Acórdão nº 711/17.1T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelISA
Data da Resolução27 de Abril de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1. No tribunal judicial da Comarca de Castelo Branco (Juízo Central Cível), os autores, J... e H...

, residentes na Rua ..., instauraram (em 27/04/2017), ao abrigo do disposto nos artigos 52º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 1º, n.º 1 e 2, 2º, n.º 1 e 2, e 12º, n.º 2, da Lei n.º 83/95, de 31/08, contra os réus, M..., Unipessoal, Lda.

, com sede na Rua ..., e J... e sua mulher M...

, ambos residentes na Rua ..., a presente ação popular civil, requerendo ainda a intervenção principal ou, subsidiariamente, a intervenção acessória do Ministério Público, pedindo no final que:

  1. Se declare não ser verdadeira a declaração constante da escritura de justificação notarial outorgada a 16 de Abril de 2010, declarando-se ainda que o prédio urbano aí identificado nunca pertenceu à sociedade Ré; b) Se anule o contrato de compra e venda celebrado entre a sociedade Ré e o Réu J... mediante escritura pública outorgada no dia 20 de Outubro de 2015, determinando-se o cancelamento do correspondente registo de aquisição; c) Se declare a nulidade de eventuais negócios jurídicos que tenham sido celebrados com terceiros por qualquer um dos réus, e bem como o cancelamento dos registos efetuados ou que venham a ser efetuados a favor de eventuais terceiros adquirentes; d) Que se declare que o prédio em causa é imprescritível, por ser de utilidade pública, na medida em que integra uma servidão administrativa por estar integrado na Zona Especial de Proteção do Monumento Nacional Castelo de ..., condenando-se ainda os Réus a desocupar e restituir o mesmo, livre e devoluto de pessoas e bens, bem como das construções, implantações e qualquer equipamento que nele os Réus ou terceiros hajam executado ou erigido, designadamente a estação de telecomunicações que se encontra no interior e no logradouro do prédio e correspondentes equipamentos, torres e antenas.

    Para o efeito, e em síntese, alegaram o seguinte: Por escritura de justificação outorgada no dia 16/04/2010, o réu J..., na qualidade de único sócio e gerente da ré M..., Unipessoal, Lda, declarou que o prédio urbano situado no ..., então inscrito na matriz sob o artigo ..., pertence à sociedade ré, que o comprou a M... no ano de 1985, entrando de imediato na posse do mesmo, embora não tenha chegado a ser formalizada a necessária escritura pública.

    Sucede, porém, que tais declarações são falsas, tendo em conta que o ali referido prédio nunca pertenceu a M... e que a sociedade ré foi constituída por escritura pública outorgada apenas no dia 13/08/2001, nunca tendo adquirido esse prédio.

    Por outro lado ainda, o dito prédio está integrado na Zona Especial de Proteção (ZEP) do Castelo de ..., classificado de Monumento Nacional, razão pela qual não pode ser adquirido por particulares, designadamente por usucapião.

    1. Após terem sido citados para o efeito, os réus apresentaram contestação à ação, defendendo-se por impugnação, o que fizeram, em síntese, nos moldes seguintes: Que M..., mãe da ré mulher, herdou o prédio identificado na petição inicial na sequência de partilha realizada verbalmente, tendo-o vendido, no ano de 1985, à R...

      Desde essa data, o referido prédio tem vindo a ser utilizado, de forma pacífica, ininterrupta, à vista de todos e sem qualquer oposição de quem quer que seja, pela R..., aí exercendo a sua atividade, que funcionou inicialmente como rádio-pirata, tendo depois sido constituída sob a forma de Cooperativa no ano de 1987, a qual, por sua vez, constituiu, no ano de 2001, a sociedade ré, para a qual aquela transmitiu o seu património, ali continuando a exercer a mesma atividade nos mesmos moldes, acabando aquela (Cooperativa) entretanto por se dissolver.

      O referido prédio urbano (identificado na sobredita escritura de justificação que os AA. impugnam) está situado a mais de 50 metros da muralha do Castelo de ..., pelo que as limitações legais que aqueles invocam não se mostram aplicáveis ao caso em apreço.

      Pelo que o referido prédio foi, assim, também adquirido originariamente pela ora sociedade ré, por via da usucapião.

      Terminaram os RR. por pedir a improcedência da ação, como a sua absolvição dos pedidos.

    2. À luz do disposto nos artigos 15º, nº. 1, e 16º da Lei nº. 83/95, de 31/08, foram citados o Ministério Público e os habitantes de ..., tendo estes (nele identificados e através de requerimento/documento juntos aos autos) declarado não aceitar ser representados pelos autores.

    3. Dispensada que foi a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e a regularidade da instância, tendo-se depois ali procedido à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos termas de prova, sem que tivesse sido apresentada qualquer reclamação.

    4. Mais tarde - após a instrução do processo, na qual se incluiu um relatório pericial – realizou-se (em várias sessões) a audiência de discussão e julgamento (com a gravação da mesma).

    5. Seguiu-se a prolação da sentença que, no final, decidiu julgar improcedente a ação, e absolver os réus dos pedidos formulados pelos autores.

    6. Inconformados com tal sentença, dela apelaram os autores, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos: ...

    7. Contra-alegaram os RR. e o MºPº, pugnando no final pela total improcedência do recurso e pela manutenção integral da sentença.

    8. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

      II- Fundamentação

      1. De facto Pelo tribunal da 1ª. instância foram dados como provados os seguintes factos: ...

      2. De direito 1. Como é sabido, e é pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2 – fine -, do CPC).

      Constitui igualmente entendimento prevalecente que nas questões que se impõe ao tribunal conhecer não se abrangem/incluem as razões ou a argumentação jurídicas aduzidas pelas partes.

      Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso dos autores/apelantes, verifica-se que a questão que aqui nos cumpre apreciar traduz-se em saber se houve ou não erro julgamento quanto ao mérito da causa e, particularmente, quanto ao saber se o direito de propriedade sobre o prédio que foi objeto da impugnada (pelos AA.) escritura de justificação notarial a que se reporta o ponto 1. dos factos provados foi ou não adquirido originariamente pela sociedade ré através do instituto da usucapião (conforme o ali declarado), e das consequências daí a extrair, face ao pedido formulado, em caso de resposta negativa.

      Há luz dos factos apurados o tribunal a quo entendeu de que que sim.

      Dessa decisão conclusiva (que resulta da sentença), discordam os autores/apelantes apoiando-se em dois fundamentos:

  2. Ao contrário do que considerou o tribunal a quo, a sociedade ré não poderia suceder/aceder à anterior posse que sobre o referido prédio deteve/exerceu a cooperativa R..., CRL, pois que essa acessão/sucessão não foi alegada na referida impugnada escritura de justificação notarial, e daí que sem essa soma de posses não tinha ainda, aquando da outorga da mesma, decorrido o prazo legal que permitisse àquela sociedade adquirir, por via da usucapião, originariamente o direito de propriedade sobre o referido prédio justificado.

  3. Independente do fundamento anterior, e situando-se o prédio que foi objeto daquela escritura de justificação dentro da zona especial de proteção do Castelo de ... (classificado, tal como as respetivas muralhas, de monumento nacional), essa aquisição do direito de propriedade não pode ocorrer por imprescritibilidade do prédio, não podendo, pois, ser adquirido por usucapião (imprescritibilidade essa que o tribunal a quo também concluiu não ocorrer no caso em apreço).

    Contra o entendimento dos AA./apelantes, e em defesa daquele que foi sufragado pelo tribunal a quo, se pronunciam os réus/apelados e o MºPº.

    1. Apreciando 2.1 Como ressalta daquilo que acima deixámos expresso na Relatório, encontramos no domínio de uma ação tutelar cível instaurada pelos AA. (enquanto cidadãos) para defesa do património cultural.

    Perfunctoriamente (dado que no caso a caracterização da natureza desse tipo de ação se mostra pacífica entre o tribunal e as partes) diremos tão só que a ação popular vem sendo considerada como uma das mais importantes conquistas processuais para a defesa de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, e que tem por objeto, antes de mais (embora não se esgote neles), a defesa dos chamados interesses difusos, enquanto interesses de toda uma comunidade, que tanto pode ser de âmbito nacional, como regional ou mesmo local. Interesses esses que são da mais diversa índole, e que têm, nomeadamente, a ver com a defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do consumo de bens e serviços, do património cultural e do domínio público.

    Ação essa que, entre nós, têm a sua consagração no artº. 52º, nº. 3, da CRPort., tendo, em termos gerais, obtido a sua regulamentação através da Lei nº. 83/95, de 31/08.

    Nesta última lei se regula a ação, quer no âmbito da jurisdição administrativa (participação popular em procedimentos administrativos ou contencioso administrativo), quer no âmbito da jurisdição (judicial) comum, visando a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações previstas naquele citado normativo da nossa Carta Fundamental.

    O âmbito daqueles interesses difusos que com tal ação se visam tutelar aparece ali, embora numa tendência que se pretende globalizante, enumerado de forma meramente exemplificativa, e de que é exemplo disso a expressão adverbial “designadamente” empregue no nº. 2 do artº. 1º daquela Lei.

    Grosso modo, podemos ainda dizer que muito embora a lei atribua legitimidade processual a qualquer pessoa singular (para além das instituições ou entidades ainda referidas no atual...

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