Acórdão nº 562/19.9T8FND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA CATARINA GONÇALVES
Data da Resolução03 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

M (…), residente em (…) , veio apresentar-se à insolvência e requerer a exoneração do passivo restante.

Alegou, para o efeito: - Que, ainda no estado de casada (antes, portanto, de 22/10/2013) foi proprietária, em nome individual, de dois estabelecimentos comerciais; - Que, no âmbito dessa actividade profissional, contraiu dividas a M (…) Lda e J (…) no valor global de 18.559,79 €; - Que não consegue cumprir essas obrigações que estão a ser reclamadas, apesar de ter celebrado acordos de pagamentos, sendo certo que apenas aufere o vencimento mensal de 600,00€ e não dispõe de outros bens ou rendimentos; - Que acabou por fechar os mencionados estabelecimentos comerciais, o que agravou a sua difícil condição económica, acabando por incumprir com os acordos de pagamento entretanto celebrados, encontrando-se em situação de insolvência; - Que já foi declarada insolvente por sentença proferida em 22/07/2013, mas nunca beneficiou da exoneração do passivo restante.

Depois de ter sido junta aos autos certidão da petição inicial e da sentença proferida no âmbito do processo de insolvência n.º 742/13.0TBCTB que havia corrido termos no mesmo Juízo e depois de observado o contraditório no que toca à eventual verificação da excepção dilatória de caso julgado, foi proferida decisão que, com fundamento nessa excepção, indeferiu liminarmente o pedido de declaração de insolvência que havia sido apresentado.

Inconformada com essa decisão, a Requerente veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. A Autora, ora Recorrente, apresentou-se à insolvência com pedido de exoneração do passivo restante, cumprindo todas as condições exigidas pela lei.

  1. O Legislador não nega o acesso ao instituto da Insolvência às pessoas já declaradas insolventes.

  2. No pedido de insolvência devem ser valoradas as circunstâncias que nortearam a atual situação de insolvência, ao momento da sua apreciação, verificando-se se a Autora/Recorrente se encontra ou não em situação de insolvência, sempre em respeito pelos pressupostos a que se reporta o artigo 238º do CIRE.

  3. Aliás, é o próprio Legislador que, no artigo 238º al. c) do CIRE, "a contrario sensu" admite a renovação do pedido de exoneração do passivo restante desde que o mesmo não tenha sido decretado nos 10 anos anteriores ao início ao processo de insolvência em que tenha sido apresentado.

  4. Nas insolvências onde não haja pedido de exoneração do passivo restante, não há qualquer impeditivo temporal, mas existe o condicionalismo previsto no artigo 39.º, n.º 7, alínea d) do CIRE.

  5. No entanto, a Recorrente beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo.

  6. O direito de acesso aos tribunais, pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva, encontra-se consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa.

  7. Esta garantia consagrada na Constituição da República Portuguesa impede que o acesso aos Tribunais não seja dificultado em função da condição económica das pessoas.

  8. Garantia que, no caso vertente, foi concretizada na concessão de apoio judiciário.

  9. A norma, prevista no artigo 39.º, n.º 7, alínea d) do CIRE, ora em questão, obstaculiza o funcionamento da garantia constitucional e compromete a finalidade para a qual foi instituída.

  10. Assim, o condicionalismo previsto no artigo 39.º, n.º 7, alínea d) do CIRE, é inaplicável nos presentes autos, por violar do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, ambos da Constituição da Republica Portuguesa. (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional, 2.ª secção, n.º 440/2012, de 31 de Outubro, disponível em: Diário da República, 2.ª série – N.º 211 – 31 de outubro de 2012, pp. 36005 e 36006) 12. No caso em apreço, embora a Recorrente já tenha sido declarada insolvente no passado, esse facto não é impeditivo para a sua declaração de insolvência atual.

  11. Assim, serão relevantes apenas os circunstancialismos que norteiam a situação da Recorrente atualmente, veja-se que dentro destes circunstancialismos se enquadra uma realidade antes desconhecida e que agora também há-de ser relevante para a apreciação do presente pedido de insolvência.

  12. Entenda-se que com os presentes autos não se pretende que o Tribunal declare a Recorrente insolvente à data de 2013.

  13. A declaração de insolvente com pedido de exoneração do passivo restante, terá apenas em consideração os circunstancialismos atuais, sem nenhuma correspondência a anteriores decisões.

  14. Neste sentido, não se verificar qualquer exceção de caso julgado, desde logo, porque a sentença de insolvência prolatada há mais de cinco anos não faz qualquer caso julgado material ou formal nos presentes autos, nomeadamente, quanto aos circunstancialismos de vida da Recorrente, que fazem parte da sua vivência, nem quanto à declaração de insolvência em si, pois não consubstancia qualquer facto essencial, ou mesmo instrumental, para a decisão do pleito.

  15. Aliás, os sujeitos processuais nem sequer são os mesmos.

  16. Dúvidas não restam que a Recorrente se encontra em situação de Insolvência, pois, por um lado, apresenta uma condição económica débil, que justificou a atribuição do apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, por outro lado, tem um passivo enorme, que a irá deixar “ad aeternum” nessa condição.

  17. Deixar a pessoa singular em situação de insolvência “ad aeternum” é uma solução contrária aquela que o Legislador introduziu no nosso ordenamento jurídico, aquando adotou a doutrina do “fresh start” ou do novo começo, no sentido de permitir uma segunda oportunidade às pessoas singulares.

  18. Assim, estando em causa uma pessoa singular, não deve prevalecer a solução economicamente mais favorável, pelo contrário, deverá aplicar-se aquela que melhor se coadune na defesa dos direitos constitucionalmente consagrados na Constituição da República Portuguesa, dentro dos limites que a Lei estabelece.

  19. Pelo exposto, o douto despacho recorrido, viola na sua fundamentação princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa e adota uma solução que não encontra enquadramento legal, pelo contrário, segue um caminho contrário aquele que o Legislador optou.

  20. Em suma, neste processo de insolvência tudo é diferente, sem que exista nenhuma relação com o anterior processo de 2013, nomeadamente, os sujeitos são diferentes, as dividas são diferentes, a realidade em torno da Requerente, ora Recorrente, é diferente, ou seja, este processo versa sobre uma realidade totalmente nova.

  21. Pelo exposto, o douto despacho violou os artigos: 20.º, 264, ambos da CRP e 27.º e 28.º, também ambos do CIRE, pelo que, deve o mesmo ser revogado e em consequência, deve a petição inicial ser admitira e o processo seguir os seus termos até final.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

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