Acórdão nº 5888/17.3T8VIS-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra “J (…) – Sociedade Unipessoal, Lda.

, já identificada nos autos, foi declarada insolvente por decisão, datada de 13/03/2018, na sequência de PER, intentado em 25 de Abril de 2017, em que não apresentou qualquer plano de recuperação.

No seguimento da predita decisão, foi, para além do mais, declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência com carácter pleno.

O presente incidente teve início mediante requerimento do credor A (…), já, também, identificado nos autos, a qual veio requerer fosse qualificada como culposa a insolvência da sociedade inicialmente referida e afectado pela requerida qualificação, o seu gerente, J (…), com a seguinte fundamentação: O gerente da insolvente actuou de má-fé nas suas relações com os credores. Já no PER instaurado tentou furtar-se ao pagamento de dívidas que reconhecia. Ao mesmo tempo no âmbito desse processo nunca teve real intenção de negociar com os seus credores pois nem sequer apresentou plano de recuperação. Tratou-se de um expediente dilatório para evitar satisfazer os créditos. E tanto é assim que foi, nesse PER, condenado como litigante de má-fé.

A insolvente dispunha, à data da declaração de insolvência, de um veículo penhorado à ordem de um processo executivo que não veio a ser apreendido porque a insolvente o ocultou.

E outros bens existiriam atendendo aos negócios que mantinha com a sociedade de direito espanhol (..)S.L. para o qual foram canalizados os activos e o capital da insolvente.

O gerente da insolvente incumpriu, também, reiteradamente o seu dever de colaboração e de apresentação.

A isto acresce que, encontrando-se já numa situação de insolvência, e estando obrigada a apresentar-se à insolvência, a Insolvente contraiu dívidas e assumiu passivo em montante muito superior ao do seu capital social, com manifesto prejuízo para os seus credores.

Entende que a insolvência deverá ser qualificada como culposa nos termos do disposto no art. 186º, nº2, al. a) e i) e nº3, al. a) do CIRE, devendo afectar-se o gerente J (…)com as legais consequências.

Notificado para o efeito, foi junto Parecer do Sr. Administrador da insolvência, em que se refere o seguinte: O gerente da insolvente encerrou subitamente as suas instalações.

Não apresenta e não deposita as contas anuais da sociedade desde 2016, inclusive.

Os créditos encontram-se vencidos há muito tempo, ascendendo ao montante de €600.000,00. Instaurou um PER e não apresentou plano de recuperação. A sociedade está insolvente desde 2015, pelo que o gerente deveria ter apresentado a sociedade à insolvência.

O administrador da insolvência não conseguiu falar com o gerente, apesar de se ter deslocado pessoalmente às instalações. Não houve qualquer tipo de colaboração da parte do gerente. Não foi possível ter acesso à contabilidade.

Entende que a insolvência deverá ser qualificada como culposa porquanto se verificam os factos presuntivos dessa situação, nos termos do disposto na al. a), b), g), h) e i) do nº2, e al. a) e b) do nº3 do art. 186º do CIRE.

Aberta vista ao MP, foi junto Parecer da Ex.ma Magistrada do Ministério Público, no qual se defende que: Pelos factos já alegados pelo credor Requerente, e pelo Sr. Administrador da Insolvente, entende que a insolvência deverá ser qualificada como culposa nos termos do disposto no art. 186º, nº2, al. i) e nº3, al. a) do CIRE, afectando o gerente J (…) De tudo notificado, o gerente J (…), veio apresentar oposição ao requerido, com os seguintes fundamentos: O credor Requerente instaurou execuções contra a Insolvente, nas quais foram, em 28 de Março de 2017, penhorados e removidos das instalações desta praticamente todas as suas existências, sobretudo plantas envasadas. Desconhece-se a razão pela qual o produto da venda dessas plantas (promovida pelo próprio credor Requerente) não reverteu para a massa insolvente. Na mesma acção executiva foi penhorada a conta bancária da insolvente no valor de milhares de euros.

O plano de recuperação no âmbito do PER não foi apresentado na medida em que a sua aprovação estava dependente da posição favorável do credor agora Requerente do Incidente, o que era manifestamente improvável.

O credor Requerente havia recusado o pagamento de €6.035,00 para porem fim à penhora acima referida que dizia respeito a um crédito de €7.500,00, o que denota a má-fé com que o credor se relacionava com a insolvente.

O depósito das contas do exercício de 2016 era já da responsabilidade do Sr. Administrador da insolvência.

No âmbito do PER requereram conjuntamente a prorrogação do período de negociações, pelo que é falso que o Sr. Administrador da insolvência nunca tenha conseguido contactar o gerente da insolvente ou o seu mandatário.

O Sr. Administrador da insolvência não se deslocou propositadamente às instalações da insolvente.

Entende que a insolvência da J (…) – Sociedade Unipessoal, Lda. deverá ser qualificada como fortuita.

Respondendo, o credor Requerente, A (…), refere que: Descreveu os actos praticados nas acções executivas instauradas com a Insolvente, as penhoras aí efectuadas e os pagamentos que tiveram lugar.

Reitera que o PER a que a Insolvente se apresentou consistiu apenas numa manobra que visou a dissipação do património.

Findos os articulados, foi dispensada a realização de audiência prévia e foi proferido despacho saneador tabelar. Fixou-se o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, com recurso à gravação dos depoimentos prestados, após o que foi proferida a sentença de fl.s 147 a 159, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final, se decidiu o seguinte: “Nesta conformidade, e pelo exposto, o tribunal decide:

  1. Qualificar a insolvência da devedora J (…) – Sociedade Unipessoal, Lda. como fortuita.

  2. Absolver J (…) do pedido de afectação pela qualificação da insolvência como culposa.

    Custas pela massa insolvente (art. 304.º do C.I.R.E.).”.

    Inconformado com a sentença proferida, dela interpôs recurso o credor A (…) recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos do apenso respectivo e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 177), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões: (…) Não foram apresentadas contra-alegações.

    Colhidos os vistos legais, há que decidir.

    Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir: A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes dos itens 10.º e 21.º, dos factos provados, que devem passar a considerar-se como não provados e alíneas b), c), d) e h), dos não provados, cuja factualidade deve passar a ser considerada como provada; B. Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC e; C. Se em face da factualidade dada como provada, a insolvência em apreço deve ser qualificada como culposa, sob pena de violação do disposto no artigo 186.º, n.os 1 e 3, al. b), do CIRE.

    É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida: 1.

    A insolvente, J(…), Sociedade Unipessoal, Lda., com sede (…) em (...) , foi constituída e registada em 24/09/2002, com o capital social realizado de 5.000,00 €, e o seu objecto social consistia no comércio de flores, e plantas, fertilizantes, adubos e turfas. Viveiros.

    1. J (…) era o único sócio com a quota de €5.000,00, e exercia as funções de gerente.

    2. No ano de 2009, procurou o mercado espanhol e aí começou a construir e a implementar viveiros com o nome “J (…)”.

    3. No ano de 2010 devido à crise financeira, e à crise no sector, o investimento da J (…) em Espanha acabaria por não ser vantajoso.

    4. A insolvente regressou ao mercado Português, com um empréstimo para pagar no valor de €300.000,00 à C (…).

    5. O credor A (…) instaurou acção executiva que tomou o nº6423/16.6T8VIS, e que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução de Viseu, tendo aí sido penhoradas, com remoção, em 28 de Março de 2017, plantas envasadas a que foi atribuído o valor de €2.835,50. O exequente foi constituído fiel depositário desses bens.

    6. O credor A (…) instaurou acção executiva que tomou o nº220/17.9T8VIS, e que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução de Viseu, Juiz 1, tendo aí sido penhorado um veículo automóvel de matrícula (...) ER que, no dia 31 de janeiro de 2017 se encontrava inscrito a favor da Insolvente.

    7. O credor A (…) instaurou acção executiva que tomou o nº317/17.5T8VIS, e que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução de Viseu.

    8. No âmbito da execução referida em 6, no dia 17 de Fevereiro de 2017, foi efectuada diligência de penhora com vista a penhorar bens, o que não se logrou conseguir pelos motivos descritos no auto lavrado e que consta dos autos a fls. 53 verso.

    9. No âmbito de diligência executiva no processo referido em 8, a Insolvente propôs-se pagar determinada quantia o que não veio a acontecer.

    10. Em 25 de Abril de 2017, a J (…) Sociedade Unipessoal, Lda., veio requerer nos termos do disposto no art. 17.º-C do CIRE um processo de recuperação de empresas, ao qual foi atribuído o nº5888/17.3T8VIS-A e correu termos no Juízo do Comércio – Juiz 1.

    11. Alegando nessa data que tinha dívidas com fornecedores no montante de €1.017.366,88, €2.471,28 em execução fiscal à A.T. e que se encontraria impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas perante credores, trabalhadores e Autoridade Tributária Aduaneira.

    12. Na lista provisória de créditos apresentada pelo Sr. (…) no processo especial de revitalização foi reconhecido ao credor A (…) um crédito no valor de...

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