Acórdão nº 3244/18.5T8PBL-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução17 de Setembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. J (…), nascido em 07.01.1970, instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria/Juízo de Família e Menores de Pombal, em 18.9.2018, acção de investigação de paternidade contra JA (…), pedindo que o Réu seja condenado a reconhecer que o A. é seu filho e o averbamento deste facto ao respectivo assento de nascimento, omisso quanto à paternidade.

Alegou, em síntese: a sua mãe, num momento em que se encontrava doente, revelou que o pai do A. se chamava JA (…), de quem tinha sido empregada doméstica; existiu um relacionamento amoroso entre ambos, que durou desde os inícios do ano de 1968 até a progenitora ter conhecimento da gravidez do A.; esta manteve exclusivamente relações sexuais com o Réu; só em Junho de 2018 teve conhecimento dos factos e circunstâncias da sua concepção e nascimento.

O Réu contestou, impugnando a generalidade dos factos invocados na petição inicial (p. i.) e invocando a caducidade do direito de o A. investigar a sua pretensa paternidade como filho do Réu. Concluiu pela procedência da dita excepção e a improcedência da acção.

Em sede de audiência prévia, a Mm.ª Juíza a quo proferiu o seguinte despacho-saneador (de 19.02.2019): «(…) Da caducidade da ação: Na sua contestação, veio o R. invocar a caducidade da acção, com base no disposto no art.º 1817º, do Código Civil, uma vez que já decorreram 31 anos desde que o A. atingiu a maioridade.

O A. nada disse.

Factos provados (…):

  1. O A. nasceu no dia 07.01.1970.

  2. A presente acção foi instaurada a 18.9.2018.

Cumpre apreciar e decidir: Dispõe o artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil (aplicável à acção de investigação da paternidade por remissão do artigo 1873º), que “A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.”.

No entanto, face à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do disposto no art.º 1817º, n.º 1 do Código Civil, proferida pelo Ac. do TC n.º 23/06, de 10 de Janeiro, entende-se não existir, actualmente, prazo de caducidade para a acção de investigação de paternidade.

Estabelecido que era o dito prazo-regra no art.º 1817º, n.º 1, do Código Civil, veio o já referido acórdão do TC n.º 23/06 declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquela norma, que previa a extinção, por caducidade, do direito de investigar a paternidade a partir dos 20 anos de idade do filho, reconhecendo o mesmo, além do mais, que, conforme o art.º 26º, n.º 1, da Constituição, o direito do filho ao apuramento da paternidade biológica é uma dimensão do “direito fundamental à identidade pessoal”.

Tratando-se de estabelecer a paternidade, invoca-se o direito à identidade, na vertente de se saber de onde se vem, ou de quem se vem, dos art.ºs 25º, n.º 1 e 26º, n.º 1 da Constituição, que não seria devidamente acautelado se a acção que o concretiza estivesse sujeita ao dito prazo de caducidade.

Sendo, porém, certo que no aresto ora em apreço o que se tratava não era de qualquer imposição constitucional de uma “ilimitada (…) averiguação da verdade biológica da filiação”, pelo que, como aí se salienta, não constituiu objecto do processo apurar se a imprescritibilidade da acção correspondia à única solução constitucionalmente conforme. (…) O certo é que, na sequência do antes exposto, também a fixação de prazo mais alargado se afigura ao Tribunal levar à inconstitucionalidade do actual n.º 1 do art.º 1817º, levando tal juízo à recusa da aplicação de tal normativo ou qualquer outro que imponha uma limitação temporal ao direito de instaurar acção declarativa com efeito igual ao apreciado na presente acção, por violar, também, a Constituição.

Pelo que se indefere a excepção deduzida. (…)» Foi ordenado o prosseguimento dos autos, com diligências instrutórias e a realização da audiência final.

Inconformado, o Réu apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - Foi arguida pelo Réu a excepção de caducidade do direito do A. a propor a presente acção de investigação de paternidade e alegada a pertinente factualidade.

  1. - O A. não respondeu a tal excepção.

  2. - Jamais foi declarado inconstitucional o n.º 1 do art.º 1817 do Código Civil (CC), na redacção da Lei 14/2009, de 01.4, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do art.º 1873º do mesmo Código, prevê um prazo de 10 anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante.

  3. - O estabelecimento de tal prazo não viola os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, abrangido pelo direito fundamental à identidade pessoal, previsto no art.º 26º, n.º 1 e o direito de constituir família, previsto no art.º 36º, n.º 1, da Constituição.

  4. - O direito do A. a propor a presente acção de investigação de paternidade, à data da publicação da Lei 14/2009, de 01.4, já se encontrava caducado - o prazo de 10 anos sobre a maioridade ou emancipação do investigante já havia decorrido há muito, pois o investigante atingiu a maioridade em 07.01.1988.

  5. - Mesmo considerando os dois anos posteriores a esta data, caducara o direito do A. em 07.01.1990.

  6. - Mesmo considerando que o prazo de 2 anos, antes da Lei 14/2009, fosse declarado inconstitucional pelo Ac. do T. Constitucional n.º 23/06, certo é que o prazo de 10 anos (que veio substituir aquele) já havia decorrido, à data da entrada em vigor da Lei 14/2009 (2006 + 10 anos = 2016).

  7. - Nos termos do art.º 297 do CC “A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o momento inicial”.

  8. - Caducado um direito, ele não se renova.

  9. - A lei em vigor é o art.º 1817, n.º 1 do CC, na redacção dada pela Lei 14/2009, a qual, enquanto não for revogada ou declarada inconstitucional, o Tribunal tem o dever de aplicar (art.º 8º do CC).

  10. - Uma coisa é o direito constituído; outra, o direito constituendo.

  11. - Violou, pois, a sentença o disposto no art.º 1817 do CC, n.º 1, por força do art.º 1873 do mesmo Código, bem como os art.ºs 8º e 342, n.º 2 do CC.

Remata pugnando pela revogação do despacho saneador que julgou improcedente a excepção de caducidade, e que deverá ser julgada verificada.

O A. respondeu à alegação concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar se podemos dar por transcorridos os prazos de caducidade da presente acção de investigação da paternidade e a sua conformidade constitucional (maxime, a questão da constitucionalidade da previsão de limites temporais à propositura da acção de investigação da paternidade).

* II. 1. Para a decisão do recurso releva apenas o que decorre do precedente “relatório”.

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Dispõe o art.º 1817º do Código Civil[1] (sob a epígrafe “prazo para a proposição da acção”), na redacção conferida pela Lei n.º 14/2009 de 01.4: A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação (n.º 1). Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no art.º 1815º, a acção pode ser proposta nos três anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório (n.º 2).

A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:

  1. Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação (n.º 3). No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos...

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