Acórdão nº 968/20.0YIPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelVITOR AMARAL
Data da Resolução26 de Outubro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório “C..., Lda.

”, com sede na Rua ..., intentou ([1]) procedimento de injunção contra “L..., Lda.

”, com sede na Rua ..., pedindo o pagamento pela demandada à demandante da quantia global de € 124.867,78, correspondente a € 122.499,99 a título de capital, € 2.174,79 de juros de mora respetivos, € 40,00 de outras quantias (indemnização dos custos de cobrança da dívida) e € 153,00 de taxa de justiça paga.

Alegou que no exercício da sua atividade comercial prestou os serviços contratados com a R., com remuneração acordada, para cujo pagamento a A. emitiu as correspondentes faturas, encontrando-se, todavia, por pagar a importância peticionada a título de capital, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, e demais acréscimos aludidos.

A R. deduziu oposição, com data de apresentação de 22/02/2020 (sábado), como resulta de fls. 03 e segs. do processo físico, defendendo-se por via de impugnação e de exceção e concluindo, na improcedência da ação, pela sua total absolvição do pedido.

Com data de 26/02/2020 foi proferido despacho no Balcão Nacional de Injunções (doravante BNI), considerando extemporânea e, como tal, «não apresentada», a oposição.

Deduziu, então, a R. reclamação, concluindo pela admissão da sua oposição, razão pela qual foi determinada a remessa do procedimento de injunção à distribuição.

Na sequência, foi proferida no Juízo Central Cível de Coimbra (Juiz 3) decisão, datada de 29/09/2020 (com Ref. ...), com as seguintes estatuições: «Em face do exposto, indefiro o requerido, não reconheço a verificação de justo impedimento e confirmo a recusa da oposição pela secretaria do BNI.

(…) Vistos os autos, e considerando o disposto no art.º 2.º do Anexo ao DL 269/98, de 1-9, com as alterações que lhe foram introduzidas pela declaração de retificação n.º 16-A/98, de 30-9, pelo DL 383/99, de 23-9, pelo DL 183/2000, de 10-8, pelo DL 32/2003, de 17-2 e pelo DL 107/2005, de 1-7, confiro força executiva à petição.» (fls. 50 e segs. do processo físico).

Inconformada, vem a R. interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões ([2]) «A. A Recorrida iniciou procedimento de injunção contra a Recorrente em 07.01.2020; a Recorrente foi notificada do requerimento de injunção em 03.02.2020; o prazo para praticar o acto de Oposição à injunção findou em 18.02.2020; fazendo uso da faculdade prevista no Artigo 139.º, n.º 5, CPC, o acto poderia ter sido praticado até 21.02.2020; a oposição à injunção foi oferecida em 22.02.2020.

  1. Contudo, em 17.02.2020, véspera do termo do prazo, o mandatário da Recorrente viu-se obrigado a recorrer ao serviço de urgências do Hospital da ..., apresentando “sensação sistemática de movimento ilusório – vertigem; desequilíbrio; alterações da marcha; tonturas; apresentava alterações ao exame neurológico sumário; quadro compatível com síndrome vertiginoso.”, quadro clínico que o médico que o atendeu julgou ser “(…) totalmente incapacitante para as AVD [Actividades da Vida Diária], incluindo as funções laborais do doente.” C. O certificado de incapacidade temporária passado pelo médico e junto aos autos prescrevia: “Repouso absoluto 8 dias/10 dias […].” D. O mandatário da Recorrente recebeu do seu médico o referido certificado em 24.02.2020, e juntou-o aos autos em 28.02.2020.

  2. O Tribunal a quo veio a proferir sentença em 29.09.2020, que se deve considerar notificada em 09.10.2020.

  3. A sentença recorrida é nula, em virtude de conter uma insanável contradição entre os fundamentos e a decisão.

  4. Na fundamentação da decisão, o Tribunal a quo disserta sobre o conceito de justo impedimento e sobre o correto modo da sua invocação.

  5. Ao invés, sobre o caso concreto, o Tribunal a quo profere apenas uma frase: “Reclamou depois, invocando justo impedimento, já depois da recusa da sua peça processual pela secretaria[,] havendo que concluir que não o fez atempadamente.” I. Contudo, no segmento decisório, adotando uma formulação atípica, o Tribunal a quo limitou-se a proferir que: “Em face do exposto, […], não reconheço a verificação de justo impedimento […]”.

  6. Assim, cometeu uma evidente contradição entre a fundamentação e a decisão proferida: por um lado, considerou que a invocação do justo impedimento foi intempestiva, o que prejudicaria o conhecimento do mérito da sua invocação; por outro, decide perentoriamente que não reconhece ter-se verificado uma situação de justo impedimento, apreciando assim o mérito, sem (i) ter decidido se podia apreciar essa verificação e sem (ii) se ter pronunciado sobre o mérito da sua invocação e sobre a prova oferecida.

  7. Ora, nos termos do disposto no Artigo 615.º, n.º 1, alínea c), CPC, é nula a sentença quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão […].” L. A sentença recorrida é nula, em virtude de cometer uma omissão de pronúncia.

  8. Ao ser invocado justo impedimento como causa da omissão da prática de certo acto processual dentro do respetivo prazo, deve o Tribunal, “ouvida a parte contrária, admite[ir] o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.” (cfr. Artigo 140, n.º 2, CPC).

  9. Em contrapartida, caso considere que a parte não se apresentou a requerer logo que o impedimento cessou, ou caso considere que a circunstância invocada não constitui um verdadeiro impedimento, ou caso considere que não foram oferecidas provas suficientes, deve o Tribunal proferir decisão fundamentada (cfr. Artigo 154.º CPC), na qual explique se considerou que a invocação do impedimento foi tempestiva ou intempestiva, ou se as provas oferecidas foram julgadas suficientes ou insuficientes, ou se as circunstâncias invocadas constituem ou não constituem justo impedimento, concluindo com a decisão sobre um ou mais destes pontos.

  10. Ora, o Tribunal recorrido assim não procedeu: desde logo, a decisão contida na sentença recorrida não julga tempestiva ou intempestiva a invocação de justo impedimento.

  11. Por outro lado, ao não concluir pela intempestividade, deveria o Tribunal a quo ter-se pronunciado sobre se as circunstâncias invocadas pela Recorrente se podem reconduzir ao conceito legal de justo impedimento e sobre se considera se as mesmas foram provadas, o que também não fez.

  12. Ora, nos termos do disposto no Artigo 615.º, n.º 1, alínea d), CPC, é nula a sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar […]”.

  13. Por outro lado, o Tribunal a quo cometeu erro na seleção do Direito aplicável e na sua aplicação ao caso.

  14. Nos termos do disposto no Artigo 16.º do regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro: “1 - Deduzida oposição ou frustrada a notificação do requerido, no caso em que o requerente tenha indicado que pretende que o processo seja apresentado à distribuição, nos termos da alínea j) do n.º 2 do artigo 10.º, o secretário apresenta os autos à distribuição que imediatamente se seguir.

    2 - Salvo o disposto no n.º 2 do artigo 11.º e no n.º 4 do artigo 14.º, os autos são também imediatamente apresentados à distribuição sempre que se suscite questão sujeita a decisão judicial.” T. Nos termos do n.º 1, o procedimento de injunção é remetido à distribuição quando seja deduzida oposição.

  15. Contudo, o que se discutiu nos presentes autos foi precisamente se a Recorrente deduziu ou não, validamente, oposição.

    V. A questão não é, evidentemente, despicienda: se a parte tiver deduzido validamente oposição, seguir-se-ão os efeitos normais desse facto (cfr. Artigo 17.º, n.º 1, do regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro), que consistem na distribuição dos autos para prosseguirem como ação declarativa; se a parte não tiver deduzido validamente oposição, não se aplicarão os efeitos jurídicos desse facto.

  16. Havendo dúvidas quanto à válida dedução de oposição, os autos devem ser apresentados à distribuição, na medida em que se suscita uma questão sujeita a decisão judicial, sendo o Tribunal chamado a decidir sobre essa questão (cfr. n.º 2 do preceito citado).

    X. Assim, os autos foram apresentados à distribuição nos termos do disposto no Artigo 16.º, n.º 2, do regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, como bem havia decidido o Tribunal recorrido por despacho de fls. ______ (Ref.ª: ...), de 13.07.2020.

  17. Assim, a distribuição realizada serviu apenas o propósito de que o tribunal se pronunciasse sobre a válida dedução de oposição após o termo do prazo, apreciando a alegação e prova de justo impedimento.

  18. Por isso, apreciada essa questão, esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal a quo. Aliás, não é por acaso que o Artigo 17.º do invocado regime apenas prevê os trâmites subsequentes à distribuição prevista no Artigo 16.º, n.º 1, nada dizendo de especial quanto aos trâmites a observar após a distribuição prevista no Artigo 16.º, n.º 2.

    AA. Quando o Tribunal considere inexistir justo impedimento e, portanto, não ter sido deduzida oposição, devem os autos ser novamente remetidos ao Balcão Nacional de Injunções, para aposição de fórmula executiva (cfr. Artigo 14.º, do regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro).

    BB. Quando o Tribunal considere existir justo impedimento e, portanto, admitir a dedução da oposição, devem os autos serem remetidos ao Balcão Nacional de Injunções, para que este promova a sua distribuição, agora para os fins previstos no Artigo 16.º, n.º 1.

    CC. Ora, não foi isto que sucedeu. O Tribunal a quo, de modo perfeitamente ilegal, tomou uma decisão que não podia ter tomado, com fundamento numa norma que não poderia ter aplicado.

    DD. Se a intervenção do Tribunal a quo deveria ter-se limitado a apreciar o litígio específico que motivou a distribuição do processo, nos termos e para os efeitos previstos no Artigo 16.º, n.º 2, a decisão será ilegal em tudo quanto exceda a apreciação do justo impedimento invocado pela Recorrente.

    EE. Por outro lado, ainda que assim não se...

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