Acórdão nº 1708/18.0T8FIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Sumário: I – O artigo 607.º do CPC não exige que o juiz exponha a convicção individualmente em relação a cada um dos factos declarados provados ou não provados.

II – Para o recorrente obter uma alteração da resposta dada a um facto – artigo 640.º do CPC – tem de expor, ele também, um mínimo de análise crítica da prova, de modo a concluir no sentido da alteração factual que pretende obter, sob pena do tribunal da Relação concluir que não lhe foi colocada uma questão de facto que tenha de decidir.

III – Os condóminos têm o direito de impedir que seja consumida energia elétrica nas garagens, paga por todos, em usos que não se integrem na função das garagens, mas têm de exercer esse direito de modo lícito, num quadro factual legalmente justificativo, como, por exemplo, de ação direta (artigo 336.º do Código Civil).

* RECORRENTES ………Condomínio do prédio sito na Urbanização do P (…) ……………………………..

A (…) e esposa M (…)(recurso subordinado).

RECORRIDOS…………..

A (…) e esposa M (…) …………………………….

Condomínio do prédio sito na Urbanização do P (…)(recurso subordinado).

Melhor identificados nos autos.

* I. Relatório

  1. Os Autores instauraram a presente ação declarativa contra o Condomínio do prédio sito na Urbanização (…) com o fim de obterem do tribunal a declaração de nulidade das que deliberações tomadas e exaradas nas atas n.º 25, 26 e 27, por falta de quórum deliberativo, atento o facto de não poderem funcionar em 2.ª convocatória apenas com um intervalo de meia hora entre ambas as assembleias e, ainda, a nulidade da deliberação exarada na ata n.º 25, com fundamento na circunstância de não constar da ordem de trabalhos o corte do fornecimento de energia elétrica às garagens e terem deliberado sobre o assunto no que respeita às tomadas daquelas frações, vindo no entanto a extravasar o ali “deliberado” ao mandar proceder ao corte de toda a eletricidade que serve as garagens, em clara violação do disposto na alínea l) do art. 1436º do C.C. e do direito de propriedade dos AA. relativamente à sua fração.

    Em consequência, pediram ainda o seguinte: A condenação do condomínio a criar as condições para que os Autores possam requerer um contador de luz autónomo para a sua fração, custeando a sua instalação ou, em alternativa e como pedido subsidiário, a repor a eletricidade nas garagens, a suas expensas e com a maior brevidade possível, a fim de não sofrerem mais prejuízos.

    A condenação do condomínio a indemnizar os Autores em quantia não inferior a EUR 14.000,00 (catorze mil euros) a título de danos patrimoniais e em EUR 1.500,00 (mil e quinhentos euros) por danos morais, porquanto o corte de eletricidade nas garagens lhes ocasionou prejuízos vários de ordem patrimonial e não patrimonial.

    O condomínio contestou invocando a exceção dilatória de ilegitimidade, a exceção perentória de caducidade, bem como impugnando os factos alegados na petição.

    Após a audiência de julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência: - reconheço o direito de propriedade dos AA. da fração autónoma designada pela letra “C” do prédio descrito na ficha 814/(…) do concelho da (…)e consequentemente, condómino do identificado prédio; - declaro nula a deliberação do Condomínio R constante na ata n.º 25, no ponto n.º 5, onde se estipulou que “foi deliberado por unanimidade, a partir de 1 de Janeiro de 2016 deverá ser cortada a luz das tomadas das garagens”; - condeno o Condomínio R condenado repor a eletricidade nas garagens, a suas expensas e com a maior brevidade possível, retomando-se, a situação que estava anteriormente vigente a tal deliberação; - condeno o Condomínio R a pagar aos AA, a título de indemnização, o valor total de 3.250 euros; - absolvendo o Condomínio R dos restantes pedidos.

    Custas na proporção de 1/6 para os AA e 5/6 para o R».

  2. É desta decisão que vem interposto recurso por parte do Condomínio, cujas conclusões são as seguintes: «1 - A sentença recorrida padece de uma clara falta de fundamentação, nomeadamente, mas não só, relativamente a fundamentação de facto, e à indicação de que prova foi efetuada e valorada para a fixação de cada um dos factos dados como provados, alguns em clara contradição como os factos dados como não provados, violando o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, o que determina a sua nulidade.

    2 - Na motivação da decisão de facto, é indicada a prova documental que foi analisada em audiência, e a pericial efetuada após o encerramento da audiência, mas apenas se refere muito genericamente e muito sucintamente alguns dos factos transmitidos pelas testemunhas nos seus depoimentos, omitindo-se outros, bastante relevantes para a decisão da causa, e que impunham decisão diferente, não se percebendo, porque não se fundamenta, como é que se deram alguns factos como provados.

    3 - Na sentença dá-se como provado no n.º 5 do Factos Provados, que “A convocatória para a assembleia de condóminos realizada a 14 de novembro de 2015 (ata n.º 25), foi enviada aos AA. a 3 de novembro de 2015, carta essa que veio devolvida para o R.”.

    4 - Mas dá a sentença como não provado na al. c) que, “O ponto 5 ocorreu porque os AA. não levantaram as cartas que lhe foram remetidas, apesar de avisados pelos CTT, conforme fls. 31 e 31verso.” 5 - Ora, nesse documento, pode ler-se claramente no autocolante aposto no verso da carta, “AVISADO” e que a mesma não foi entregue no Domicílio por não terem atendido o carteiro (…), na hora 14.40, no dia 15.11.04, tendo também aposto o carimbo dos CTT, com a data 2015 11 04.

    6 - Para além desta prova documental inequívoca, nas declarações de parte que prestou, o A. (…), confessou tal facto.

    7 - Ora, face à prova documental supra referida, e às declarações prestadas pelo A., este facto elencado na alínea c) dos factos dados como não provados, tinha, inequivocamente, ser dado como provado.

    8 - No facto nº 7 dado como provado, existe um lapso, pois quando se refere “Em assembleia plasmada em ata sob o nº 26, de 19.11.2019”, deveria referir-se de “19.11.2016”, uma vez que foi a data em que a assembleia se realizou, como se comprova no doc. de fls. 19verso ss.

    9 - No facto n.º 8 dado como provado, diz a sentença que “Esta assembleia reuniu em 2ª convocatória no mesmo dia 19/11/2016, com meia hora de diferença da designada para em primeira convocatória, estando o A. presente.” 10 - Ora, a sentença não apresenta qualquer tipo de fundamentação para dar como provado este facto, porque é falso, pois o A. não este presente, mas sim representado, como se alcança dessa ata n.º 26.

    11 - Mas a primeira parte deste facto, corresponde à verdade, e está comprovado documentalmente, a fls. 19verso e ss. ou seja, que “Esta assembleia reuniu em 2ª convocatória no mesmo dia 19/11/2016, com meia hora de diferença da designada para em primeira convocatória.” 12 - Pelo que, também não se entende esta manifesta contradição na sentença, quando se dá como não provado o facto d), ou seja, que “A assembleia de 19.11.2016 reuniu em segunda convocatória sendo que entre a primeira e a segunda convocatória decorreu meia hora (ata 27).

    13 - Assim, o mesmo facto é dado como provado e como não provado. Estamos perante uma clara ambiguidade ou obscuridade, conforme a análise que se pretenda fazer.

    14 - O mesmo se dirá, do facto n.º 9 dado como provado e do facto e) dado como não provado.

    15 - Ou seja, a sentença dá como provado que “Reuniu-se assembleia plasmada em ata sob o n.º 27, de 11.11.2017, agora constante de fls. 21 ss, cujo teor se dá por reproduzido, tendo a mesma tido lugar em 2.ª convocatória no mesmo dia, com meia hora de diferença da designada para em primeira convocatória”, no facto nº 9, e dá como não provado que “A assembleia de 11.11.2017 reuniu em segunda convocatória sendo que entre a primeira e a segunda decorreu meia hora (ata 27)”, no facto e).

    16 - Relativamente ao facto n.º 10 dado como provado, “Na sequência do deliberado na ata n.º 25, a administração do condomínio cortou a ligação elétrica às garagens na sua totalidade ficaram os condóminos naquela zona do prédio privados de eletricidade”, não pode ser dado como provado porque não são indicados os fundamentos ou as provas que levaram a que este facto fosse dado como provado, ou como é que foi formada a convicção acerca deste facto.

    17 - Pelo que, não foi cortada a ligação elétrica às garagens na sua totalidade, não se entende como é que foi formada a convicção do julgado, pois a sentença assim o omite, nem se produziu prova para que este facto seja dado como provado, pelo que, tem que ser dado como NÃO PROVADO.

    18 - Também foi dado como provado no n.º 11 o seguinte: “Ficando assim as garagens completamente às escuras, com todos os perigos que tal facto pode acarretar pela intrusão de estranhos e obstaculizar o livre movimento dos condóminos que delas se servem”, sem que tenha sido indicada qualquer fundamentação para dar como provado este facto, não indicada qualquer prova que o consubstancie, nem o que determinou a convicção do julgador para dar o facto como provado.

    19 - Pelo que, também o facto n.º 11 dado como provado, tem que ser dado como NÃO PROVADO.

    20 - Também é dado como provado o facto n.º 15, ou seja, que “Os AA. Tiveram interessados na aquisição da fração em causa por valores variáveis entre 14.000,00 € e 16.000,00 €, e o facto n.º 16, que refere que “Todas elas antes dos interessados se aperceberem que não havia luz nas garagens e mesmo depois do A. marido lhes explicar que se encontrava a diligenciar na sua reposição, mas nem assim logrou vendê-la” 21 - A prova produzida, leva precisamente a que estes factos sejam dados como não provados.

    22 - Quanto ao facto n.º 17 dado como provado, também não é indicada a fundamentação que formou a convicção do julgador, nem a prova que o consubstancia, pelo que, tem que ser dado como NÃO PROVADO.

    23 - Quanto à motivação da decisão de facto, é vaga, ambígua e...

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