Acórdão nº 119/17.9T8CLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | VÍTOR AMARAL |
Data da Resolução | 08 de Maio de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A (…) e mulher, D (…), com os sinais dos autos, intentaram ação declarativa comum condenatória, contra 1.º - L (…), 2.ºs – M (…) e marido, F (…), todos também com os sinais dos autos, pedindo que sejam os RR. “condenados solidariamente a: 1.º Pagar aos AA a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) em divida e à data de 31/12/2016; 2.º Pagar aos AA os juros de mora vencidos, e vincendos, até efetivo e integral pagamento, à taxa contratual de 5%, sobre as prestações em divida, que, na data de 31/12/2016, ascendem já a € 210,42 (duzentos e dez euros e quarenta e dois cêntimos); 3.º Pagar aos AA as prestações que se forem vencendo e não liquidadas entre 15/01/2017 e 15/06/2017, caso o incumprimento dos RR se mantenha, acrescidas de juros de mora, à taxa contratual de 5%, sobre as prestações em divida, até efetivo e integral pagamento (…)”.
Para tanto, alegaram, em síntese, que: - AA. e RR. são os únicos sócios de uma sociedade comercial que se dedica exclusivamente à exploração de um estabelecimento de lar de idosos; - os ora AA. e RR. celebraram entre si um contrato-promessa de divisão e cessão de quotas, tendo os AA. prometido ceder aos RR. as duas quotas de que são titulares na dita sociedade, tudo pelo preço global de € 154.160,00; - nesse âmbito, ficou acordado que o pagamento do preço da cessão de quotas seria efetuado na data da celebração do contrato definitivo, a realizar até 31/12/2015, sendo que, a título de sinal, reforço de sinal e princípio de pagamento, ocorreriam diversas entregas mensais aos AA. da quantia de € 4.000,00; - para garantia e caução do pagamento da quantia global de € 154.160,00, todos os ora RR. constituíram, solidariamente, a favor dos AA., penhor sobre as cinco quotas cuja titularidade lhes pertence, penhor esse objeto de registo; - ficou ainda acordado comprometerem-se os AA. a realizar, em prazo definido, determinadas obras, nomeadamente referentes à implementação de medidas legais contra incêndios, sob pena de desconto no valor final a liquidar pelos RR. aquando da celebração do contrato definitivo; - convencionaram ainda as partes que, em caso de incumprimento contratual, a parte não faltosa poderia denunciar o contrato e fazer suas as quantias já recebidas ou a receber em dobro as quantias já pagas, conforme a denúncia fosse feita pelos promitentes cedentes ou pelos promitentes cessionários e no caso de a situação de incumprimento não cessar no prazo de 5 dias após comunicação por escrito à parte faltosa; - posteriormente, não celebrado o contrato definitivo, foi celebrado um aditamento ao contrato-promessa, com prorrogação do prazo para a celebração do contrato definitivo, diminuição do preço da cessão acordada e estabelecimento de nova forma de pagamento do preço (preço global da cessão diminuído para € 149.160,00); - até à data da celebração do aditamento ao contrato-promessa (11/03/2016), os RR. pagaram aos AA., a título de sinal e reforço do mesmo, a quantia total de € 90.000,00, ficando, assim, em dívida a quantia global de € 59.160,00, cuja falta de pagamento atempado implicava o vencimento de juros à taxa de 5%, sobre cada uma das prestações vencidas; - os AA., por sua vez, comprometeram-se a realizar, em prazo, obras constantes do documento em anexo ao contrato promessa de cessão de quotas, a expensas dos RR., obrigando-se estes a prestar toda a colaboração necessária e sendo o contrato definitivo das cessões das quotas outorgado até determinada data, com garantia e caução do cumprimento integral do contrato-promessa e seu aditamento, âmbito em que os RR. prometeram constituir, a favor dos AA., penhor sobre quotas; - continuou a ser prevista a possibilidade de incumprimento do contrato, com definição de consequências/penalizações, incluindo a possibilidade de serem executados os penhores dos bens dados como garantia de pagamento, e sujeição do contrato ao regime da execução específica previsto no art.º 830.º do CCiv.; - os RR. procederam ao pagamento parcial, estando, porém, em dívida a quantia global e acordada, à data de 11/03/2016, de € 45.526,40, encontrando-se em incumprimento do contrato celebrado, pois deixaram de pagar as quantias mensais de € 4.000,00, a que se obrigaram, apesar dos sucessivos pedidos do A. para o efeito; - o A. comunicou aos RR. estar em condições de concluir as obras a que se obrigou contratualmente, obras essas que já tinham sido iniciadas mas haviam sido interrompidas a pedido dos RR., ao que estes não responderam, impossibilitando a conclusão dos trabalhos; - apesar do incumprimento dos RR., os AA. mantêm o interesse no cumprimento do contrato-promessa.
Contestaram e reconvieram os RR., alegando, no essencial, que: - para dar cumprimento às determinações dos organismos oficiais relativamente ao objeto social da sociedade em causa e a gerência possa exercer as suas funções é necessária a realização de determinadas obras, que eram do conhecimento dos AA. à data da celebração do contrato-promessa; - o que, porém, os AA., propositadamente, omitiram aos RR. (o que estes desconheciam), obras essas cujo valor excede a quantia pedida aos RR. na presente ação; - os AA. agiram de má-fé nas negociações do contrato em causa, por o Lar, para poder legalmente funcionar, necessitar de obras relativas à segurança e que agora se encontram a ser realizadas pelos RR., ascendendo o seu custo, com IVA incluído, a € 129.229,54; - com as quotas sujeitas a penhor, os RR. não podem gerir a sociedade nem pedir empréstimos.
Na via reconvencional, pedem a condenação dos AA. a liquidar aos RR./Reconvintes o valor que se vier a apurar ser devido, descontado o devido por estes, e, bem assim, que os penhores das quotas sejam levantados de imediato.
Na réplica, os AA., impugnando a factualidade alegada pela contraparte, concluíram pela improcedência do pedido reconvencional, pela procedência da ação e pela condenação dos RR., como litigantes de má-fé, a pagar multa e indemnização aos AA. em quantia a fixar pelo Tribunal.
Observado o adequado contraditório, tendo os autos prosseguido, com audiência prévia, foi depois conhecida a questão da “Incompetência absoluta em razão da matéria” ([1]), por decisão de 23/01/2019, com o seguinte dispositivo: «1. Declaro o presente Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria absolutamente incompetente, em razão da matéria, para preparar e julgar a presente acção e, em consequência, 2. Absolvo todos os Réus da instância.
(…).» ([2]).
Inconformados, recorrem os AA., apresentando alegação, culminada com as seguintes Conclusões: (…) Não foi junta contra-alegação de recurso.
Remetidos os autos a esta Relação e tendo o recurso sido admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, foi mantido tal regime e efeito do recurso.
Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.
II – Âmbito do Recurso Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respectivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado nos articulados das partes, está em causa na presente apelação saber, apenas, se cabe à jurisdição cível (Juízo Central Cível recorrido) – e não à jurisdição de comércio (Juízo/Secção de Comércio) – a competência para a tramitação e decisão da ação, implicando a revogação da proferida (e impugnada) decisão de incompetência e decorrente absolvição da instância.
III – Fundamentação A) Matéria de facto Ante os elementos documentais dos autos, os pressupostos fácticos, a...
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