Acórdão nº 4200/18.9T8VIS.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução11 de Maio de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 18.9.2018, M...

[1], D... e A... intentaram a presente acção declarativa comum contra L... (1º Réu) e A... (2º Réu)[2], pedindo que sejam declaradas a nulidade por simulação da confissão de dívida (constante dos documentos n.ºs 5 e 6) e/ou a anulação por erro-vício das declarações das 1ª e 2ª Autoras na confissão de dívida constante do documento n.º 5 e das declarações das Autoras na confissão de dívida constante do documento n.º 6.

Alegaram, em síntese: a 1ª A. é mulher do 2º Réu, com quem vive, e as restantes são suas filhas; no dia 26.6.2018 e nas demais circunstâncias indicadas na petição inicial (p. i.) o 2º Réu disse à A. M... que o 1º Réu lhe havia emprestado dinheiro para pagar uma dívida referente a um crédito à habitação, já em fase de execução judicial, pelo que pretendia que “assinasse uma confissão de dívida relativa à mesma, com fiança a ser prestada pela sua mulher e filhas”; no dia 27.6.2018, o 1º Réu enviou um documento designado “confissão de dívida”; no dia 28.6.2018, as AA. deslocaram-se a um Cartório Notarial, em ..., onde foi autenticado notarialmente documento de “confissão de dívida”, cujo conteúdo reproduziram no art.º 16º da p. i.; o dito documento surgiu em razão do circunstancialismo descrito nos art.ºs 17º e seguintes da p. i. e porque o 2º Réu, que se sentia “angustiado e moralmente responsável” por ter apresentado determinado negócio “ao 1º Réu e à D.ª M...”, “assentiu no pedido do 1º Réu, para que este pudesse pagar a sua dívida ao cunhado e (…) à D.ª M...

”; jamais foi entregue ao 2º Réu qualquer quantia para que este a fizesse sua, fosse a que título fosse; o dito documento designado “confissão de dívida” era apenas para justificar o pedido de dinheiro do 1º Réu a um seu cliente sem dizer que era para si próprio; a vontade declarada por todos os outorgantes no documento autenticado não correspondeu à sua vontade real, pois nem existia qualquer dívida do 2º Réu ao 1º Réu e muito menos qualquer mútuo; quer o teor das “confissões de dívida” apresentadas às AA., da lavra do 1º Réu, quer a justificação transmitida pelo 2º Réu às AA. não correspondiam ao real objecto do negócio subjacente, destinando-se a obter das AA. a prestação de “fiança” em relação a tal suposta dívida emergente de mútuo, que não existiu.

O 1º Réu contestou, referindo, nomeadamente, que o 2º Réu vezes sem conta lhe solicitou diversos empréstimos, sendo as entregas em numerário, e, de modo livre e esclarecido, foi acordado entre ambos a elaboração de uma declaração confessória de dívida, a subscrever por ele e pelas AA. como fiadoras e com a autenticação do documento, de modo que o 1º Réu ficasse munido de “título executivo”; foi neste contexto que surgiu a “confissão de dívida” e a “autenticação” também referidas pelas AA., sendo falsos os factos de sentido contrário alegados na p. i.. Concluiu pela improcedência da acção e pela condenação das AA. por litigância de má fé em conluio com o 2º Réu.

A fls. 78 foi proferido despacho que julgou verificada a excepção dilatória de ilegitimidade por preterição do litisconsórcio necessário activo, decisão revogada por acórdão desta Relação de 08.10.2019.

Foi proferido despacho saneador que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza a quo, por sentença de 16.11.2020, julgou a acção totalmente provada e procedente e, em consequência, declarou nulo o contrato de confissão de dívida com fiança (por ser apenas um) datado de 27.6.2018 celebrado entre as AA. e os Réus; absolveu as AA. e o 2º Réu do pedido de litigância de má fé.

Inconformado, o 1º Réu apelou formulando as seguintes conclusões: ...

As AA. responderam concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito, cuja modificação depende, sobretudo, do sucesso da impugnação de facto (questiona-se a validade da “confissão de dívida” subscrita pelo 2ª Réu e afiançada pelas AA.).

* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: ...

  1. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

    1. O 1º Réu/recorrente insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, ciente de que (apenas) a sua eventual modificação poderá levar a um diferente desfecho dos autos.

      Com esse desiderato, considera que em substituição da factualidade dada como provada em II. 1. 45), supra, deverá ser dado como provado que ´o 1º Réu efectuou diversos empréstimos ao 2º Réu no montante global de €110.000 em quantias de €2.500 em numerário, sendo a última em Julho de 2017` (cf. as “conclusões 1ª e 18ª”, ponto I., supra), baseando-se, para o efeito, sobretudo, nos depoimentos de duas testemunhas, conjugados com alguns dos documentos juntos aos autos.

      Daí, importa averiguar se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto àquela factualidade.

    2. Esta Relação procedeu à audição integral da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental.

    3. Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efectivação do princípio da imediação[3], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que se verifique se os depoimentos e as declarações de parte foram apreciados de forma razoável e adequada.

      Na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[4], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

    4. Depois de aludir, largamente, e principalmente, à problemática do “valor probatório do documento particular autenticado e da admissibilidade da prova testemunhal e por declarações de parte”, contextualizado com o preceituado nos art.ºs 347º, 371º, 376º, n.ºs 1 e 2, 377º e 394º do CC e, ainda, com o concluído e/ou fundamentado sobre a matéria nalguns arestos dos Tribunais Superiores[5], e havendo salientado, também, designadamente, que “as AA. invocam a simulação e/ou vício da vontade ao assinarem o referido documento autenticado, podendo para tal, fazer prova da inverdade do conteúdo do documento, e sendo certo que é seu o ónus da prova” e que “a declaração confessória relativa ao mútuo não é delas, mas apenas do 2º Réu, por ter sido um facto pessoal deste - elas apenas outorgam na qualidade de fiadoras e garantes das obrigações que aquele assume, ou seja, relativamente ao que é referido nesse contrato quanto à quantia mutuada e sua origem e motivo o declarante confitente é o Réu nesta ação e não as AA.” -, pelo que “é licito a estas demostrar por qualquer meio de prova, a inveracidade dessas declarações”, a Mm.ª Juíza a quo apresentou a seguinte motivação de facto [naturalmente, destacam-se os excertos com relevo para a impugnação em apreço]: «(…) No caso em apreço, analisando conjugada e criticamente toda a prova produzida (documental, testemunhal, depoimento e declarações de parte) são muito poucas as certezas a que se chegou e são poucas as convicções profundas, devidamente sustentadas na prova.

      / (…) / E, na dúvida, o tribunal deu a factualidade como não provada. / Explicando, / As certezas do tribunal prendem-se com a confissão das partes nos articulados, em conjugação com o documento autenticado junto ao processo.

      / (…) Do mesmo modo, está confessado que ambos os RR se deslocaram a Madrid no dia anterior à assinatura da confissão de dívida, datada de 27 de junho, e que aqui ocorreu um episódio “cinematográfico” de troca de notas verdadeiras por falsas e que levou à apresentação de queixa nas autoridades policiais de Madrid.

      / Para além destes factos, o tribunal teve ainda convicções fortes e seguras. / Ficou-se a convicção segura de que o 2º Réu tomou conhecimento desta possibilidade de ganhar algum dinheiro com a troca de notas pequenas por notas de 500 € porque lhe foi sugerido em junho, em Milão, pelo tal Jacob que, alegadamente, estava interessado em investir em Portugal.

      / Não obstante o negócio da venda da casa de Cascais ter ficado sem efeito logo na visita à casa, ainda em junho, após a deslocação a Milão (como referiu o proprietário e seu genro, testemunhas no processo), o 2º Réu quis ir posteriormente a Madrid por causa deste negócio das notas. / Daí que tenha falado à testemunha ... deste negócio, sendo que eram conhecidas as dificuldades financeiras da mesma e, por isso, a sua propensão para poder “ganhar algum”, aliado à circunstancia de ter um posto de abastecimento de combustíveis e ter consigo, habitualmente, várias quantias em numerário, provindas dos pagamentos. / (…) / Mas o tribunal também acreditou na A. M..., quando relatou o que o marido lhe disse a ela e às filhas (…), pela forma espontânea com que o disse. / Mais concretamente, acredita-se que o marido lhe tenha dito, na noite que regressavam de Madrid, que o 1º Réu lhe havia emprestado 110.000€ para pagarem as dívidas e que exigia a garantia pessoal da mulher e filhas. / Todavia, já não se teve essa convicção quanto à alegação de que só depois de assinarem como fiadoras tiveram conhecimento pelo 2º Réu que, segundo este, não teria havido qualquer empréstimo, mas um negócio mal sucedido de troca de notas onde foram “roubados” (…). / Com efeito, o tribunal tem dúvidas se a nova versão do R. para as AA tenha ocorrido depois ou ainda antes da assinatura do documento. / (…) a convicção do tribunal é que as AA quiseram assumir a responsabilidade apenas para ajudar o pai...

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