Acórdão nº 348/18.8T8FND-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 24 de Setembro de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 21.5.2018, a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MF (…) e ML (…), representada pela cabeça-de-casal, a filha A (…), veio propor a presente acção declarativa comum contra A (…) e esposa M (…) pedindo que sejam condenados a: A) Reconhecerem que os prédios identificados em 10º da petição inicial (p. i.) integram a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MF (…) e ML (…). B) A reconhecerem que sobre o prédio ou prédios deles Réus, se encontra constituída uma servidão de passagem de pé, carroça, tractor e veículos motorizados de transportes de pessoas de e para os prédios da Autora, nos termos descritos em 14º a 16º da p. i. C) A retirarem o muro em tijoleiras de cimento bem como a grade em ferro que colocaram, no acesso ao prédio da Autora, no local que coincide com o final da passagem. D) A não praticarem quaisquer actos ou factos que, por qualquer forma, possam perturbar ou impedir o exercício do direito de servidão de passagem. E) A pagarem à Autora uma indemnização de valor não inferior a € 5 000 por danos não patrimoniais sofridos. F) Após o trânsito em julgado da sentença e até ao integral cumprimento da mesma, pagarem uma sanção pecuniária compulsória à autora no valor de € 50 diários por cada dia de atraso no seu cumprimento.
Alegou, em síntese, as circunstâncias do decesso dos autores da herança e indicou os filhos destes, seus herdeiros, e os que, por morte de dois desses herdeiros, assumem o direito de representação (para efeitos sucessórios), bem como a factualidade relativa à existência e propriedade de dois prédios rústicos e três urbanos, de que são actualmente “proprietários em comum e sem determinação de parte ou direito, na proporção dos respectivos quinhões”, os ditos herdeiros (melhor identificados nos art.ºs 3º a 7º e 10º da p. i.), e a existência e configuração de um direito de servidão de passagem constituído a favor dos prédios da herança, onerando um prédio rústico vizinho pertença dos Réus, sendo que estes, com a actuação descrita na p. i. (colocando os obstáculos ao seu exercício descritos nos art.ºs 19º e 20º), têm causado prejuízos à A. e aos herdeiros dos falecidos (que se traduzem no facto de se encontrarem impedidos de aceder aos seus prédios como sempre fizeram e dele retirarem todas as suas utilidades).
Afirmou a legitimidade da autora representada pela cabeça-de-casal, porquanto a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal, cabendo-lhe, entre outros, os poderes atinentes à salvaguarda do direito de propriedade e de manutenção da posse, sobre os bens pertencentes à herança, in casu, a fixação do direito de servidão de passagem constituída a favor dos identificados prédios da herança, sobre um prédio rústico vizinho.
Juntou diversos documentos, nomeadamente, certidões de assentos de óbito e de assentos de nascimento (cf. fls. 8 verso a 18 do processo físico).
Os Réus contestaram e deduziram pedido reconvencional, pedindo, entre o mais, que a A. seja condenada: c) A reconhecer que nunca houve nenhuma passagem dos prédios da A. para o prédio da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C (…) e M (…), uma vez que toda a propriedade desta esteve desde tempos imemoriais murada e vedada e é de acesso exclusivo apenas e tão-só aos seus proprietários e herdeiros. d) A reconhecer que os prédios da A. confrontam com outros prédios que não o da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C (…) e M (…) e que de acordo com o art.º 1553º do CC, a servidão terá de ser constituída sobre aqueles prédios porque implicará um menor sacrifício do que pelo prédio da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C (…) e M (…) e) A absolvição dos RR ao pagamento de qualquer indemnização à A. por danos não patrimoniais sofridos. f) A absolvição dos RR a pagarem qualquer sanção pecuniária compulsória à A. por cada dia de atraso no seu cumprimento; e ainda, nos termos da alínea h) que seja a A. condenada a pagar indemnização a liquidar aos RR, caso seja constituída uma servidão sobre o prédio da Herança indivisa e ilíquida aberta por óbito de C (…) e M (…).
Aduziram, designadamente: carece a A. representada pelo cabeça-de-casal de legitimidade activa para sozinha intentar a presente acção judicial, nos termos do art.º 2091º do Código Civil (CC), pois fora dos casos de entrega de bens que o cabeça-de-casal deva administrar, de cobrança de dívidas ou de venda de bens e satisfação de encargos (art.ºs 2088º, 2089º e 2090 do CC), “os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”; assim, deveria a A. ter intentado a presente acção judicial acompanhada de todos os herdeiros e não só do cabeça-de-casal, pois trata-se de um caso de litisconsórcio activo necessário e legal (cf. o mencionado art.º 2091 do CC e o art.º 33º do Código de Processo Civil/CPC); a ilegitimidade activa da A. representada pela cabeça-de-casal obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, devendo os Réus ser absolvidos da instância; existe igualmente ilegitimidade passiva, visto que a acção foi proposta contra os Réus quando deveria ter sido proposta contra a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C (…) e M (…) e todos os seus herdeiros - “o direito que a A. vem peticionar deveria ter sido intentada contra a herança e todos os seus herdeiros” (sic), pois trata-se também de um caso de litisconsórcio passivo necessário e legal, para que a decisão produza o seu efeito útil normal; ao não serem todos demandados, herança e herdeiros, verifica-se existir ilegitimidade passiva dos Réus, obstando ao conhecimento do mérito da causa e dando lugar à absolvição da instância.
Juntaram diversos documentos, inclusive, certidões de assentos de óbito (fls. 44).
Suscitou, então, a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MF (…) e ML (…) representada pela dita cabeça-de-casal, face às “sérias e fundadas dúvidas quanto à sua legitimidade para por si só fazer seguir os presentes autos”, a intervenção dos restantes co-herdeiros ((…), melhor identificados na p. i. e no art.º 4º do requerimento de 21.9.2018) e a sua citação, ao abrigo do disposto no art.º 316º, n.º 1 do CPC - como associados de A (…), que nestes autos se deverá entender que age igualmente na qualidade de herdeira da herança em causa -, bem como, face ao também aduzido pelos Réus, o esclarecimento e/ou a intervenção provocada (da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C (…) e M (…), representada pelos herdeiros (…)) requerida no segundo requerimento apresentado em 21.9.2018.
A A. replicou e os Réus pronunciaram-se quanto aos incidentes de intervenção provocada, referindo, designadamente (contrariando a posição assumida na contestação…[1]), que a A. herança ilíquida e indivisa aberta por óbito MF (…) e ML (…) não tem personalidade judiciária, o que configura uma excepção dilatória típica e insuprível, sendo que a presente acção teria de ter sido intentada por todos os herdeiros de MF (…) e ML (…), e não pela herança ilíquida e indivisa deixada pelo seu óbito, que não tem personalidade judiciária pois já foi aceite.
Por despacho de 24.10.2018, o tribunal aferiu da preterição de litisconsórcio necessário activo e passivo e admitiu os incidentes de intervenção principal provocada, considerando, nomeadamente, que a situação em análise reclamava a intervenção de todos os herdeiros da herança indivisa A., tratando-se, pois, de um caso de litisconsórcio activo de todos os herdeiros, afigurando-se igualmente que do lado passivo se impunha a intervenção de G (…), na qualidade de herdeira da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C (…) e M (…) acautelando a hipótese de o alegado prédio serviente integrar o referido património autónomo.
[2] De tal despacho interpuseram recurso os Réus/reconvindos (…) formulando as seguintes conclusões: (…) Não houve resposta.
O Mm.º Juiz a quo pronunciou-se sobre a invocada nulidade, suprindo e justificando o omitido e/ou sintetizado no despacho em crise.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, principalmente, da admissibilidade dos mencionados incidentes de intervenção principal, a que subjaz a questão de saber se a herança ilíquida e indivisa tem ou não personalidade judiciária, verificando as consequências emergentes da eventual falta desse pressuposto (designadamente, se deve conduzir à absolvição da instância) e se existe ou não algum obstáculo legal à admissão do incidente de intervenção principal dos demais herdeiros.
* II. 1. A matéria fáctica e processual a considerar é a que resulta do relatório que antecede.
-
Cumpre apreciar e decidir com a...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO