Acórdão nº 204/19.2T8SPS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Data da Resolução16 de Março de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I - A Causa: A.: P..., L.da.

Ré: M..., L.da.

Alega a A. ter celebrado com uma sociedade terceira (I...) um acordo, nos termos do qual procederia (ela, A.) a trabalhos eléctricos numa obra de reformulação de uma praceta, obra essa adjudicada pela Câmara de ... à dita I...

Tendo efectuado tais trabalhos, e emitido a factura referente aos mesmos em Março de 2018, tomara conhecimento pela Ré que a I... teria cedido a esta (Ré) o crédito que deteria sobre a Câmara de ...

Que A. e Ré tiveram uma reunião na qual participara a referida edilidade, tendo sido acordado que após a entrega, pela A., da documentação referente aos seus trabalhos, a Câmara pagaria à Ré, e esta pagaria o valor do crédito da A. sobre a I...

Não obstante tal acordo, e apesar da entrega da documentação, até à data a Ré nada lhe pagou.

Peticiona a condenação da Ré na restituição, a si A., da quantia de 12.923 euros, que funda no instituto do enriquecimento sem causa, bem como o pagamento de juros vencidos e vincendos.

* Contestou a Ré, reconhecendo ter recebido cerca de 34 mil euros do Município de ..., enquanto parte do valor que esta edilidade devia à sociedade I..., sendo esse recebimento fundado na cessão de créditos (por tal valor) celebrado entre a dita sociedade, enquanto cedente, e a Ré enquanto cessionária.

Impugna ter havido qualquer acordo para que a Ré procedesse ao pagamento, à A., do crédito desta sobre a I..., ainda que reconheça a existência de reuniões ‘a três’ (A., Ré e Câmara de ...).

Conclui pela improcedência da acção e pela condenação da A., em multa e indemnização, como litigante de má fé.

Oportunamente foi proferida decisão onde se consagrou que: «Assim, pelo exposto:

  1. Julgo a acção improcedente, em consequência do que absolvo a Ré do pedido.

  2. Julgo improcedente o pedido de condenação da A. como litigante de má-fé.

    Custas pela A. – artº 527º, nºs 1 e 2 do CPC».

    P..., LDA, A.

    nos autos, notificada da sentença de fls…, não se conformando, veio dela interpor RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que: ...

    Atento o exposto, deve o recurso ser julgado procedente, deferindo-se a impugnação de direito e da matéria de facto, devendo, a final, revogar-se a decisão recorrida e condenar a recorrida nos termos requeridos na petição inicial.

    Legal e tempestivamente notificados, para o efeito, veio M..., Lda, apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, por sua vez concluindo - em sinopse - que: ...

    Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente Recurso de Apelação não obter provimento e, como tal, ser integralmente conformada a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, fazendo, assim, Vs. Exs. Justiça».

    II. Os Fundamentos: Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir: Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida: FACTOS PROVADOS: 1 – A A. tem por actividade a elaboração e execução de projectos relacionados com instalações eléctricas, no âmbito de obras de construção civil.

    2 – A Câmara Municipal de ... adjudicou à sociedade I..., L.da, uma obra de reformulação da Praceta ... e construção de rotunda no entroncamento entre as avenidas A... e B..., sitos na localidade de ...

    3 – A sociedade I... adjudicou à A., no âmbito da obra dita em 2, a realização dos trabalhos de instalação eléctrica.

    4 – Os trabalhos adjudicados à A. pela Impactpotencial foram realizados pela primeira, e o seu valor ascendeu a 12.923,60 euros.

    5 – Aquele valor não foi pago pela sociedade I...

    6 – Entre a I... e a Ré foi celebrado o acordo escrito que consta a fls. 34/35 dos autos (e que aqui, por economia, se dá por integralmente reproduzido), datado aquele de 15.2.18, e através do qual a primeira declarava ser titular, sobre o Município de ..., de um crédito base de 34.720,98 euros, emergente da adjudicação referida em 2, além de ter declarado ceder à Ré, que declarou aceitar, a totalidade daquele crédito.

    7 – A conta final da obra dita em 2 ascendeu a 34.720,98 euros, a que deveria acrescer o valor do IVA à taxa de 6%, sendo que no montante daquela conta estavam considerados os trabalhos eléctricos efectuados pela A..

    8 – Em reuniões realizadas na Câmara Municipal de ..., durante o mês de Maio de 2018, entre responsáveis desta edilidade e responsáveis da A. e da Ré, a primeira informou que não pagaria qualquer valor referente ao custo final da obra dita em 2 sem a recepção de toda a documentação técnica referente à obra, incluindo a relativa aos trabalhos eléctricos executados pela A..

    9 – Em 18.6.18 a A. enviou à Câmara Municipal de ... a documentação técnica relativa aos trabalhos por si realizados, dando nessa data conhecimento de tal facto à Ré.

    10 – A 17.9.18 a Câmara Municipal de ... pagou à Ré o valor apontado em 7 referente à conta final.

    Factos não provados: a) que tivesse sido acordado, no âmbito de reuniões realizadas na Câmara de ..., entre responsáveis desta edilidade e responsáveis da A. e da Ré, que a primeira entregaria o valor do custo final da obra à Ré, com a obrigação por esta assumida de entregar à A. o valor dos trabalhos eléctricos por esta realizados.

  3. que às datas referidas em 6 e 10 a Ré tivesse sobre a sociedade Impactpotencial um crédito no valor de 34.774,07 euros, mormente com origem ou proveniência nas circunstâncias apontadas no artigo 35º da contestação (que aqui se dá por integralmente reproduzido).

  4. que a dívida do município de ... para com a sociedade I..., em função da execução da obra mencionada em 2, à data das reuniões referidas em 8, ou à data do pagamento apontado em 10, fosse superior ao valor do crédito que aquela sociedade cedeu à Ré no âmbito do acordo dito em 6, designadamente que fosse superior em 8.963,61 euros.

    Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

    Das conclusões de Recurso ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística: 1.

    XX.

    Deverá considerar-se como provado o facto constante de a) dos Factos Não Provados, com a seguinte ou idêntica redação:

  5. Que, no âmbito de reuniões realizadas na C.M..., foi acordado entre os responsáveis da Ré e da A., que a primeira receberia o valor total do custo final da obra, com a obrigação por si assumida de entregar à A. o valor dos trabalhos elétricos por esta realizados.

    XXI. E deverão considerar-se como provados os factos constantes de 10, 11, 13 e 14 da Petição Inicial, com a seguinte redação, a saber: 10) E que, para que ambas recebessem o que lhes era devido, era necessário reunirem-se com o dono da obra por forma a acordarem a entrega da obra e o consequente pagamento dos seus créditos.

    11) Para comprovar o que alegava, no dia 03/05/2018, a aqui ré, através da sua mandatária, enviou um e-mail à aqui autora onde constava a referida cessão de créditos – doc.2 13) Sendo que esse valor (leia-se, a totalidade do valor indicado na cessão de créditos) seria liquidado na totalidade à aqui ré.

    14) Ficando depois a ré obrigada a entregar à autora a quantia do seu crédito.

    Apreciando, por imperativo discurso de referência, assinale-se, circunstancialmente, que o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido do interessado, impuser decisão diversa (art.662º, nº1, do NCPC).

    Conferindo os elementos assinalados pela Recorrente, ouvindo os depoimentos referidos, adiante-se, desde já, que se entende não ocorrer erro de julgamento sobre os factos.

    Lembre-se que a aplicação do regime processual em sede de modificação da decisão da matéria de facto conta, necessariamente, com a circunstância de que existem factores ligados aos depoimentos que, sendo passíveis de influir na formação da convicção, não passam nem para a gravação, nem para a respectiva transcrição.

    É a imediação da prova que permite detectar diferenças entre os depoimentos, tornando possível perceber a sua maior ou menor credibilidade (Cf. Ac. RC de 04.04.2017, Proc. nº 4190/05.8TBLRA-A.C1, Relator: Fernando Monteiro).

    Assinale-se, pois, pressuponentemente, e nesta dimensão, que a Recorrente invoca depoimentos específicos, não fazendo a sua indispensável análise crítica e plural dos mesmos, no conjunto da prova considerada, e, portanto, na sua imprescindível dimensão holística, para lá da sua marcada subjectividade interpretativa.

    O tribunal, por sua vez, baseia - como lhe compete, e não pode deixar de ser -, a sua convicção positiva (e negativa) nos documentos juntos e nos depoimentos que travejam a sua apreciação, na perspectiva eminentemente “universalista” dos autos.

    Particularizando, sempre que impugne a matéria de facto, incumbe, efectivamente, aos recorrentes, observar o ónus da discriminação fáctica e probatória, ou seja, especificar obrigatoriamente os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo da gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados de modo diferente.

    O que a recorrente efectivou através da singular metodologia patente nas suas conclusões, para mostrar insatisfação e não convencimento com a decisão. O que - reconheça-se -, lhe assiste, em perfeita legitimidade.

    Porém, não só o que deixa dito, em particular, não alcança o seu escopo, como, inclusivamente, veio reforçar a convicção já formulada.

    A matéria de facto apurada - revisitada a sua produção - reflecte a prova efectivamente produzida, no universo concentracionário dos Autos.

    O juiz tem que fazer apelo à sua experiência vivencial, usando de prudência e de bom senso na interpretação dos sinais transmitidos pelas testemunhas, da sua segurança e da forma como se exteriorizam.

    Mas uma coisa é a convicção objectiva do julgador e outra, muito diferente, que se compreende, mas não se acolhe, é a vontade subjectiva da parte, no...

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