Acórdão nº 1145/14.5TBLRA-F.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA CATARINA GONÇALVES
Data da Resolução18 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

Nos autos de insolvência referentes a E (…), residente (…) em (...) – insolvência que foi declarada por sentença de 21/03/2014 – foi proferido despacho (em 24/11/2014) que admitiu o pedido de exoneração do passivo restante, determinando, designadamente, que “…durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência o rendimento disponível, ou seja, tudo o que o devedor aufira e que exceda por mês o correspondente ao salário mínimo nacional, acrescido de meio salário mínimo até que os filhos deixem de estudar, que deve ser comprovado no inicio do período da cessão, para a insolvente, se considera cedido ao fiduciário”.

O encerramento do processo foi declarado por despacho proferido em 14/03/2017, data em que se iniciou o período da cessão.

Em 23/05/2017, a Insolvente, invocando a existência de um problema dentário e juntando um orçamento, requereu que, para a resolução desse problema, lhe fosse fixado um valor de 2.580€, ao abrigo do disposto no art.º 239, nº 3 aliena b), subalínea iii), do CIRE.

Tal requerimento foi objecto de despacho proferido em 03/07/2017 com o seguinte teor: “…Tendo em conta a natureza das despesas invocadas, ao abrigo do disposto no art.º 239º, nº 3 aliena b), subalínea iii), do CIRE, autoriza-se que as despesas que forem apresentadas, até ao limite de 2580€, como já efectivamente pagas, sejam tidas em consideração para efeitos do montante de rendimento indisponível para efeitos de cessão para além do montante já fixado mensalmente”.

Em 05/08/2019, a Insolvente veio apresentar requerimento dizendo: que se desloca para a cidade onde exerce a sua actividade profissional juntamente com um colega, no carro deste; que, por motivos que lhe são alheios, deixará de ter essa possibilidade a partir do próximo mês de Setembro de 2019; que não existem transportes públicos com horário compatível com o trabalho da requerente; que, recentemente, surgiu a necessidade de auxiliar o seu pai na residência deste, em virtude dos cuidados de que precisa diariamente e que, por essa razão, tem necessidade de adquirir uma viatura para seu uso pessoal.

Com esses fundamentos e juntando um orçamento no valor global de 7.000,00€ que declara pretender liquidar em prestações mensais de 200,00€, pede que lhe seja fixado esse valor ao abrigo do artigo 239, nº 3 alínea b), subalínea iii), do CIRE.

O Sr. Fiduciário veio declarar nada ter a opor ao requerido.

O B (…) S.A. veio manifestar a sua oposição, dizendo que não se encontram preenchidos os pressupostos estatuídos no artigo 239.º, n.º 2, alínea b), subalínea iii) do CIRE, sendo certo que a devedora não tem ajustado as suas despesas à sua nova realidade, o que se traduz no prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência, mais dizendo que a Insolvente não juntou qualquer documento comprovativo da factualidade por si alegada.

Aquela pretensão – formulada pela Insolvente – veio a ser indeferida por despacho proferido em 11/09/2019.

Em 02/10/2019, o Sr. Fiduciário veio apresentar relatório do qual resulta que, até ao momento, não havia sido entregue qualquer quantia sendo que os rendimentos obtidos pela Insolvente eram inferiores aos valores que lhe haviam sido reservados para prover ao seu sustento.

A devedora/insolvente veio interpor recurso do despacho proferido em 11/09/2019, formulando as seguintes conclusões: 1. O Douto despacho ora recorrido, entende que não deve ser concedida à insolvente a exclusão da quantia necessária para adquirir uma viatura para as suas deslocações casa-trabalho.

  1. Não existem alternativas de transporte publico para a insolvente.

  2. Se não puder deslocar-se em carro próprio, atentos os horários do seu trabalho e os dos transportes, gastará cerca de 4 horas diárias só à espera.

  3. Também, o seu pai está incapacitado e doente e precisa da sua ajuda, para se alimentar, vestir e tomar a medicação.

  4. O montante atual, não permite assegurar o sustento minimamente digno da recorrente, atendendo a que, deixará de ter transporte para o emprego e não pode assistir o seu pai.

  5. O Douto despacho ora recorrido, com o devido respeito, não considerou tais circunstâncias.

  6. O entendimento jurisprudencial dominante é o de que, atendendo à letra da lei e ao espírito do legislador, o valor que se deve considerar excluído do rendimento disponível do devedor, para efeitos do disposto no art. 239º, nº 3, b) i) do CIRE, é o valor que, atendendo às concretas necessidades do devedor e respetivo agregado familiar, seja considerado adequado e razoável para prover ao seu sustento minimamente digno.

  7. Na fixação do valor do rendimento da insolvente a excluir da dação a efetuar em benefício dos credores tendo em vista a eventual exoneração do passivo restante terá de se levar em consideração as particularidades de cada caso, e por outro lado atender ao que é indispensável para, em consonância com a consagração constitucional do respeito pela dignidade humana, assegurar as necessidades básicas da insolvente e do seu agregado familiar.

  8. Para garantir a conformidade constitucional e prosseguir o espírito da Lei, atento o caso particular da...

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