Acórdão nº 551/19.3T8GRD-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA CATARINA GONÇALVES
Data da Resolução17 de Novembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

No âmbito do processo de insolvência referente a F (…) o Sr. Administrador da Insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos, onde incluiu – além de outros – um crédito de I (…) no valor global de 821.094,78€, emergente de contrato de mútuo com hipoteca, ao qual atribuiu a natureza de crédito subordinado.

A referida credora veio deduzir impugnação no que se refere, designadamente, à natureza do crédito, sustentando que o seu crédito deve ser reconhecido e graduado como crédito comum e não como crédito subordinado.

Argumenta, para o efeito: que, apesar de ser mãe do Insolvente, o empréstimo que está subjacente ao crédito foi feito em 2011 e não emerge de qualquer relação especial, tendo sido constituído em data em que ninguém, na sua perfeita e total boa fé, imaginaria que o devedor pudesse vir a ser declarado insolvente, oito anos depois e que o art. 48.º, a), do CIRE deve ser objecto de interpretação restritiva, tendo em conta o elemento racional ou teleológico e a filosofia que lhe está subjacente, de modo a excluir a sua aplicação quando se mostre – como aqui acontece – que a causa de ser da constituição do crédito é tolamente alheia a qualquer relação especial entre a credora e o devedor, não tendo sido realizada quando o devedor se encontrava em uma situação de insolvência ou pré insolvência.

A credora J (…), Ld.ª respondeu, sustentando que o crédito foi devidamente classificado como subordinado, dada a circunstância de a Impugnante ser ascendente do devedor. Alegando dever ser afastada a interpretação defendida pela Impugnante que ultrapassa a letra e o espírito da lei, acrescenta que a constituição da referida hipoteca não foi um acto inocente, sem qualquer relação com a insolvência do devedor, estando, pelo contrário, intimamente ligado a um plano concertado elaborado pelo Insolvente, de ocultação, dissipação e oneração total dos bens, com o intuito claro de prejudicar os credores, para que estes não sejam ressarcidos dos valores que têm direito a receber.

O Sr. Administrador da Insolvência veio responder, dizendo manter o reconhecimento do crédito como subordinado.

Foi proferido despacho saneador e, a final, veio a ser proferida sentença que, julgando improcedente a impugnação, manteve a qualificação do crédito como subordinado e procedeu à respectiva graduação em conformidade com essa natureza, graduando-o para ser pago após os demais créditos não subordinados.

Inconformada com essa decisão, a credora I (…) veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: (…) As credoras J (…), , Lda. e S(…)S.A. vieram apresentar contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: (…) II.

Questão a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se o crédito da Apelante (mãe do Insolvente) deve (ou não) ser classificado como crédito subordinado em face do disposto nos arts. 48.º e 49.º do CIRE, importando saber, designadamente, se a alínea a) do citado art. 48.º deve (ou não) ser objecto de interpretação restritiva, nos termos defendidos pela Apelante, no sentido de excluir da sua previsão os créditos constituídos muitos anos antes do início do processo de insolvência e que não apresentem qualquer relação ou implicação com a situação de insolvência.

///// III.

Com eventual relevância para a decisão, resultam dos autos os seguintes factos: 1. A C (…)SA intentou, em 02/04/2019, o presente processo de insolvência, requerendo a declaração de insolvência do devedor F (…) e invocando a existência de créditos, no valor global de 750.850,77€, emergente de avais prestados em livranças subscritas pela sociedade I (…)– Ld.ª entre 2006 e 2011.

  1. Tal insolvência veio a ser declarada por sentença proferida em 10/05/2019.

  2. A Apelante I (…) é mãe do Insolvente, tendo reclamado nos autos um crédito no montante global de €821.094.78, emergente de contrato de mútuo para garantia do qual o Insolvente, com o consentimento do respectivo cônjuge e por escritura celebrada em 28/12/2011, constituiu hipoteca sobre seis imóveis; 4. Nos presentes autos foram reconhecidos e verificados créditos no valor global de 10.314.987,73€, aí se incluindo o crédito da Apelante.

  3. Esse passivo inclui créditos no valor global de, pelo menos, 4.776.583,91€ que se reportam a garantias prestadas pelo Insolvente relativamente a obrigações/responsabilidades assumidas pela sociedade I (…) Ld.ª que veio a ser declarada insolvente por sentença proferida em 6 de Março de 2012, correndo o respectivo processo de insolvência no Juízo Local Cível da Guarda – Juiz 1 – sob o n.º 249/12.3TBGRD 6. Naquele passivo (reconhecido nos autos) incluem-se, designadamente, os seguintes: - Um crédito do B (…) S.A., no valor de 130.419,47€, emergente de aval prestado em livrança no âmbito de contrato celebrado em 22/02/2007; - Um crédito de J (…)Ld.ª, no valor de 312.440,07€ para cobrança do qual estavam pendentes, à data da declaração de insolvência, os processos executivos n.ºs 527/12.1TBGRD e 676/15.4T8GRD, ascendendo a 257.816,00€ a quantia exequenda no processo 527/12 (conforme resulta das certidões juntas aos autos – designadamente pela credora I (…) – das quais resultam as penhoras efectuadas no âmbito dessa execução e o valor por elas garantido); - Um crédito do N (…) S.A., no valor global de 1.774.367,88€ emergente de aval prestado em livrança no âmbito de contratos celebrados em 04/2011 e 08/2014; - Um crédito de S (…) S.A., no valor de 575.335,91€, para cobrança do qual se encontrava pendente – à data da declaração de insolvência – o processo executivo n.º 503/12.4TBGRD.

    ///// IV.

    A questão suscitada no recurso prende-se apenas com a classificação do crédito da Apelante, sustentando esta que, ao contrário do que se decidiu, o seu crédito não deve ser classificado com subordinado.

    Analisemos, portanto, essa questão, tendo em conta que – conforme resulta dos autos – a Apelante é mãe do Insolvente.

    De acordo com o disposto no art. 48.º, alínea a), do CIRE, consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, “os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respectiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência”.

    Essas pessoas – especialmente relacionadas com o devedor – são elencadas no art. 49.º, aí se incluindo, designadamente, os ascendentes do devedor pessoa singular.

    É indiscutível, portanto, que a Apelante, sendo mãe do Insolvente, é, para os efeitos legais e à luz do disposto na norma citada, uma pessoa especialmente relacionada com o devedor, circunstância que, numa primeira análise e tendo em conta a letra da lei, será bastante para a verificação da situação prevista na alínea a) do citado art. 48.º e para a consequente classificação do crédito como subordinado.

    A decisão recorrida considerou que “…a simples constatação do vínculo ou da situação de que é feita depender a qualificação como pessoa especialmente relacionada com o devedor basta para que ela opere e desencadeie os seus efeitos; por assim ser, não pode, em circunstância alguma, o atingido afastá-los com a alegação e prova de que esse vínculo ou situação em nada determinou ou condicionou o relacionamento com o devedor ou mesmo com a demonstração que desse relacionamento resultaram – ou até resultaram só – benefícios para o devedor”; estariam em causa, portanto, segundo a decisão recorrida, presunções inilidíveis que, em caso algum, podem ser afastadas.

    Discordando dessa posição, sustenta a Apelante que aquela norma deve ser objecto de interpretação restritiva no sentido de excluir as situações em que a causa de ser da constituição do crédito é totalmente alheia a qualquer relação especial entre a credora e o devedor, de tal forma que esta especial relação entre o credor e o devedor se apresenta como indiferente ou irrelevante no que tange à constituição do crédito. Assim – diz –, tendo em conta a data da constituição do seu crédito – oito anos antes da declaração de insolvência e num momento em...

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