é a regra) no plano extracartular, a sua devida e correcta colocação nunca pode/deve perder de vista a existência de dois planos.

Expliquemo-nos[8]: Quer consideremos, com a doutrina tradicional, que as obrigações cambiárias resultantes das letras/livranças se caracterizam pela incorporação do direito no título, pela literalidade, pela independência reciproca, pela autonomia e pela abstracção (com tudo o que tais “fórmulas condensadas” significam), quer consideremos, com a doutrina mais recente[9], que o que caracteriza os negócios jurídicos cambiários é tão só a sua natureza constitutiva, incondicionabilidade e não-indicação da causa, temos sempre que ter presente: - que a assinatura aposta numa letra/livrança, seja qual for a qualidade em que o sujeito intervém, faz nascer, contra tal subscritor, uma obrigação nova e distinta de qualquer outra já existente; ou seja, faz nascer...

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