Acórdão nº 130/16.7T8FVN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução21 de Maio de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

F (…) intentou contra R (…) e I (…), acção declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu: A condenação dos réus a: 1- Declarar-se que se encontra constituída sobre o prédio dos Réus, que identifica, servidões de vistas, ar e luz relativamente às janelas situadas no 1º andar e às aberturas situadas no piso térreo do mesmo.

2- Condenar-se os RR. a demolir a parede das edificações referidas em 41 a 45 por modo a que deixem entre estas construções e o prédio urbano da A., descrito em 1 alínea a) da petição inicial, intervalo mínimo de um metro e meio.

3- Declarar-se que se encontra constituída sobre o prédio dos RR., onerando-o, e a favor do prédio da A. descrito em 1, alínea a) servidão de estilicídio, relativamente às águas pluviais que tombam e escorrem do telhado e respetiva beira do lado norte do prédio da A. descrito em 1, alínea a).

4- Condenarem-se os RR. a absterem-se da prática de quaisquer atos perturbadores do exercício dos direitos de servidão de vistas, luz, ar e estilicídio que beneficiam o prédio da A., nomeadamente de nele executar obras que prejudiquem ou violem aqueles direitos de servidão.

5- Em caso de procedência do pedido formulado em 1-, condenarem-se os RR. a não edificarem nova chaminé que permita a emissão de fumos e cheiros para o interior do prédio da A. nomeadamente, não a implantando na direção ou defronte das janelas, ou, 6- Em caso de improcedência do pedido formulado em 1- sejam os RR. condenados a demolir ou a deslocar aquela chaminé de modo a evitar a emissão de fumos e cheiros para o interior do prédio da A. descrito em 1 alínea a).

7- Condenar os RR. a procederem à reparação do muro que é parte integrante dos prédios da A. descritos em 1 alíneas a) a c), referido supra em 62 e 63, na parte confinante com o jardim dos RR., suportando os encargos respetivos e ainda executando os trabalhos necessários para evitar que o muro da A. suporte as terras do prédio dos RR..

8- Condenar os RR. a pagar à A. indemnização por danos morais no montante € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal anual para os juros civis, desde a citação até integral pagamento.

Alegou: É proprietária de um prédio misto, em que por referência à parede norte da respectiva moradia onde se encontram duas janelas e três aberturas, os RR, seus vizinhos, erigiram uma garagem e anexos a apenas 95 cm de distância, em colisão do seu direito de vistas.

No anexo que corresponde a uma churrasqueira, implantaram uma chaminé, que quando utilizada fumega fazendo a evacuação de fumos e cheiros para a zona das janelas.

Também na mesma parede o beirado ultrapassa o alinhamento vertical em cerca de 20 cms, deitando as águas para o prédio dos RR.

Na parte nascente dos prédios, os RR fizeram um jardim com relvado, onde existia e existe um muro feito em alvenaria no qual pela pressão feita pelas terras no prédio dos RR abriram fendas e brechas.

Tal actuação dos RR. causou-lhe desgosto, perdendo entusiasmo de se deslocar à casa que era dos seus Pais.

Os réus contestaram e reconvieram.

Alegaram: Na data de construção da propriedade, não tinha a moradia da A qualquer abertura na zona norte.

As aberturas constantes ao presente foram feitas unicamente para passagem de luz e ar dado não permitirem que qualquer pessoa, adulto ou criança, se debruce, dado até as aberturas maiores em preenchidas com colunas com dimensões de 10cm por 10cm, não havendo mais de 9cm de abertura livre.

O beirado foi guarnecido com uma caleira aplicada no mesmo, nunca havendo qualquer gotejar para o prédio dos RR.

A degradação do muro operou pelo decurso do tempo e não por qualquer acção sua.

A chaminé encontra-se colocada a nível superior, não atingindo qualquer abertura.

A Autora não vive local desde os seus 16 ou 17 anos, pretendendo satisfazer o seu capricho.

Eventual servidão mostra-se extinta pelo não uso, dado a habitação se encontrar desabitada com carácter permanente e continuado.

A A. alterou as duas aberturas que existiam no primeiro piso da sua moradia, colocando uma grade em metal lixada, que não respeita as dimensões para janelas gradeadas, nem respeita a altura mínima de 1,8m por ambos os lados.

Mais existe um terraço que deita directamente para o prédio dos AA, num comprimento de cerca de 3,80m, assim o devassando, devassa essa que os RR toleraram apenas aos ascendentes da A. mas já não a esta.

Pediram: A improcedência da acção.

E, em reconvenção, impetraram: c) A condenação da autora a tapar as aberturas, existentes no primeiro andar, com material de construção sólida, inamovível e opaco, no prazo de 15 dias, ou no que se entender, d) A sua condenação a, no prazo de 15 dias, ou no que se entenda razoável, construir no terraço e, na parte que deita directamente para o prédio dos RR, com material de construção sólida e opaca, um muro em redor, com, pelo menos, 1.5 m de altura; tanto lateral, como de frente de tal terraço, a deitar também, para o prédio dos AA, até à altura de 1.5 m e, ao afastamento de 1.5 m da estrema.

A A. apresentou articulado de réplica, ampliando o seu pedido de três para cinco aberturas ao nível do rés-do-chão, impugnando a matéria descrita em sede de reconvenção, alegando que o seu terraço já ali existe há mais de 60 anos.

Conclui agirem os RR com má-fé, sabendo que o direito invocado não lhes assiste, peticionando a fixação de multa e de indemnização.

Responderam às excepções deduzidas de abuso de direito/extinção pelo não uso.

Responderam os RR quanto ampliação do pedido e juntaram documentos.

Foi admitida a ampliação do pedido.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «…julgo a presente acção parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente e em consequência decide-se:

    1. Declarar-se que se encontra constituída, sobre o prédio dos RR. descrito em 12 dos factos provados e a favor do prédio da A. descrito em 1,º dos factos provados Servidão de Estilicídio, relativamente às águas pluviais que tombam e escorrem do telhado e respectiva beira do lado norte do prédio da A., condenando-se os RR. a absterem-se da prática de quaisquer atos perturbadores do exercício dos direitos de servidão que beneficia o seu prédio, nomeadamente de nele executar obras que prejudiquem ou violem aqueles direitos de servidão, absolvendo-se os RR do demais peticionando incluindo a condenação como litigantes de má-fé e absolvendo a Autora de tudo o peticionado contra si.

    2. Custas a cargo de Autores e Réus na proporção de 20% e 80% respectivamente.» 3.

    Inconformada recorreu a autora.

    Rematando as suas alegações com as seguintes, aliás prolixas, conclusões: (…) Contra alegaram os recorridos, pugnando pelo indeferimento do recurso da autora e recorrendo subordinadamente, aduzindo as seguintes, outrossim prolixas na 13ª, conclusões: (…) Respondeu a autora ao recurso subordinado nos seguintes termos finais: (…) 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. - Procedência da acção e Procedência da reconvenção.

    2. – Quantum da responsabilidade das partes por custas do processo.

  2. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

    Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não...

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