Acórdão nº 1470/13. 2TBCLD-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Novembro de 2021
Magistrado Responsável | ALBERTO RUÇO |
Data da Resolução | 23 de Novembro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Sumário: I – Existindo acórdão do Tribunal da Relação, com recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, que imputa ao arguido factos que integram a autoria material de oito crimes de abuso sexual sobre a sua filha, com 4 anos de idade à data dos factos, tal factualidade pode ser levada em consideração num processo tutelar cível (Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro), apesar do princípio da presunção de inocência do arguido consagrado no artigo 32.º da Constituição da República.
II – Nesta situação de incerteza deve optar-se pela decisão que cause presumivelmente menor prejuízo à menor.
III – A gravidade dos factos pode implicar a suspensão dos encontros entre pai e filha, mesmo que decorram na presença de técnicos da Segurança Social.
IV – Muito embora a norma da al. c) do n.º 1 do artigo 4.º do RGPTC determine que a criança é sempre ouvida «sobre as decisões que lhe digam respeito», este dispositivo deve ser entendido com alguma elasticidade, não sendo necessário ouvir de novo a criança se ela já foi ouvida anteriormente nos autos e nada se alterou, entretanto, ao nível dos factos relativos à vida quotidiana da menor ou dos seus pais.
* Recorrente ………………...
A...
, mãe da menor B...; Recorridos…………………Á...
, pai da menor B...; ………………………………..
Ministério Público; Menor………………………..
B...
, nascida em 1 de maio de 2012.
-
Relatório a) O presente recurso vem interposto do despacho proferido em 12 de julho de 2021 que indeferiu o pedido da mãe da menor quanto à suspensão de visitas da sua filha B... ao pai, mantendo-se assim a continuidade do regime em vigor.
A decisão recorrida é esta: «Em 13.04, a progenitora informou os autos de que foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo crime n.º ..., em que é arguido o progenitor. Tal acórdão, segundo informou então, revogou o acórdão absolutório proferido pela primeira Instância e considerou que o arguido, progenitor da B..., cometeu oito crimes de abuso sexual de menor, todos praticados contra a mesma.
Requereu, assim, a suspensão das visitas.
O progenitor opôs-se.
Foi de imediato proferido despacho com vista à junção de certidão do mencionado acórdão da Relação, com data de trânsito em julgado caso o mesmo tenha ocorrido.
Foi junta certidão em que o Tribunal da Relação certificou que, por douto acórdão de 07.04.2021, se entendeu que o arguido praticou os crimes mencionados pela progenitora, tendo sido ordenado a baixa dos autos à primeira instância para determinação da pena. Mais se certificou que esse acórdão transitara em julgado em 22.04.2021.
Tendo vista dos autos, o Ministério Público promoveu a solicitação ao ISS, com urgência, de informação sobre como têm estado a decorrer os contactos entre a B... e o pai.
Entretanto, o progenitor informou que suscitou irregularidades do mencionado acórdão e que o mesmo não transitou, afinal, em julgado, dele pretendendo recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.
Em 12.05, o ISS informou que, em sede de contactos, a B... chega bem-disposta e sem notas de ansiedade ou mal-estar. Os convívios decorrem de forma pacífica, sempre com a intervenção da equipa técnica.
Essa informação social foi notificada às partes.
Não sendo inequívoco, atentos os requerimentos apresentados pelo progenitor, se o douto acórdão da Relação de Coimbra transitara em julgado ou se foi interposto e admitido recurso, solicitou-se ao Tribunal da Relação que informasse o estado do recurso.
No dia 14.06, o Tribunal da Relação de Coimbra certificou que foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido, o qual não foi admitido, conforme despacho proferido em 01.06.2021, e que o acórdão proferido em 07.04.2021 não colocou termo à concreta relação jurídico processual penal.
Foi junta cópia do mencionado douto despacho de 01.06.2021, cujo teor se transcreve: «Recurso interposto pelo arguido para o STJ – a 12-05-2021.
O acórdão agora em crise, embora tenha determinado a culpabilidade do arguido, não conheceu, a final, do objecto do processo.
Com efeito, a decisão em causa não colocou termo à concreta relação jurídico processual penal, porquanto não se pronunciou uma condenação, cujo encargo foi relegado para o tribunal de 1ª instância. Consequentemente o acórdão proferido por este Tribunal da Relação não transitou ainda em julgado.
Nestes termos, não é admitido o recurso, ao abrigo do disposto nos arts 432º, nº1, b) e 400, nº 1, c), do CPP.
Notifique.
Oportunamente, devolva os autos à 1ª instância».
Em face da informação prestada pelo TRC e do relatório do ISS junto a 12 de maio, promoveu o Ministério Público que os contactos entre pai e filha se mantenham, por ora, inalterados.
Foi também dado conhecimento do expediente de 14.06 às partes, que mantiveram as suas posições.
Apreciando: O Tribunal não é insensível ao facto de a Relação de Coimbra ter entendido que o progenitor praticou oito crimes de abuso sexual na pessoa da B...
Ainda assim, é o próprio Tribunal da Relação que certifica, sem oposição, que o seu douto acórdão não transitou em julgado.
E não se diga que o Supremo não conhece de facto, razão pela qual esse entendimento da Relação (quanto aos crimes que refere que o arguido praticou) transitou em julgado. Se existe a regra de o Supremo conhecer apenas de direito, nada o impede de, num futuro recurso que venha a ser interposto - já que o acórdão da Relação não transitou em julgado -, decidir, por exemplo, anular este acórdão que entendeu que o arguido cometeu os referidos crimes.
Assim, a realidade dos autos é esta, tal como certificado pelo Tribunal da Relação: «O acórdão agora em crise, embora tenha determinado a culpabilidade do arguido, não conheceu, a final, do objeto do processo.
Com efeito, a decisão em causa não colocou termo à concreta relação jurídico processual penal, porquanto não se pronunciou uma condenação, cujo encargo foi relegado para o tribunal de 1ª instância. Consequentemente o acórdão proferido por este Tribunal da Relação não transitou ainda em julgado».
E, como decorre da informação do ISS, os contactos entre pai e filha, com a intervenção dos técnicos da segurança social, decorrem sem incidentes ou sintomas de mal estar para a B...
A situação da B... não pode, nesta fase, ter recuos consoante as decisões do processo crime que, manifestamente, ainda não transitaram em julgado.
Reitera-se o já expendido no despacho de 04.05.2020, que se crê manter atualidade: A medida de coação aplicada ao progenitor é a mais leve – termo de identidade e residência.
É certo que pode vir a ser condenado, mas o princípio da presunção da inocência impõe cautelas na alteração da realidade em vigor: estão a processar-se contactos que, de acordo com a informação do ISS decorrem de modo tranquilo e positivo. A menor não apresenta desconforto nos contactos com o pai e este tem comportamento adequado, estabelecendo-se regular interação entre ambos.
Uma abrupta interrupção de uma relação, que se vem estabelecendo nas instalações deste Tribunal e de forma vigiada, tem necessariamente consequências mais nefastas, caso ocorra nova absolvição do requerido, do que a sua manutenção. Caso o progenitor venha a ser condenado, com trânsito em julgado, e dependendo das penas aplicadas, aí sim, com segurança, poderá a situação ser revista.
Não nos parece prudente, depois de se ter conseguido uma reaproximação entre pai e filha, que se os afaste de novo, deitando a perder o trabalho de mediação da Segurança Social, para que, na eventualidade de ocorrer nova absolvição, se recomece tudo de novo. A menor B... não pode ser sujeita a alterações de rotina ou experiências que a desestabilizem mais.
Em face de todo o exposto, indefere-se à suspensão das visitas, que deverão decorrer nos precisos termos já determinados.» b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte da mãe da menor...
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