Acórdão nº 337/19.5T8MGL-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução11 de Maio de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recorrente ……………………F..., S. A.

Recorrida………………………L..., Lda.

Melhor identificas nos autos.

  1. Relatório

    1. O presente recurso vem interposto do despacho saneador na parte em que julgou improcedentes as invocadas exceções de caducidade da ação e da irresponsabilidade da Recorrente.

      O teor da decisão é o seguinte: «(…)

    2. Da exceção de caducidade do direito da ação: (…) A ré alega que a causa de pedir da autora se funda na existência de defeitos do veículo de matrícula ..., pelo qual garantiu o seu bom funcionamento enquanto vendedora, devendo a relação estabelecida entre as partes ser enquadrada no disposto no art. 921.º do Código Civil.

      Sendo que, para o efeito, dispõe o n.º 4 do inciso que “a ação caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denuncia foi efetuada”, concluindo a ré, por via disso, que à data em que a autora propôs a ação (31-12-2019), por referência à data da entrega da viatura (23/09/2016) e, decorrido o período de 2 anos do prazo de garantia concedida, mostra-se caducado o seu direito de propor à ação.

      Por outra parte, a autora respondeu que funda a sua causa de pedir na responsabilidade civil contratual, por força do contrato de compra e venda da viatura de matrícula ..., celebrado com a ré, pedindo o pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais decorrentes da privação do uso, considerando por isso que são danos colaterais que não se confundem com o disposto no art. 921.º do Código Civil.

      Cumpre apreciar e decidir.

      A autora na presente ação pede a condenação da ré no pagamento de uma indemnização no valor de €4.200,00 (quatro mil e duzentos euros) pelo dano da privação do uso do veículo de matrícula ...; e ainda pede a condenação da ré no pagamento de uma indemnização no valor de €1.000,00 (mil euros) pelos prejuízos decorrentes das viagens realizadas entre Lusinde/Viseu com vista a submeter a viatura, de matrícula ..., a reparação.

      Desde logo, cumpre afastar a aplicação do regime previsto pelo Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que estabelece o regime legal da venda de bens de consumo, porquanto a autora adquiriu o veículo para alocar à sua atividade profissional, pelo que não integra o conceito de consumidor, previsto na al. a) do art. 1.º-B do referido diploma legal, como sendo “aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carater profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios (…)” .

      De igual forma, não será aplicável a Lei n.º 24/96, de 31 de julho, que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores, conforme se extrai da noção de consumidor prevista no n.º 1 do seu art. 2.º.

      Assim, ao contrato de compra e venda celebrado entre as partes, deverá ser aplicado o regime geral previsto no art. 874.º e seguintes do Código Civil.

      E, se a coisa vendida sofrer de vício ou não tiver as qualidades asseguradas para a realização do fim visado, será aplicado o regime previsto no art. 913.º do Código Civil, que diz respeito à venda de coisas defeituosas.

      Por outro lado, por convenção das partes ou por força dos usos, poderá o vendedor ficar obrigado a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabendo-lhe, independentemente de culpa sua ou erro do comprador, preceder à reparação ou substituição da coisa vendida, conforme resulta do disposto no art. 921.º do Código Civil.

      Ora, foi no âmbito deste regime especial, previsto no art. 921.º do Código Civil, que a ré, na qualidade de vendedora, assumiu a obrigação contratual perante a autora, figurando esta na qualidade de compradora, pelas diversas reparações que realizou à viatura de matrícula ..., objeto do contrato de compra e venda celebrado entre ambas.

      Mas com a presente ação não visa a autora reclamar qualquer vício ou defeito na viatura, pretende sim ser ressarcida dos prejuízos decorrentes do período em que ficou privada do uso do bem que lhe foi vendido, bem como dos prejuízos que foi obrigada a fazer face para submeter o bem vendido às reparações que se afiguraram necessárias.

      Ora, e porque assim é, importa verificar que os prejuízos que a autora alega são autónomos em relação ao vício ou defeito do bem vendido que foi coberto pela garantia de bom funcionamento, recaindo no âmbito da responsabilidade contratual prevista nos art. 798.º do Código Civil.

      Pois importa chamar à colação as regras gerais previstas para o cumprimento dos contratos, designadamente no art. 406.º, art. 762.º, art. 879.º e a contrario o art. 913.º, todos do Código Civil, que conjugados, estabelecem que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, devendo a coisa entregue encontrar-se em perfeito estado de conservação, correspondendo às expectativas legítimas do comprador de boa-fé, que significa que deve ser apta a satisfazer os fins e os efeitos a que se destina, mediante a contrapartida do pagamento do preço, estipulado, ao vendedor.

      Não sendo posta em causa pela autora, na presente ação, a existência ou não de vícios na coisa vendida, apenas importa nesta ação apreciar se lhe assiste o direito ou não a ser ressarcida dos prejuízos patrimoniais que diz ter suportado no período que respeita à reparação da viatura ao abrigo da garantia de bom funcionamento, reparações essas, reconhecidas pela ré.

      É um facto inquestionável que a possibilidade de utilização de um veículo automóvel é um valor material em si, sendo suscetível de quantificação com recurso a realidades várias da vida quotidiana, e por isso, autonomamente indemnizável, contando com o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade contratual, com base nos critérios previstos nos art. 562.º e seguintes do Código Civil.

      Determina o n.º 1 do art. 498.º do Código Civil, que “o direito a indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.” Porém, importa salientar que, o referido prazo de prescrição, enquanto exceção ao prazo ordinário, diz exclusivamente respeito ao prazo de prescrição previsto para a responsabilidade civil extracontratual, contudo, recaindo a presente ação no âmbito da responsabilidade civil contratual, o prazo de prescrição será o prazo ordinário de vinte anos, previsto no art. 309.º do Código Civil.

      Assim, e sem necessidade de maiores considerandos, atenta a causa de pedir e pedido configurada na presente ação pela autora, não se encontrando esta sujeita a prazo de caducidade em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 298.º do Código Civil, deverá esta estar sujeita ao prazo de prescrição ordinário de vinte anos, previsto no art. 309.º do Código Civil.

      Pelo que, e em face do supra exposto, julga-se improcedente a exceção de caducidade da ação invocada pela ré.

      * b) Da exceção de irresponsabilidade da ré enquanto facto impeditivo do direito invocado pela autora: A ré alega que é alheia à garantia prestada pela marca Ford e que a sua vinculação decorre exclusivamente da celebração do contrato cujas obrigações cumpriu, em resposta a autora reitera que celebrou o contrato com a ré decorrendo daí a sua obrigação.

      Pois, para o efeito importa ressalvar tudo quanto já se expôs no que concerne a causa de pedir da autora na presente ação, afastando a aplicação do regime especial previsto no art. 921.º do Código Civil.

      Assim, o que a ré pretende é invocar a sua ilegitimidade substantiva, no que à garantia de bom funcionamento diz respeito, mas sem olvidar que foi esta quem assinou e celebrou o contrato...

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