Acórdão nº 1612/17.9T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelSÍLVIA PIRES
Data da Resolução15 de Dezembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra O Autor intentou contra os Réus a presente acção declarativa de condenação, pedindo que estes fossem condenados a pagar-lhe € 37.242,00, relativos ao remanescente do preço de venda da nua propriedade de um imóvel, e € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais.

Em síntese invoca que o pai do autor e avô dos réus adquiriu um apartamento para habitação, cujo usufruto vitalício constituiu a favor da cidadã com quem, na altura, pese embora ainda casado, fazia vida, e colocou os réus, seus netos, como titulares da nua propriedade do mesmo imóvel com o único fito de subtrair tal bem à esfera patrimonial de um filho que, se bem que perfilhado, não reconhecia nem queria beneficiar, o que era do conhecimento quer do referido ascendente do autor e dos réus quer da irmã e tia dos mesmos, quer da usufrutuária.

Posteriormente, falecido o referido ascendente, o autor e a sua irmã, mãe dos réus, acordaram em proceder à venda do apartamento, devendo o aqui Autor beneficiar de metade do respectivo preço, mas que os Réus, que receberam, como se proprietários fossem, a totalidade dessa quantia, apenas lhe transferiram parte da mesma, faltando entregar-lhe € 37.242,00.

Fundamentou o pedido de pagamento desta quantia, em primeira linha, na obrigação do mandatário sem representação entregar ao mandante o que recebeu na execução do mandato, e subsidiariamente, nas figuras do abuso de direito e no enriquecimento.

Invocou ainda ter sofrido danos morais em consequência da conduta dos Réus, pelos quais pretende ser indemnizado, no valor de € 20.000,00.

Contestaram os Réus, alegando, em síntese, que o imóvel em causa foi adquirido pelo falecido avô e pelos netos contestantes, pelo que lhes pertence, não ao Autor e sua irmã, que mandataram advogada para o vender, na sequência do que emprestaram, ao Autor a quantia de € 39.985,00, quantia, cujo reembolso pedem, em reconvenção, bem como a pagar-lhes € 12.500,00 de indemnização a título de litigância de má-fé.

Posteriormente, foi admitida a ampliação do pedido reconvencional, no sentido de ser fixado um prazo de 30 dias para o pagamento da quantia mutuada.

O Autor apresentou réplica, pugnando pela improcedência da reconvenção e pedindo a condenação dos réus por litigância de má-fé.

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido formulado.

* O Autor interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. O autor iniciou os presentes autos contra os réus para peticionar o cumprimento do mandato sem representação que lhes havia conferido.

2. Para o efeito, alegou que, de comum acordo com os réus; a irmã e o seu falecido pai, tinha sido decidido que os réus surgiriam como proprietários em representação dos verdadeiros, ou seja, o autor e a sua irmã.

3. A título subsidiário, pedia ainda o autor a condenação dos mesmos réus no pagamento do mesmo valor, por aplicação das regras jurídicas que impedem o abuso de direito e as que sancionam o enriquecimento sem causa.

4. O autor deduziu finalmente contra os réus um pedido de condenação no valor de € 20.000,00 para minimamente compensar os danos não patrimoniais suportados pelo autor.

5. Todos os pedidos foram julgados totalmente improcedentes, sendo dessa decisão que se apresenta o presente recurso.

6. O recorrente considera a sentença recorrida nula por aplicação do disposto do artigo 615.º, n.º 1, alíneas c), d) e e).

7. O tribunal recorrido admite e certifica como sendo verdade que o imóvel identificado nos autos era, de facto, propriedade do autor (juntamente com a sua irmã), por vontade do seu pai, já falecido, e que foi quem, na verdade, pagou o seu preço na totalidade.

8. Para que a decisão final fosse coerente com os factos provados e a versão demonstrada no processo, teriam os réus que ter sido condenados na entrega do remanescente do preço que, sem dúvida, é devido ao real proprietário do imóvel transacionado.

9. O autor pediu ainda a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais causados: porém, nada se lê na sentença recorrida quanto a esse pedido, sendo nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d).

10. Igualmente será nula, com o mesmo fundamento legal, por não ter analisado nem qualificado o contrato de venda do imóvel (apenas se tendo debruçado quanto ao contrato de compra).

11. A questão colocada ao tribunal pelo autor não fica, portanto, resolvida, se se seguir o raciocínio do tribunal recorrido: a compra do imóvel foi um negócio simulado; a venda não se sabe o que foi.

12. O raciocínio do tribunal conduz à nulidade da sentença, também por violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea e): ao invés de apreciar esta questão, o tribunal recorrido analisa exclusivamente (e fá-lo mal, ainda para mais) o negócio pelo qual os réus compraram o imóvel (que veio a ser vendido).

13. O negócio de compra (separado da venda em mais de 35 anos) não tem influência no negócio da venda. Nem o tribunal recorrido invoca qualquer vício do negócio de compra do imóvel para ter consequência no negócio da venda: não é porque a compra do imóvel foi julgada (mal) como simulada que o pedido do autor é improcedente.

14. A sentença é ainda nula, com o mesmo fundamento, por ter invocado e julgado aplicável ao caso concreto direito que não foi discutido pelas partes: não foi alegado por nenhuma das partes e, querendo o tribunal aplicar o instituto da simulação, não permitiu que cada uma das partes previamente se pronunciasse sobre essa solução.

15. O tribunal julgou mal os factos identificados na sentença com os números 33 a 39 e 43 dos factos não provados, impondo-se decisão diversa em face da prova produzida.

16. Aliás, a conclusão quanto aos factos identificados com os números 33 e 34 decorrem do demais que o tribunal considerou provado: o imóvel era, de facto, do autor (e da sua irmã), a venda foi promovida e tratada pelo autor, por sua iniciativa, e não recebeu o valor que lhe seria devido pela venda. Foi a sua família que assim o traiu: os seus sobrinhos.

17. Esses os demais devem, de todo o modo, ser considerados como provados, por confronto com a prova testemunhal produzida em particular pela testemunha A. (na sessão do dia 20 de abril de 2021, a iniciar em 38’14’’ e a terminar em 41’51’’) e da testemunha B. (na sessão do dia 20 de abril de 2021, a iniciar em 6’33’’ e a terminar em 7’54’’).

18. A partir de tal prova, os factos não provados com os números 33 a 39 e 43 teriam que ser sido considerados como provados, com as consequências legais devidas: a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização ao autor a título de danos não patrimoniais no valor de € 20.000,00, nos termos do artigo 496.º do Código Civil.

19. O que aconteceu, à data da compra do imóvel identificado nos autos, é que estes réus intervieram no negócio em representação do ora autor e da irmã deste (e mãe dos réus), que eram, para todos os efeitos, os donatários do negócio que o falecido C. quis fazer e fez. Aliás, tal prova resultou feita nos autos que deram origem à sentença de que se recorre.

20. Não tendo ficado provado (porque não houve) qualquer conluio entre as partes no processo (aí se incluindo o falecido C. ) e o vendedor do imóvel em 1979 nem com o comprador, em 2016, não pode considerar-se ter havido simulação, porque não há o elemento essencial que é o acordo simulatório.

21. O acordo que existia estava feito apenas entre o falecido C. , o autor e sua irmã e os ora réus. Esse acordo era o de que os réus seriam os proprietários formais do imóvel, mas os reais seriam o autor e sua irmã (e mãe dos réus).

22. Desde o momento da compra do imóvel que os réus têm vindo a atuar por conta e no interesse de outros – o autor e a irmã – e nunca em nome próprio.

23. Os réus aparecem na escritura de compra do imóvel em representação do autor e da sua irmã, a pedido e por acordo com o falecido C. (e com o conhecimento do autor e sua irmã, naturalmente); não tendo nunca atuado como proprietários (como ficou provado e como, de facto, não eram), aparecem na escritura de venda do mesmo imóvel, novamente em representação dos verdadeiros proprietários.

24. O tribunal recorrido parece ter entendido que, havendo mandato sem representação, o pedido teria que ser feito em favor da herança e herdeiros do falecido C. .

25. O processo não tem qualquer elemento que lhe permita concluir que os herdeiros do falecido C. ou alguns deles ficaram ou não prejudicados. Essa não é uma questão a apreciar pelo tribunal recorrido.

26. Mesmo que tivessem ficado, quem poderia invocar e pretender aplicar o instituto da colação seria o herdeiro afetado na sua herança, apenas esse herdeiro prejudicado tendo legitimidade para, querendo, exigir a restituição à massa dos bens a partilhar.

27. A consideração dos negócios de compra e de venda do imóvel como simulações, significaria, na prática, impedir que o autor pudesse exercer o seu direito. É que, entre simuladores (e seus herdeiros, que lhe sucedem na mesma posição) e quando está em causa um documento autêntico, como seria o caso, não seria admissível outra prova que não fosse a confissão de um dos simuladores.

28. Sem prejuízo do que ficou dito, estava o julgador vinculado a julgar o pedido apresentado pelo autor em conformidade, mesmo que pretendesse aplicar o instituto da simulação em vez do mandato sem representação.

29. O tribunal não está vinculado à solução de direito que as partes lhe apresentam, nos termos do artigo 5.º, n.º 3 do Código do Processo Civil e em respeito pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

30. Se o tribunal recorrido conclui que o comportamento das partes é, na...

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