Acórdão nº 3733/20.1T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Janeiro de 2021

Data25 Janeiro 2021
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Sumário: I - Quando o n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil fala naquele que “… tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles” tem em vista a confiança mediante decisão administrativa, a que se refere o artigo 36.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção, ou a confiança mediante medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, a que se referem os artigos 35.º, n.º 1 alínea g) e 38.º-A da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

II – Apesar de o processo judicial de adopção ser de jurisdição voluntária, a decisão sobre quem pode ser adoptado não está sujeita à equidade, nem a critérios de conveniência ou oportunidade, visto que as normas constantes do artigo 1980.º do CC sobre quem pode ser adoptado revestem natureza imperativa.

III - Embora a vontade da criança seja atendível no processo de adopção, não basta a vontade dela, ainda que se trate de criança privada de um ambiente familiar normal, para o tribunal decretar a adopção.

Processo n.º 3733/20.1TBCBR Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra R (…) e A (…), casados, residentes (…), requereram a adopção plena de T (…), com a consequente revogação do apadrinhamento civil homologado em 13-02-2020, bem como a alteração do nome da menor para T (…).

Para o efeito alegaram, em síntese: 1. Em 28-10-2013, o tribunal de Família e Menores de Coimbra aplicou a medida de acolhimento institucional aos irmãos T (…), nascida em 18-10-2002, A (…), nascido em 17-08-2004, e D (…) nascida em 8-12-2007 (processo n.º 567/13.3TMCBR); 2. Por decisão de 30-11-2015, no âmbito do processo de promoção e protecção n.º 567/13.3TMCBR, foi aplicada a medida de confiança a instituição aos três menores, com vista a futura adopção; 3. Em 29-12-2017 foi proposta pelos Serviços da Segurança Social, a alteração da medida de confiança com vista a futura adopção, aplicada à menor T (…), para a medida de acolhimento residencial, o que veio a suceder em 19-01-2018; 4. Porém, em 16-10-2018, os três irmãos, T(…), A (…) D (…), foram confiados aos requerentes num processo que culminou com a adopção do A (…) e da D (…) apenas, dada a medida formal que recaía sobre a T (…) na altura; 5. Não obstante a T (…)sempre foi assumida pelos requerentes em conjunto com os irmãos, e sempre tendo em vista a futura adopção plena, não apenas das duas crianças mais novas, mas sim das três; 6. Ao contrário do que sucedeu com os irmãos aquando da sua confiança aos requerentes, apesar de a T (…) ainda ter 15 anos, não foi formalmente confiada; 7. Os requerentes sempre mantiveram relativamente aos três irmãos, igual confiança, permanente e exclusiva, e de pleno conhecimento do tribunal, pois todos os reportes da segurança social eram actualizados relativamente ás 3 crianças; 8. O facto de T (…) não ser incluída no processo (formal) de pré-adopção foi sendo justificado pelos serviços da segurança social com o argumento de que a T (…) já não tinha medida de adoptabilidade; 9. Aliás, a T (…) foi apresentada aos requerentes na fase pré-adoptiva, como a irmã mais velha do A (…) e D (…) (crianças que foram propostas à adopção), que iriam permanecer na instituição onde viviam os três, por já não ser possível adoptá-la; 10.Todo este movimento processual assentou na confiança de que quer a segurança social, quer o próprio tribunal estariam a garantir os aspectos formais que melhor salvaguardariam o superior interesse das crianças e, neste caso particular, da T(…), pois num processo tão exigente do ponto de vista mental e emocional, os requerentes acabaram por delegar a questão judicial para momento ulterior; 11.Apesar de os requerentes não serem candidatos nem se encontrarem inscritos na rede nacional do apadrinhamento civil, todo o processo foi desenvolvido a partir dali, suprindo essa lacuna formal; 12.Sem prejuízo, foi-se acumulando a preocupação relativamente à situação jurídica da T(…), pois se a mesma era mantida pelo tribunal em acolhimento residencial, como poderia encontrar-se confiada aos requerentes 24 horas por dia sem qualquer validação judicial, como de facto acontecei durante oito meses (até 18-06-2019)? 13.Na escola, por exemplo, a requerente assumiu desde logo o papel de encarregada de educação da T (…), todavia qualquer documento sobre a menor tinha de ser validado pela responsável do CAT, onde formalmente a menina se encontrava acolhida; 14.Ao longo do período pré-adoptivo, os requerentes foram aprofundando a situação da T(…), nomeadamente junto dos serviços da segurança social que acompanhavam a criança neste processo, e apuraram que relativamente à alteração da medida de adoptabildiade para uma medida de acolhimento residencial, logo em Janeiro de 2018, deveu-se exclusivamente a um juízo de prognose por parte daqueles serviços; 15.Portanto, antecipadamente e contrariamente ao que veio a verificar-se de facto antes de a menor perfazer os 16 anos, aquela alteração da medida de protecção restringiu seriamente o processo adoptivo da T(…) e condicionou severamente o futuro da criança; 16.O que sucedeu, de facto, a par com os irmãos A (…) e D (…) foi um verdadeiro processo de pré-adopção, sem quaisquer distinções ou limitações de qualquer espécie, quer da parte dos requerentes, quer da parte da instituição que até ali acolheu os 3 menores; 17.Os três irmãos passaram sempre em conjunto, por uma fase de aproximação, seguida de pré-adopção, durante a qual permaneceram sempre na residência dos requerentes e foram assumidos em pleno como filhos; 18.A T(…) nunca foi limitada a visitar os irmãos ou a acompanhar a sua integração na família adoptiva, como havia sido proposta inicial dos serviços de segurança social, mas sim integrada em todas as vertentes familiares, tal como o A (…) e D (…), sem distinções de qualquer tipo; 19.Saliente-se que a alteração da medida de protecção sucedeu logo após os 15 anos de T (…) e não na proximidade dos seus 16 anos; 20.Por esse infortúnio alheio à sua vontade, de forma precoce, inusitada e sem fundamento factual, a T(…) viu-se excluída do regime de adoptabilidade, quando, de facto, ainda deveria lá ter permanecido, o que possibilitaria a sua adopção plena aqui em causa; 21.Ainda para mais, estando em tempo de corrigir a situação, a segurança social olvidou um pressuposto de suprema importância que reside no facto de a T(…) ter sido confiada aos requerentes antes de perfazer os 16 anos, e poder ainda ser incluída no regime de adoptabilidade, acaso fosse revogada ou alterada a medida de acolhimento residencial que, repita-se, foi determinada tendo por exclusiva fundamentação um mero juízo de prognose por parte daqueles serviços; 22.Tal prognose veio a suscitar uma questão jurídica da maior importância na vida da T(…): a diferença entre poder ser adoptada plenamente tal como os irmãos, e a sujeição a um instituto muito mais restritivo como o apadrinhamento civil (o que sucede neste momento por força das circunstâncias), com todas as consequências que daí advêm, nomeadamente o agravamento da insegurança e descrença nos adultos que até aqui a tutelaram em nome do Estado; 23.O processo dependia essencialmente das medidas e do acompanhamento por parte da segurança social pelo que até aqui não restou aos requerentes outra forma de tutelar formalmente a T(…) que não através do apadrinhamento civil; 24.Sem prejuízo, os requerentes têm educado a menor como sua filha, vêm fazendo planos para o seu futuro e pretendem com a adopção conferir-lhes os mesmos direitos que aos outros filhos, seus irmãos; 25.A menor mantem com os requerentes e restantes membros da família, uma relação semelhante à da filiação, manifestando frequentemente o desejo de ser adoptada e de alterar a sua identificação, sobretudo no que concerne aos seus progenitores; 26.É tratada e considerada pelos requerentes e demais membros da família deste, bem como pelos amigos da família, como filha dos requerentes; 27.A adopção permitirá à T(…) adquirir uma verdadeira família substitutiva, em termos estáveis e seguros; 28.O apadrinhamento civil da T (…) foi homologado em 13-02-2020, porém nem os requerentes nem a própria T(…) se conformam com esta solução, que não se compagina com a situação de facto; 29.A T(…) sempre manifestou vontade de ser adoptada em condições semelhantes à dos irmãos mais novos, o que não deixa de ser uma expectativa legítima e uma solução justa para o caso; 30.Aliás, a própria segurança social admitiu a situação, tendo solicitado pronúncia ao tribunal de Família e Menores de Coimbra sobre a viabilidade do reconhecimento da confiança administrativa relativa à T (…) como fase prévia ao processo de adopção plena; 31.Todavia, surpreendentemente, não obstante o tribunal reconhecer que “… o caminho da adoção seria uma solução ajustada à salvaguarda do interesse da jovem e que os candidatos reúnem as necessárias competências para tal efeito, tanto mais que já são pais adotivos do A (…) e D (…), irmãos de T (…) (…) entendeu também que (…) a aplicação da lei tem como pressuposto a sua interpretação, balizada pela norma (…) e que a pretendida confiança administrativa contraria o superior interesse da T (…), por poder criar-lhe a errada expectativa de vir a ser adotada pelo casal em questão”; 32.Em suma, o tribunal considerou que a confiança da T(…) aos requerentes, no período de 16-10-2018 (integração na família adoptiva) a 18-0-2019 (início da medida de apoio junto de pessoa idónea) não constitui pressuposto da confiança administrativa com vista a futura adopção, não podendo ser “minimamente equiparada ao exercício das responsabilidades parentais relativas à esfera pessoal da criança previamente atribuído no âmbito de providência tutelar cível (…) e muito menos à confiança pressuposta pelo n.º 3 do artigo 1980.º do CC”; 33.Considera que não integra o âmbito substantivo da confiança administrativa “… a integração da jovem T(…), no agregado familiar do casal em 16-10-2018, e que estes, consequentemente, assumam as responsabilidades parentais a ela...

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