Acórdão nº 2923/14.0TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelEMÍDIO SANTOS
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra D (…) Lda, com sede (…) , propôs a presente acção declarativa com processo comum contra Companhia de Seguros T (…), S.A.

, com sede (…), , pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de quarenta e três mil quatrocentos e vinte euros [€ 43 420,00], acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde a data da interpelação da ré até ao efectivo e integral pagamento.

Segundo a autora, a ré estava obrigada a pagar a mencionada quantia porquanto celebrou com ela, autora, um contrato de seguro que cobria, além de outros, o risco de furto do veículo automóvel de matrícula (...) CL e, no dia 8 de Março de 2013, o veículo automóvel, segurado pelo valor de € 43 420,00, foi furtado.

A ré contestou. Na sua defesa alegou, em relação ao contrato de seguro, que na data do sinistro o valor seguro era de € 40 380,60, donde a sua responsabilidade sempre estaria limitada a tal valor. Em relação ao furto, lançou dúvidas sobre a ocorrência dele, exprimindo a convicção de que se estava perante uma tentativa de fraude por parte da autora. Terminou a contestação, pedindo a improcedência da acção.

Em sede de audiência prévia – e na sequência de convite feito pela Meritíssima juíza do tribunal a quo - a ré esclareceu: 1. Que pretendia, em primeira linha, a improcedência da acção; 2. Que no caso de procedência, a indemnização deveria ser fixada, pelo valor real do bem, nunca em quantia superior a € 27 900,00; 3. Que no caso de o tribunal entender que o valor da indemnização era o indicado no contrato de seguro, sempre a indemnização deveria ser fixada em montante não superior a € 40 380,60.

A autora respondeu, sustentando que devia ser considerado para o veículo em causa o valor contratado de € 40 380,60.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência final, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a ré a pagar à autora a quantia de quarenta mil trezentos e oitenta euros e sessenta cêntimos [€ 40 380,60], acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 10 de Julho de 2013 até ao efectivo e integral pagamento.

A ré não se conformou com a sentença e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse e substituísse a sentença por decisão que fixasse a indemnização devida pela recorrente na média entre os valores de € 27 000,00 e € 33 000,00.

Os fundamentos do recurso, mais bem desenvolvidos à frente, consistiram, em síntese, no seguinte: 1. Na alegação de que existia uma manifesta contradição entre, por um lado, o teor dos factos provados sob os números 21 e 36, e por outro, o teor do facto não provado sob a alínea A), e que a contradição devia ser superada no seguinte sentido: passagem para o elenco dos factos provados que o veículo encontrava-se seguro por um valor superior ao seu valor real e eliminação do excerto “ocorrendo, portanto, uma situação de sobresseguro propícia à fraude”, o qual era meramente conclusivo e não factual; 2. Na alegação de que a sentença incorreu em erro na determinação da norma aplicável e que as normas aplicáveis eram as decorrentes da lei do contrato de seguro – Decreto-lei n.º 72/2008 –, nomeadamente os artigos 132.º e 128.º, conjugadas com o princípio da indemnização decorrente do artigo 562.º do Código Civil.

Não houve resposta ao recurso.

Vistos os fundamentos do recurso expostos acima, as principais questões suscitadas por elas são as seguintes: 1. Saber se existe uma manifesta contradição entre, por um lado, o teor dos factos provados sob os números 21 e 36, e por outro, o teor do facto não provado sob a alínea A); 2. Saber se a contradição deve ser superada no sentido indicado pela recorrente e se deve ser eliminado o seguinte excerto, por ser conclusivo e não factual: “ocorrendo, portanto, uma situação de sobresseguro propícia à fraude”; 3. Saber se a decisão recorrida incorreu em erro na determinação das normas aplicáveis à resolução do litígio.

* Contradição entre, por um lado, o teor dos factos provados sob os números 21 e 36, e, por outro, o teor do facto não provado sob a alínea A) Visto que a recorrente trata a questão da contradição como questão de facto com relevância no elenco dos factos provados e não provados e que a resolução das questões de facto tem precedência lógica sobre a resolução das restantes questões, iremos começar o julgamento do recurso pela questão da contradição entre o teor dos factos provados sob os números 21 e 36 e o teor do facto não provado sob a alínea A).

Pelas razões a seguir expostas, é de julgar verificada a contradição denunciada.

Sob o n.º 21 o tribunal a quo julgou provado: “considerando a data do sinistro e a desvalorização aplicável de 7%, o valor seguro à data do sinistro era de € 40 380,60”. Sob o n.º 36 julgou provado: “a viatura tinha, à data do alegado sinistro, um valor comercial entre € 27 000,00 e € 33 000,00. Sob a alínea A), julgou não provado que “o veículo encontrava-se seguro por um valor superior ao seu valor real, ocorrendo, portanto, uma situação de sobresseguro, propício à fraude”.

A contradição existe pelo seguinte.

Se – como julgou provado o tribunal no ponto n.º 21 - à data do sinistro, o valor seguro do veículo era o de € 40 380,60 e se – como julgou provado no ponto n.º 36 - à data do sinistro a viatura tinha um valor comercial, isto é, um valor de venda, entre € 27 000,00 e € 33 000,00, a conclusão a retirar destas premissas era a de que, à data do sinistro, o veículo encontrava-se seguro por um valor superior ao seu valor real. Pode dizer-se, assim, que a decisão proferida sob os pontos n.ºs 21 e 36 tem implícita a mencionada conclusão. Ao julgar não provado que o veículo encontrava-se seguro por um valor superior ao seu valor real, o tribunal a quo julgou não provada a conclusão implícita nas respostas aos pontos n.ºs 21 e 36. Ao fazê-lo entrou em contradição. A contradição é, no entanto, de decisões e não de factos.

Vejamos.

Para que existisse contradição de factos seria necessário que os factos compreendidos nas respostas fossem contraditórios entre si, isto é, que a afirmação de um deles excluísse necessariamente a afirmação do outro. Assim a decisão proferida sob a alínea A) implicaria uma contradição, ao nível dos factos...

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