Acórdão nº 533/20.2T8MBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório J (…), com os sinais dos autos, intentou os presentes autos de procedimento cautelar de arresto contra R (…) e mulher, C (…), também com os sinais dos autos, pedindo seja ordenado o arresto dos seguintes bens: - Veículos “Citroen C4”, de matrícula “TT(…)”, e “Opel Zafira”, de matrícula “NT(…)”; - Moto 4; - Eventuais saldos bancários; - Eventuais créditos fiscais presentes e futuros; - Quinhão hereditário do requerido na herança com o NIF (…) - 1/3 do vencimento do Requerido junto da entidade patronal referida no art.º 26.º da petição ou em outra entidade patronal que se venha a apurar.

Alegou, para tanto, que: - por contrato de compra e venda, celebrado em 21/11/2007, Requerente e Requeridos acordaram na venda por estes àquele de um trator, que identificou, pelo preço de € 8.000,00; - os Requeridos logo informaram que não podiam entregar os documentos do veículo por ainda lhes faltar pagar € 2.000,00 de preço a quem lhes havia vendido o trator, perante o que o Requerente se disponibilizou a pagar esse montante, desonerando os respetivos devedores; - por isso, ficou estabelecido que o Requerente pagaria € 6.000,00 aos Requeridos e € 2.000,00 a quem vendera a estes, o que foi cumprido, pelo que o Requerente recebeu os documentos do veículo, ficando também na posse da viatura, vindo a registar a sua aquisição em 20/12/2007; - porém, em fevereiro de 2008, o Requerente foi surpreendido por uma patrulha da GNR, que apreendeu e removeu o veículo, dando-lhe conta de ter o mesmo sido arrestado em 21/10/2007, à ordem de processo em que eram executados os aqui Requeridos, cujo registo veio a ser efetuado em 26/11/2007 (dias após a aludida compra); - deduziu o Requerente embargos, que foram julgados improcedentes em 2011, após o que intentou ação contra a empresa que vendera o veículo aos Requeridos, também julgada improcedente, seguida de ação de resolução do negócio contra os Requeridos – por alteração anormal das circunstâncias ou, subsidiariamente, por via de enriquecimento sem causa –, que também improcedeu, com a consequência de ficar o Requerente sem trator e sem os montantes pagos ([1]); - resta ao Requerente intentar ação indemnizatória contra os Requeridos, da qual estes autos de arresto são preliminar; - com efeito, nos últimos oito anos, os Requeridos vêm afirmando que vão indemnizar o Requerente, o que nunca fizeram, sendo que nada devolveram; - ambos os Requeridos trabalham, auferindo os respetivos vencimentos, fazendo-se transportar em veículos automóveis (os supra aludidos), sendo que a viatura “Citroen” está registada em nome de filha maior daqueles, de nome D (…), o que levanta as maiores suspeitas, por a viatura não ser usada por esta, mas por aqueles, podendo haver tentativa de sonegação do veículo; - já a outra viatura (“Opel Zafira”), embora em nome do Requerido, está sujeita a reserva de propriedade a favor de “C(…), S. A.”, sendo que ambos os Requeridos constam da lista pública de execuções, o que tudo leva o Requerente a recear perder a sua garantia patrimonial, por antever perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do seu crédito.

Ouvidas, sem contraditório, as testemunhas indicadas, foi proferida sentença, datada de 22/12/2020, julgando improcedente o procedimento cautelar.

Inconformado com o assim decidido, vem o Requerente interpor o presente recurso, para o que apresentou alegação, onde formula as seguintes Conclusões ([2]): «1. A sentença proferida não decretou o arresto por considerar que o crédito invocado não existe.

  1. Em primeiro lugar, existe uma clara contradição entre a matéria fáctica dada como provada e a decisão proferida, porquanto, o Tribunal a quo considera provado o contrato de compra e venda celebrado e o arresto, mas a posteriori na sua decisão, considera que não existe crédito.

  2. Ora, uma vez que o crédito do Recorrente resulta da indemnização pelo incumprimento do contrato, é manifestamente contraditório admitir os factos que sustentam o incumprimento e não admitir a existência de um crédito.

  3. Termos em que a sentença proferida padece de nulidade nos termos do art. 615.º, n.º 1, c) do CPC.

  4. Por outro lado, vem o Tribunal alegar que, ainda que o crédito invocado existisse, já estaria prescrito, por terem decorrido 12 anos desde o conhecimento dos factos. Vejamos; 6. O crédito do Recorrente resulta do direito a ser indemnizado por via do incumprimento do contrato de compra e venda celebrado.

  5. Pelo que estamos no âmbito da responsabilidade civil contratual.

  6. É hoje unanime na doutrina e na jurisprudência que à responsabilidade civil contratual se aplica o prazo ordinário de prescrição previsto no art. 309.º do CC, que é de 20 anos.

  7. Nestes termos, tendo os factos ocorrido em outubro de 2007, o direito à indemnização por via do incumprimento do contrato não se encontra prescrito, errando também aqui o Tribunal a quo.

  8. A decisão proferida viola as normas previstas nos arts. 607.º, n.º 4, 615.º, n.º 1, c) do CPC e 309.º do CC.

    NESTES TERMOS, deverá ser dado provimento ao recurso, com a consequente revogação da decisão proferida, ordenando-se o arresto requerido, fazendo-se assim JUSTIÇA.».

    Inexistindo contra-alegação, foi o recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo sido omitida pronúncia sobre a arguida nulidade da sentença e efetuada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados.

    Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

    II – Âmbito do Recurso Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, está em causa na presente apelação saber ([3]): a) Se está verificada nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv.; b) Se está sumariamente demonstrada, em termos de probabilidade, a existência do direito creditório invocado (pretendido direito indemnizatório por incumprimento contratual); c) Se não ocorre prescrição de tal direito.

    III – Fundamentação A) Matéria de facto 1. - São os seguintes – sem controvérsia – os factos julgados indiciariamente provados pelo Tribunal recorrido: «1. Em 27/05/2006 os ora requeridos, casados em comunhão de adquiridos, adquiriram à sociedade M (…), Lda. um tractor usado, de marca SAME, com matrícula MP(…).

  9. Tendo estabelecido que o preço do aludido trator seria de 12.000,00€.

  10. Não obstante o tractor lhes ter sido entregue, os requeridos apenas entregaram a quantia de 10.000,00€.

  11. Por essa razão, a sociedade em questão reteve os documentos do dito tractor até que os ora requeridos efetuassem o pagamento integral do valor acordado.

  12. Posteriormente, por contrato celebrado em 21/11/2007, os requeridos acordaram com o requerente que lhe transmitiam a propriedade do dito tractor mediante o pagamento de uma quantia que fixaram em 8.000,00€.

  13. No ato do contrato os requeridos informaram o requerente que não podiam entregar os documentos porque ainda lhes faltava pagar 2.000,00€ do preço acordado 7. O autor disponibilizou-se a pagar à M(…) a importância em dívida referida no ponto anterior, com vista à obtenção dos documentos do tractor.

  14. No cumprimento deste acordo ficou assim estabelecido entre requerente e requeridos que aquele pagaria a estes a importância de 6.000,00€ e que os restantes 2.000,00€ seriam pagos à M(…), para em substituição dos requeridos concluir o pagamento do trator.

  15. Obrigações estas que o requerente cumpriu.

  16. Recebidos os 2.000,00€ em dívida, a sociedade M(…) entregou os documentos do dito trator ao requerente.

  17. Pese embora já estivesse na posse do trator desde 21/11/2007, o requerente apenas registou o trator em seu nome, em 20/12/2007 12. Acontece que, em fevereiro de 2008, meses depois da celebração do aludido negócio, foi o requerente surpreendido por uma patrulha da GNR que se deslocou a sua casa para apreender e remover o trator.

  18. Tendo-lhe sido...

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