Acórdão nº 848/19.2T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | JOSÉ AVELINO GONÇALVES |
Data da Resolução | 25 de Maio de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1.Relatório Autora – G…, LDA. Réu – L..
Objecto do litígio – Reivindicação da fracção “A” correspondente ao rés-do-chão direito do prédio urbano sito na Rua…, Lote 1, freguesia de …., concelho de …., inscrita na matriz predial urbana da freguesia …. sob o art. 1291 e descrita na Conservatória do Registo Predial de …. sob o n.º 492 e indemnização.
Questões a decidir: 1.º DIREITO DE PROPRIEDADE – Saber se a Autora é titular do direito de propriedade sobre a fracção acima referida com fundamento na aquisição derivada por contrato e presunção do registo (acção) ou, pelo contrário, se o Réu é titular do direito de propriedade sobre a fracção acima referida com fundamento na aquisição originária por usucapião (reconvenção).
-
DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO – Saber se a Autora tem direito de exigir uma indemnização ao Réu.
-
ABUSO DO DIREITO – Saber se a Autora actuou em abuso do direito.
-
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – Saber há litigância de má-fé da Autora e/ou do Réu.
O Sr. Juiz do Juízo Central Cível de Leiria julga a acção e, consequentemente, decide: “Nos termos e fundamentos expostos, 1.
Julgo a acção totalmente improcedente e, em consequência, 2.
Absolvo o Réu L… de todos os pedidos deduzidos pela Autora G…, LDA..
-
Julgo a reconvenção totalmente procedente e, em consequência, 4.
Declaro que o Réu L… adquiriu o direito de propriedade, por usucapião, sobre a fracção “A”, correspondente ao rés-do-chão direito para habitação, com garagem na cave e logradouro, do prédio urbano sito na Rua …, Lote 1, freguesia de …, concelho de …, inscrita na matriz predial urbana da freguesia da …. sob o art. 1291.º, descrita na Conservatória do Registo Predial de …. sob o n.º 00492/11051990 e condeno a Autora G…, LDA., a reconhecer o aludido direito de propriedade do Réu L… sobre a referida fracção.
-
Absolvo a Autora e o Réu do pedido recíproco de condenação como litigantes de má fé.
-
Custas a cargo da Autora.
-
Registe e notifique.
-
Após trânsito, proceda-se ao registo oficioso da presente sentença – cfr. artigos 3.º, n.º 1, al. c), 8.º-A, n.º 1, al. b), e 8.º-B, n.º 3, al. a), do Código do Registo Predial. Leiria, 27/10/2020”.
A autora G…, não se conformando com a decisão, interpõe o seu recurso, assim concluindo: (…) O réu/reconvinte, L…, pugna pela improcedência do recurso.
-
Do objecto do recurso Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente cumpre apreciar as seguintes questões: 1.O Juízo Central Cível de Leiria ao dar como não provados os factos constantes da alínea b) dos factos dados por não provados, julgou incorrectamente por ter apreciado mal a prova? 2. Saber se a Autora é titular do direito de propriedade sobre a fracção acima referida com fundamento na aquisição derivada por contrato e presunção do registo (acção) ou, pelo contrário, se o Réu é titular do direito de propriedade sobre a fracção acima referida com fundamento na aquisição originária por usucapião (reconvenção).
-
-
Saber se a Autora tem direito de exigir uma indemnização ao Réu e qual o seu valor.
O Tribunal de Leiria assentou, assim, a matéria de facto: A. Factos Provados Resultaram provados os seguintes factos constantes dos articulados (com relevo para decidir, excluindo factos conclusivos e conceitos jurídicos): 1. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 00492/11051990 a fracção “A”, correspondente ao rés-do-chão direito para habitação, com garagem na cave e logradouro, do prédio urbano sito na Rua …, Lote 1, freguesia de …., concelho de …., inscrita na matriz predial urbana da freguesia da …sob o art. 1291 (doc. 1 e 2).
-
A referida fracção encontra-se inscrita a favor da Autora pela Ap. 3102 de 27/09/2018 na Conservatória do Registo Predial de … (doc. 1 e 2).
-
Consta de documento datado de 27/09/2018, designado de “Compra e Venda” (autenticado pela Dr.ª C…, Advogada), que A…, na qualidade de Administrador de Insolvência de “M…, Lda.”, declarou vender, livre de ónus e encargos, a “G…, Lda.”, que declarou aceitar, pelo preço de €35.000,00, a fracção identificada supra no ponto 1.º (doc. 3).
-
Em 2018 a Autora contactou o Réu para que este lhe entregasse a fracção referida livre de pessoas e bens, o que este recusou.
-
Caso a fracção referida fosse arrendada poderia corresponder a uma renda mensal de €400,00/€500,00.
-
No dia 25 de Outubro de 1990, foi outorgado contrato promessa de compra e venda, entre A…, na qualidade de promitente vendedor, e, L…, na qualidade de promitente comprador (cfr.doc.1).
-
Foi objecto do contrato prometido, a compra pelo Réu da fracção autónoma descrita sob o n.º 492, correspondente à letra A, inscrita a aquisição por compra pela Ap. 04/11051990 a favor de A…, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1291, da freguesia da …, concelho de …, sito Rua dos M…, lote 1, …. (doc. 2, 3).
-
O preço acordado no valor total de Esc.9.000.000$00 (nove milhões de escudos) [agora correspondentes a €44.891,81], a ser pago da seguinte forma (doc. 1): a) No dia 25/10/1990, na data da outorga do contrato: Esc.3.000.000$00 (três milhões de escudos); b) Até 31/11/1990, a entrega de Esc.1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil e escudos); c) Até 02/03/1991, a entrega de Esc.3.000.000$00 (três milhões de escudos); d) Restante parte do montante: Esc.1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil e escudos), no acto da escritura de compra e venda.
-
No mesmo dia 25 de Outubro de 1990, foi outorgado contrato promessa de compra e venda, entre A…, na qualidade de promitente vendedor, e, L…., na qualidade de promitente comprador, para a compra pelo Réu de 1/2 da cave de um prédio em construção, sito na Rua dos … na …. (cfr. doc. 4).
-
A cave ora prometida comprar, corresponde a estacionamento no prédio em construção onde se situa a fracção A, como consta da descrição predial (doc. 2, 3).
-
O preço acordado foi de Esc.1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos) [agora correspondentes a €7.481,96], a pagar no acto da escritura de compra e venda (doc.4).
-
O Réu efectuou os seguintes pagamentos por conta da compra da fracção: a) No dia 25/10/1990, na data da outorga do contrato: Esc.3.000.000$00 (três milhões de escudos) (doc. 5); b) No dia 14/11/1990, pagou a quantia de Esc.500.000$00 (quinhentos mil escudos) (doc. 6); c) No dia 23/11/1990, pagou a quantia de Esc.1.000 000$00 (um milhão escudos) (doc. 7); d) No dia 14/12/1990, pagou a quantia de Esc.1.000.000$00 (um milhão escudos) (doc. 8); e) No dia 16/01/1991, pagou a quantia de Esc.600 000$00 (seiscentos mil escudos) (doc. 9); f) No dia 28/02/1991, pagou a quantia de Esc.1.400.000$00 (um milhão e quatrocentos mil escudos) (doc.10); 13. O total dos montantes pagos e entregues é de Esc.7.500.000$00 (sete milhões e quinhentos mil escudos) [agora correspondentes a €37.409,84] (docs. 5, 6, 7, 8, 9 e 10).
-
Ficando apenas em falta o pagamento de Esc.1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), correspondentes actualmente a €7.481,96.
-
O promitente vendedor era sócio da sociedade “A…, Lda.”, com o NIF: ….
-
A sociedade “A…, Lda.”, com o NIF:…, entrou em processo de insolvência.
-
Em 1991, não tendo outro sítio para morar com a sua família, porquanto já tinha dispensado a casa arrendada onde residia, o Réu decidiu ir habitar a fracção acima identificada incluindo a cave, até hoje.
-
E quando o Réu vai residir para a fracção com a família, esta encontrava-se com as paredes em tijolo, sem portas nem janelas, luz, água ou electricidade.
-
O Réu foi constituído fiel depositário da fracção, no âmbito de penhora concretizada pela AT em 22/09/1993 (doc.11 fls.103 vº).
-
O Réu outorgou contrato com a EDP em seu nome em 1999 (doc.11).
-
Tendo posteriormente concluído todas as obras necessárias na fracção, incluindo colocação de aros, portas, móveis de cozinha e rodapé, azulejos e mosaicos.
-
Pela realização das obras referidas o Réu despendeu quantia não totalmente apurada, mas superior a €2.000,00.
-
O Réu acabou a execução das obras na fracção nela habitando com a sua família e usando a cave desde 1991.
-
Nela dormindo, 25. Habitando, 26. Pagando a água, 27. Luz, 28. Telefone, 29. Recebendo correspondência da Segurança Social, 30. Da AT (tudo cfr. doc.13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21), 31. Fazendo obras de conservação quando necessário, 32. Recebendo a sua correspondência, 33. Utilizando a cave, onde estaciona o seu veículo, 34. À vista, 35. E com o conhecimento de todos, 36. E sem a oposição de ninguém.
-
Através da citação para os presentes autos o Réu tomou conhecimento de que a propriedade da fracção foi transmitida para a propriedade da “M…, Lda.” e demais factos infra descritos, com a obtenção de cópias do processo (doc. 12).
-
O processo de insolvência corre os seus termos com o nº.1795/14.0T8VFX-J2, no 2 Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, doc.11.
-
Apesar de constar nos autos de insolvência a referência à posse do Réu e constarem cópias dos contratos promessa, o Réu nunca foi notificado no âmbito deste processo para...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO