Acórdão nº 653/20.3T8CVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução03 de Novembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório ([1]) 1.ºs – C (…) e mulher, M (…), e 2.ºs – J (…) e mulher, M (…) todos com os sinais dos autos, intentaram os presentes autos de procedimento cautelar de embargo de obra nova contra F (…) e mulher, S (…), também com os sinais dos autos, pedindo, sem audição prévia dos requeridos, “a decretação do (…) embargo de obra nova”, efetuada pelos Requeridos, sendo lavrado o auto a que se refere o art.º 400.º, n.º 1, do NCPCiv. e notificado o dono da obra, pelo modo indicado no requerimento inicial, com a cominação legal aplicável em caso de desrespeito de tal determinação judicial (art.º 375.º do NCPCiv.), aludindo ainda, em sede de articulado (alegação não transposta para o petitório), a uma sanção pecuniária compulsória de € 1.000,00 por cada dia de desrespeito do mesmo ou por cada ato de violação do dito embargo (cfr. fls. 12 v.º e seg. do processo físico).

Alegaram, para tanto, em síntese, que, sendo titulares de frações autónomas, que identificam, em prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, aperceberam-se de trabalhos de demolição interior de paredes noutra fração autónoma (fração “B”, correspondente ao r/c direito) do mesmo prédio, danificando a estrutura do edifício, trabalhos esses em implementação pelos Requeridos, que se traduzem em alteração do uso da fração autónoma intervencionada – de armazém e escritório para habitação (dois apartamentos, com tipologia “1”) –, o que é ilícito, desde logo por não autorizado (carece de autorização de todos os condóminos) e contrariar o título constitutivo de propriedade horizontal, para além de implicar obras de canalização, instalações elétricas, ligações e tubagens, saídas de ar, receando os Requerentes que daí resultem danos nas demais frações autónomas do edifício, com risco para a segurança dos respetivos utilizadores.

Observado o contraditório prévio dos Requeridos, estes deduziram oposição, invocando terem respeitado as normas e disposições legais e regimentais aplicáveis, pelo que deve o procedimento ser julgado totalmente improcedente, mais devendo os Requerentes serem condenados, como litigantes de má-fé, em multa e indemnização.

Procedeu-se à realização de audiência, com inspeção judicial ao local e registo fotográfico da obra, bem como produção da demais prova.

Após, foi proferida sentença, julgando procedente o procedimento cautelar, assim se determinando a suspensão imediata das obras efetuadas pelos Requeridos.

Desta decisão recorrem os Requeridos, inconformados, para o que apresentaram alegação, onde formulam as seguintes Conclusões: «I - A providência cautelar de embargo de obra nova, considerando a sua especificidade e tipicidade, destina-se exclusivamente a obstar à realização de obra, trabalho ou serviço novo que cause ou ameace causar prejuízo ao titular de direito de propriedade, singular ou comum, ou de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou de posse.

II - O embargo de obra nova não pode ser utilizado ou decretado como providencia conservatória de abstenção de vontades e eventuais comportamentos que, nada tendo a haver com a obra em causa, possam vir a ser adotados no futuro.

III - Na verdade, dos presentes autos realça que é indiferente se as obras em causa são legais ou necessárias, dado que o que ressalta é a necessidade de impedir que possam permitir uma eventual utilização diversa do previsto, ainda, e pasme-se que os requeridos tenham, expressamente, confessado que têm perfeito conhecimento de que apenas podem utilizar a fração em causa nos autos para o fim que está previsto no título constitutivo, e por essa razão, solicitaram expressamente a sua alteração aos demais proprietários, ora requerentes.

IV - É incompreensível e inaceitável que seja decretado o presente embargo, à revelia das evidências que comprovam a legalidade e legitimidade da atuação dos requeridos.

V - Andou mal a Mª Juíza ao presumir, à revelia do que é confessado pelas declarações de parte do Requerido e corroborado pelo técnico que projetou a renovação do espaço, que o mesmo se destinará a outro qualquer fim que não seja permitido pelo título de propriedade horizontal.

VI - em face dos depoimentos identificados, dos documentos e inspeção judicial, devem ser alterados o pontos dados como provados supra indicados, nomeadamente: - Do Ponto 13 da matéria de facto provada, designadamente eliminando a parte que refere e citamos: “(…)destruindo a respetiva estrutura que vibrava perante as pancadas que lhe eram dadas com ferramenta diretamente em paredes e, ou outras estruturas de edifícios (…)”.

- Do ponto 23 da matéria de facto provada, designadamente na parte que refere e citamos: “para além da mudança de caixilharia das janelas e portas que deitam para o exterior, consistem no derrube das paredes interiores, e construção de novas paredes para criação de 4 divisões e duas instalações sanitárias, instalação de tubagem para escoamento de águas sanitárias, instalação de nova rede elétrica e nova canalização de aguas quentes e frias.” - No ponto 26 da matéria de facto não pode ser considerado provada – “Alterando o destino da fração B, destinada a armazém e escritório, para uso de habitação, os requeridos terão de realizar obras, nomeadamente, de canalização, com ligação à tubagem.”, dado que tais obras de canalização com a ligação de tubagem terão ser realizadas mesmo que não seja autorizada a alteração de uso pelo condomínio - No ponto 27 da matéria de facto não pode ser dada como provado – “Vindo a ocorrer o descrito em 26- o sobredito prédio fica sem uma fração destinada a armazém e escritório.” Dado que tal alteração carece como é reconhecido por todos da autorização do condomínio e fica prejudicado pela resposta que se impõe ao quesito 26.

VII - Bem como se deverão considerar provados, por confissão do Requerido e depoimentos das testemunhas identificadas, (…), os factos não considerados provados, nomeadamente, que: - as obras em causa estão a ser realizadas no interior da referida fração B; - a rentabilização do investimento que os requeridos pretendem é independente do destino ou uso que lhe possa ser dado; - numa primeira fase as obras eram no sentido de manter o uso de escritórios e armazéns; - foi sugerido aos requeridos acautelar possíveis utilizações, nomeadamente para habitação, apesar de menos rentável, por as soluções de construção serem as mesmas; VIII - Como resulta de todas as provas produzidas, mormente pela inspeção judicial ao local, pode-se constatar que todas as obras em causa nos autos, são obras que se realizam, exclusivamente, no interior da fração, ou seja no domínio exclusivo da propriedade dos requeridos.

IX - As Obras não afetam, nem implicam qualquer alteração às instalações comuns de agua, eletricidade e esgotos do condomínio, tal como foi verificado na inspeção judicial ao local e como resulta dos depoimentos das tuas testemunhas técnicas, (…) responsável pela execução da obra.

X - As obras de renovação da fração B do edifício, têm como objectivo rentabilizar o investimento que ali fizeram, através do arrendamento das frações A e B.

XI - Sendo lícito e legítimo que os Requeridos tenham dado instruções para acautelar a possível utilização da referida fração para outro fim, que venha a ser autorizado pelo condomínio.

XII - As obras descritas nos autos, implicam em qualquer caso a substituição de canalizações e de eletricidade dentro da fração em causa, mediante substituição das antigas.

XIII - Nenhuma obra realizada ou a realizar na fração dos Recorrentes pode prejudicar, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício; XIV - Mesmo no que se refere à substituição da caixilharia (janelas e portas) da referida fração, a verdade que resulta das fotos e desenhos juntos aos autos, “de madeira por PVC”- respeita integralmente a cor e configuração das existentes, pelo que carece de qualquer tipo de licenciamento e, como é evidente, de qualquer autorização do condomínio, as novas caixilharias respeitam, quer na cor quer no material quer a configuração das que foram instaladas nas frações dos Requerentes, ora recorridos… XV - A substituição da caixilharias em mau estado e deterioradas é perfeitamente lícito, sendo que a alteração do material das mesmas, não é nem pode ser considerado uma inovação susceptível de alterar a estética do edifício, desde que mantenham a configuração e cor das existentes.

XVI - Todas as obras realizadas e a realizar pelos Recorrentes são licitas porque são realizada apenas no interior da fração e não colocam em causa ou prejudicam a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício; XVII - A douta sentença recorrida enferma de conclusões e presunções manifestamente abusivas e totalmente ilegais, pois, à revelia de todas as normas jurídicas (vide artigos 1422º, 1422-A e 1425º do Código Civil, evidências, provas e até das mais elementares regras de experiência comum, se conclui que as obras em causa foram e são especificamente concebidas e realizadas para uma única utilização, o que manifestamente, não se aplica ao presente caso.

XVIII - Na verdade, e como é de conhecimento geral qualquer escritório moderno, tem as instalações básicas que lhe permitam o conforto de utilização, nomeadamente, espaços ou bancadas para refeições, lava loiças e instalações de água quente e fria.

XIX - Sendo que no caso dos autos, as obras que estão a ser realizadas são as necessárias e adequadas à criação de um espaço de escritório com armazém e instalações sanitárias modernas atuais e adequadas às necessidades que atualmente se exigem.

Nestes termos, sendo as obras em causa lícitas e não carecendo de autorização de quem quer seja, nomeadamente, do condomínio, andou mal a Mª Juíza a decretar o embargo de obra nova nos presentes autos, devendo tal decisão revogada, e substituída por outra que permita a realização das obras identificadas nos autos. Tudo como é da mais elementar JUSTIÇA!»...

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