Acórdão nº 801/14.2TBPBL-F.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelEMÍDIO SANTOS
Data da Resolução03 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra No processo de insolvência de J (…)S.A., foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos que decidiu - com interesse para o presente recurso de apelação – o seguinte: 1. Julgar parcialmente procedente a impugnação da lista de credores reconhecidos deduzida por A (…) e P (…), e reconhecer a favor deles, sob condição suspensiva (recusa de cumprimento do contrato promessa pelo Sr. Administrador de Insolvência), um crédito global no valor de € 350.000,00, sendo que, desse valor, o crédito de € 175.000,00 era de classificar como garantido por beneficiar de direito de retenção sobre a fracção I do piso 3, do prédio urbano composto por quatro andares, logradouro e garagem, no lote 1, sito (…)freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha nº 2567/Freguesia de (...) e inscrito actualmente na matriz predial urbana da Freguesia de (...) e X (...) sob o nº 4094 e um crédito de €175.000,00, classificado como comum; 2. Julgar procedente a impugnação da lista de credores reconhecidos deduzida por J (…) e reconhecer a favor dele, sob condição suspensiva (recusa de cumprimento do contrato promessa pelo Sr. Administrador de Insolvência), um crédito no valor de € 45.090,52, classificado como garantido, por beneficiar de direito de retenção sobre a fracção correspondente ao apartamento do tipo T3, situado no (…)designado pela letra L, com uma garagem na cave, designada pela garagem L, com 63,65m2, do prédio sito na (…), freguesia de (...) , inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4094, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 2567, da referida freguesia.

  1. Graduar pelo produto da venda do prédio referido em 1) os seguintes créditos: a) Crédito reclamado pela autoridade tributária e aduaneira no montante de € 1 536,03 relativamente ao IMI, que beneficia de privilégio imobiliário especial; b) Crédito de A (…) e P (…) , sob condição suspensiva (recusa de cumprimento do contrato-promessa do administrador) no valor de € 175 000,00, que beneficia do direito de retenção; c) Crédito reclamado pelo N (…) S.A. que beneficia de duas hipotecas; d) Crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social até ao montante máximo de € 4 930,84, que goza de privilégio imobiliário geral; e) Crédito reclamado pelo Ministério Público, em representação da autoridade Tributária no montante de € 7 478,1, que goza de privilégio imobiliário geral; f) Os restantes créditos reconhecidos, que têm a natureza comum a pagar rateadamente, se necessário; g) Os créditos subordinados.

  2. Graduar pelo produto da venda do prédio referido em 2) os seguintes créditos: a) Crédito reclamado pela autoridade tributária e aduaneira no montante de € 1 536,03 relativamente ao IMI, que beneficia de privilégio imobiliário especial; b) Crédito de J (…), reconhecido sob condição suspensiva (recusa de cumprimento do contrato-promessa do administrador) no valor de € € 45 090,52, que beneficia do direito de retenção; h) Crédito reclamado pelo N (…) S.A. que beneficia de duas hipotecas; i) Crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social até ao montante máximo de € 4 930,84, que goza de privilégio imobiliário geral; j) Crédito reclamado pelo Ministério Público, em representação da autoridade Tributária no montante de € 7 478,1, que goza de privilégio imobiliário geral; k) Os restantes créditos reconhecidos, que têm a natureza comum a pagar rateadamente, se necessário; l) Os créditos subordinados.

    N (…) S.A.

    interpôs contra tais segmentos da sentença o presente recurso de apelação, pedindo a revogação e a substituição deles por decisão que graduasse os créditos hipotecários dele, recorrente, com primazia sobre os créditos de A (…), P (…) e J (…) sobre as fracções acima identificados.

    Os fundamentos do recurso desenvolvidos à frente consistiram em resumo: 1. Na impugnação da decisão de julgar provados os factos discriminados na fundamentação sob os números 12, 13, 15 e 51; 2. Na alegação de que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 754.º, 755.º, 759.º, todos do Código Civil, e ainda o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

    J (…), P (…) e A (…) responderam ao recurso, sustentando a manutenção da decisão de facto e da decisão de direito.

    * Síntese das questões suscitadas pelo recurso: 1. Saber se, ao julgar provada a matéria dos pontos n.ºs 12, 13, 15 e 51 da fundamentos de facto da decisão, a sentença errou na apreciação da prova e se a decisão relativa a tais pontos da matéria de facto deve ser alterada no sentido de serem julgados não provados; 2. Saber se, ao reconhecer aos créditos de que eram titulares J (…), P (…) e A (…) direito de retenção sobre as fracções acima indicadas, a sentença sob recurso incorreu em erro.

    * Impugnação da decisão relativa à matéria de facto Considerando que a resolução das questões de facto tem precedência lógica sobre a resolução das questões de direito, importa conhecer, em primeiro lugar, da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

    Comecemos pela impugnação da decisão relativa à matéria de facto relacionada com o direito de retenção reconhecido a favor de P (…) e A (…).

    Estão em causa as decisões de julgar provados os seguintes factos: 1. No entanto, tais factos não correspondem integralmente à verdade, pois parte da quantia que se deu quitação, no montante de € 350.000,00, seria liquidada, não em moeda, mas mediante o valor de permuta das fracções descritas [12.º]; 2. Ao celebrarem este contrato, as partes, bem sabendo que as suas declarações não correspondiam à vontade real e mediante acordo prévio, tiveram a intenção de criar a aparência de realização de uma compra e venda, com o intuito de antecipar o cumprimento da promessa por parte de M (…) e I (…) e possibilitar a assunção dos encargos respeitantes à eminente emissão de alvará de loteamento por parte da insolvente, bem como a posterior condução do projecto, uma vez que estes encargos não foram contratualmente acordados como sendo da responsabilidade dos restantes outorgantes do contrato promessa [13]; 3. P (…) após a entrega das chaves da fracção “I” pela insolvente, passou a habitar a fracção já no ano de 2009, ininterruptamente até à presente data, local onde tem os seus pertences, aí pernoitando e tomando as refeições, passando os seus momentos de lazer, onde recebe a sua correspondência, tendo em seu nome os contratos de fornecimento de electricidade, água, gás e telecomunicações, constituindo aí a sua residência permanente.

    O recorrente pede se julguem não provados estes factos.

    Para bem se perceberem o sentido e os fundamentos da impugnação, importa ter em conta a matéria julgada provada sob o ponto n.º 11 combinada com o teor da escritura pública, cuja fotocópia está junta de fls. 212 a 214.

    Sob o n.º 11 o tribunal a quo julgou provado que, “em 11 de Abril de 2007, M (…) e I (…) representados pelo procurador com poderes especiais, celebraram um contrato designado de compra e venda, no qual declararam vender e comprar o descrito prédio misto pelo valor total de € 474 700,00”.

    Dado que esta matéria não reflecte com rigor as declarações de vontade constantes da escritura pública celebrada em 11 de Abril de 2007, cuja fotocópia está junta de fls. 212 a 214, o que deve ser julgado provado com base em tal documento é o seguinte: “J (…), outorgando na qualidade de procurador com poderes para o acto, em representação de M (…) e I (…) declarou vender pelo preço de quatrocentos e setenta e quatro mil e setecentos euros à sociedade J (…), S.A., livre de quaisquer ónus ou encargos, o prédio misto, composto por casa de habitação de rés-do chão, com dependências, logradouros e terra de cultura com árvores de fruto, oliveiras, vinha e pinhal, localizado em Z (...) , freguesia de W (...) , concelho da U (...) , inscrito sob o artigo 130 urbano e sob o artigo 182 rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial da U (...) sob a ficha n.º 2969/freguesia de W (...) ”.

    Sobre o pagamento do preço, o procurador dos vendedores declarou na escritura: “que do indicado preço foi já liquidada neste acto a quantia de trezentos e noventa e nove mil e setecentos euros, que dá como integralmente recebida e de que presta quitação, sendo os restantes setenta e cinco mil euros liquidados mediante a entrega que lhe é feita, neste acto do cheque n.º 3001110382 sobre o Banco (…) S.A. nesse valor, datado de 10.09.2007”.

    Sob o n.º 12, o tribunal a quo julgou provado que não correspondia integralmente à verdade que, no citado acto, tivesse sido liquidada a quantia de trezentos e noventa e nove mil e setecentos euros, pois parte dela, no montante de € 350 000,00 seria liquidada, não em dinheiro, mas mediante o valor da permuta da fracção F do piso 2 e da fracção I do piso 3 do prédio urbano composto por quatro andares, logradouro e garagem no lote 1, sito em Y (...) , Quinta (...) , K (...) , freguesia de (...) , (...) .

    Esta prova, segundo a fundamentação da decisão de facto, resultava do contrato-promessa de fls. 192 verso e seguintes.

    Por sua vez sob o n.º 13 julgou provado que, ao fazerem as declarações que constavam da escritura, as partes sabiam que essas declarações não correspondiam à sua vontade real e que mediante acordo prévio tiveram a intenção de criar a aparência de realização de um contrato de compra e venda, com o intuito de antecipar o cumprimento da promessa por parte de M (…) e I (…) e possibilitar a assunção dos encargos respeitantes à iminente emissão de alvará de loteamento por parte do insolvente bem como a posterior condução do projecto, uma vez que estes encargos não foram contratualmente acordados como sendo da responsabilidade dos restantes outorgantes do contrato-promessa.

    Segundo o tribunal a quo, esta matéria resultava de toda a prova produzida conjugada com as regras da experiência que nos dizem que é prática relativamente corrente quando as partes outorgantes do...

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