Acórdão nº 3834/18.6T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução03 de Novembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

  1. EDP (…), S.A. instaurou contra C (…) Lda ação declarativa, de condenação, com processo comum.

    Pediu: A condenação da ré a entregar-lhe € 17.749,46, acrescido de juros de mora, desde a data da citação até integral pagamento.

    Alegou: Abastece energia elétrica ao local de consumo identificado em 9º da petição inicial e que nesse âmbito realizou, no dia 16/12/2014, uma vistoria ao equipamento de contagem (contador) instalado no local de consumo da ré, altura em que os seus técnicos verificaram uma ligação ilícita/ligação direta em tais instalações na sequência do que a medição foi falseada, apropriando-se a ré da energia elétrica em seu proveito e em prejuízo da autora.

    A ré contestou.

    Invocou a caducidade do direito da autora e a prescrição, previstos no art. 10º na Lei n.º 23/96, de 26/07 e que disse ter ocorrido 6 meses após a data da vistoria, verificando-se a caducidade deste direito em 15/06/2015.

    Mais invocou o prazo de prescrição de 3 anos, previsto no art. 482º do Código Civil, dizendo para tanto que a autora sempre soube que apenas poderia agir contra a ré com base no enriquecimento sem causa.

    Arguiu ainda o prazo de prescrição da responsabilidade de 3 anos, previsto no art. 498º do Código Civil.

    É inaplicável o n.º 3 do art. 498º do indicado Código, pois que a autora terá de demonstrar os crimes de furto/dano, incluindo as suas autorias, o que aquela não fez, invocando apenas a presunção prevista no art. 1º n.º 2 do DL n.º 328/90, de 22/10 e, concluindo, disse que não se comprovando tais crimes não é aplicável o prazo prescricional previsto no art. 498º n.º 3, sendo, ao invés, aplicável prazo previsto no seu n.º 1 (3 anos).

    Impugnou a adulteração do contador e a sua reparação, argumentando para tanto a nulidade do procedimento de fiscalização, dizendo ainda que a autora não junta prova que demonstre o estado inicial do contador não sendo possível saber se o equipamento se encontrava com os selos corretamente aplicados aquando do inicio do fornecimento da energia elétrica pelo que o eventual desaperto se poderá ter ficado a dever a alterações climatéricas/ trepidação do local onde se encontra o equipamento.

    Aquando da vistoria os funcionários da autora não comunicaram à ré que já se encontravam no local para efetuar a inspeção, apenas da mesma tendo tomado conhecimento após a sua conclusão, o que viola o art. 2º n.º 3 do DL n.º 328/90, de 22/10. Não foi informada de que poderia exercer o direito de requerer a vistoria à Direção Geral de Energia, que funcionaria como contra-prova da suposta adulteração. Em face deste procedimento deverá funcionar a previsão do art. 344º n.º 2 do Código Civil, dado que a autora inviabilizou que a ré pudesse fazer prova do contrário do por si alegado. Subsidiariamente, para o caso de se comprovar a adulteração do contador nos termos do art. 1º n.º 2 do DL n.º 328/90, invocou o afastamento da presunção de culpa negando a sua culpa no procedimento que levou à adulteração porquanto: - o aparelho se encontra instalado fora do estabelecimento, o que permite o seu acesso a qualquer pessoa; - o cliente apenas é fiel depositário dos equipamentos de medição desde que terceiros não tenham acesso livre ao equipamento; - a subcontratação de empresas que efetuam as instalações e por vezes funcionários sem qualificações gera instalações com vícios vários; - a ré, em Junho de 2013, adquiriu um aparelho para diminuição de consumos de 10% a 15%; - a ré, no mesmo período, substituiu também os equipamentos elétricos e colocou borrachas que impedem o desperdício de energia nos eletrodomésticos, substituindo todas as lâmpadas por lâmpadas LED, mais tendo implementado uma série de medidas de poupança de eletricidade. A diminuição dos consumos verificada deveu-se aos equipamentos e medidas adotadas .

    Conclui dizendo que mudou de comercializador em 02/10/2013, para a I (…) razão pela qual acreditou que a diminuição dos valores se mostrava justificada.

    Não sendo responsável pelo procedimento fraudulento apenas terá o distribuidor, aqui autora, direito a ser ressarcido pelo valor do consumo irregularmente efetuado, cabendo-lhe (à autora) provar o consumo irregular e apenas respondendo o cliente pelo consumo irregular, caso não se verifique a prescrição.

    Compete à autora fazer prova do período durante o qual o procedimento fraudulento teve lugar, não podendo para tanto basear-se apenas num critério e omitindo que o seus funcionários acederam ao equipamento em causa, por diversas vezes, durante o período em que o eventual procedimento fraudulento operou, atendendo à obrigatoriedade de verificação trimestral dos equipamentos.

    A ter havido procedimento fraudulento o mesmo apenas poderá ter ocorrido a partir da data da última deslocação dos técnicos da autora, que ocorreu em 21/11/2014, e o dia 16/12/2014.

    Pediu a improcedência da ação.

    A autora respondeu dizendo que se aplica o prazo do n.º 3 do art. 498º do Código Civil.

    E que não são aplicáveis os prazos de prescrição e caducidade previstos na Lei n.º 12/2008, de 26/02, que tem por objetivo evitar o avolumar de dívidas dos utentes por inércia do prestador de serviço e no pressuposto da regular execução do contrato, isto é, da inexistência de interferências fraudulentas suscetíveis de reduzir os valores faturados e consequente fuga ao pagamento dos valores reais.

  2. Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidida: «…o Tribunal julga a presente acção totalmente procedente e em consequência condena-se a ré a entregar à autora a quantia de € 17.749,46, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal e desde a citação e até integral pagamento.» 3.

    Inconformada recorreu a ré.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A Recorrente vem, nos termos dos art.ºs 627.º, 629.º, 631.º, 638.º, 644.ºn.º 1, a), 645.º n.º1, a) e 647.º n.º1 do C.P.C, apresentar recurso de apelação da matéria de facto e da matéria de direito, com efeito devolutivo, a subir nos próprios autos, por não se conformar com a sentença proferida pelo tribunal a quo.

    2. Quanto à matéria de facto: No entender da Recorrente deveria ser dada como não provada a factualidade vertida nos pontos 10., 11., 12., 13, 14., 15., 16., 17. e 19., 20. (estes nos termos em que o foram) da matéria de facto provada.

  3. E como provado, adicionando-se à matéria de facto dada como provada: o facto de a Recorrida, tal como confissão expressa no art.º 8 da petição que se aceitou sem possibilidade de retratação: “A Autora efetua habituais rondas de leitura e procede periodicamente, através de técnicos habilitados a vistoriar contadores, à fiscalização das instalações de consumo ligadas à rede pública, tendo em vista despistar a existência de irregularidades, designadamente adulteração dos equipamentos de contagem”, que deverá ser acrescer à matéria de facto provada como ponto 31.

    4. E como provada a factualidade vertida nos pontos d) (alterando-se “Os funcionários….” para “O funcionário…”, e), g), h), i) e f) 1ª parte (“A empresa subcontratada pela autora para fazer a instalação do aparelho e os seus (da autora) funcionários não têm as qualificações necessárias à realização dos trabalhos”) da matéria de facto não provada.

    5. E deverá dar-se ainda como provado o ponto b) dos factos não provados, nos seguintes termos: “b) A Ré (e não a Autora, como nos parece que, por lapso, consta da sentença), teve conhecimento dos factos descritos no autos elaborado pelo funcionário da Autora quando foi citada para a presente ação judicial.”Se o douto tribunal a quo se quis referir à Autora, então este facto deve manter-se como não provado, pois esta teve conhecimento antes e nada fez, atenta a obrigatoriedade de fiscalização que lhe cabia e até tendo em conta os indícios de alteração de consumo, que in caso, não eram, segundo a Recorrida, tão insignificantes! Senão vejamos, 6. No que diz respeito à realização da vistoria, cfr, depoimento de (…) eletricista que efetuou a vistoria do quadro, depoimento do representante legal da Recorrente (…) e da testemunha (…), o técnico deslocou-se para fazer uma alteração de ciclo de consumo, não para realizar uma vistoria, não obstante a Recorrida confessar estar obrigada a vistorias periódicas no art.º 8.º da p.i, o que não faz e considera-se um abuso de direito e da posição dominante que detém perante os consumidores.

  4. Chegado ao local, o técnico da Recorrida não informou o representante legal da Recorrente antes de iniciar a vistoria, nem solicitou a presença do cliente ou alguém em sua representação, não obstante poder fazê-lo, acabando por realizar a vistoria e preencher o auto sozinho.

    8. A única prova da adulteração e de como esta foi realizada, resulta do auto preenchido pelo técnico da Recorrida, bem como do depoimento deste, que ao não solicitar a presença da recorrente aquando da vistoria impediu esta de também ela verificar como estava o contador e a existir anomalia, em que é que a mesma consistia, em violação do art.º 2.º, n.º3 do DL328/90, de 22 de Outubro. Note-se que é facto provado em 18. que se desconhecia o estado inicial do contador, pelo que ab initio, se desconhece se este estaria com os selos bem colocados e as tampas fechadas.

    9. Por outro lado, quer do depoimento do gerente da Recorrente e da testemunha (…), quer do depoimento do técnico da Recorrida que realizou a inspeção, quer do depoimento da testemunha (…) quer pelas regras da lógica e experiência comum, deverá ser dado como provado que não foi entregue cópia do auto ao gerente da Recorrente, não lhe tendo sido comunicado que existia uma adulteração do contador, nem tão pouco os direito de que gozava perante tal facto.

  5. Nem tendo sido feita prova de que no caso concreto foi deixada cópia no contador, o que vai contra as regras da lógica e da experiência comum (estamos em Dezembro, com chuva, vento, etc, o contador situa-se num muro virado para a via...

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