Acórdão nº 242/19.5T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

*Recorrente …………C (…), Recorrido L (…)* I. Relatório a) O presente recurso vem interposto da sentença que antecede, a qual condenou o réu, ora recorrente, a pagar à autora uma indemnização no montante de €57.629,22, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até pagamento, indemnização que corresponde à quantia que a autora pagou aos titulares dos respetivos direitos que emergiram de um acidente de viação em que interveio o réu, quando o mesmo conduzia o veículo de matrícula (...) -RF, seguro na autora/recorrente, do qual resultou a morte de um dos passageiros e ferimentos em outro, sucedendo que o réu conduzia, na altura, com uma taxa de álcool no sangue de 1,18 gramas/litro, pelo que a autora/recorrente fundamenta o pedido no direito de regresso que diz lhe assistir sobre o seu segurado, ora réu, por conduzir sob a influência de álcool no sangue nos termos previstos no artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.

O réu contestou argumentando que não conduzia sob a influência de álcool e, por outro lado, o acidente ficou a dever-se apenas ao facto de ter tido necessidade de se desviar de um animal (javali) que atravessou de repente a estrada e motivou a perda do controlo do veículo que conduzia, que de seguida se despistou.

No final foi proferida sentença com este dispositivo: «Em face do exposto, nos termos e com os fundamentos indicados, julgo a presente acção procedente e, em consequência, condeno o Réu C (…) a pagar à Autora a quantia de € 56.405,30 (cinquenta e seis mil, quatrocentos e cinco euros e trinta cêntimos), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4%, contados desde o dia 3 de Agosto de 2018 até integral pagamento.

Custas a cargo do Réu (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido» b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte do réu, cujas conclusões são as seguintes: «I. Por sentença proferida nos autos à margem referenciados, foi a presenta ação julgada totalmente procedente, sendo réu condenado no pagamento 56.405,30€ (cinquenta e seis mil quatrocentos e cinco euros e trinta cêntimos) acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4% contados desde 03 de agosto de 2018, até integral pagamento.

  1. Ao abrigo do disposto no artigo 640.º do NCPC, cabe à Recorrente enunciar os factos que considera incorretamente julgados.

  2. Considerando os factos não provados, e bem assim os provados, desde já se impugna todo o entendimento do tribunal a quo, que andou mal ao tomar a decisão de que ora se recorre, com o devido respeito por entendimento contrário.

    Se não vejamos, IV. Apesar de toda a documentação trazida ao processo como prova do alegado ao longo das peças processuais apresentadas pelas Partes – Petição Inicial e Contestação – a matéria aqui em crise apenas poderia ser provada através dos depoimentos prestados pela testemunha e bem assim por declarações de parte do condutor.

  3. No que concerne ao depoimento prestado pela testemunha da Autora, a mesma apenas refere inicialmente tratar-se de um despiste isolado, de que não resultou do auto de notícia qualquer realização de despiste a presença de substâncias no sangue do condutor (gravação digital efetuada na aplicação Habilus – módulo Habilus Media Studio - 20200131094729_1764718_2870661 ao minuto 01m54s – 02m23s).

  4. Mais, das declarações de parte do Réu, condutor do veículo no momento do acidente, resulta claro que o despiste ficou a dever-se exclusivamente à travessia de um animal de grande porte (javali) que o levou a perder o controlo do veículo, não tendo, além do mais, consumido qualquer bebida alcoólica naquele dia, a não ser um copo de vinho na hora de almoço. (Habilus – módulo Habilus Media Studio - 20200131100112_1764718_287661 –02min38seg a 12min 25seg).

  5. Andou mal o Tribunal a quo ao desconsiderar tudo quanto vem dito pelo réu.

  6. Portanto, andou mal o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, devendo a sentença ser revista e ser dado como provado que o acidente ocorrido não se ficou a dever a qualquer falta de cuidado do condutor, não se encontrando aqui qualquer culpa face aos factos.

  7. E, tal vem explicitamente decidido no âmbito do processo crime que correu termos na Procuradoria do Juízo Local do Função – Secção de Inquéritos, sob processo n.º 93/16.9GTCTB, em que resultando o arquivamento de tal, vem explicito “Posto o que, da prova indiciária recolhida nos autos não se nos afigura possível imputar a morte de J (…) à conduta, de todo, dolosa do arguido, nem mesmo negligente, uma vez que não ficou demonstrado que o acidente se tenha ficado a dever à falta de cuidado por parte deste.”.

  8. Ao desconsiderar tudo quanto vem dito quer no sentido de despacho de arquivamento, quer por declarações de parte do Réu, formando a contrario a sua convicção em meros juízos de probabilidade, à luz de uma teoria infundada, com o devido respeito, não se vislumbra como pode o Tribunal a quo ter decido, como decidiu, julgando procedente a ação.

  9. Dado o que se impõe decisão diferente e, bem assim, formando-se convicção diferente da que se vê plasmada na sentença recorrida. Pelo que, deverá o Tribunal ad quem pugnar por decisão diferente, decidindo em conformidade com a prova produzida, revogando a decisão proferida pela 1.ª instância nos termos do preceituado no artigo 662.º do NCPC.

  10. Face a tudo quanto ficou exposto quanto à matéria de facto, entende-se que, em conformidade com a mesma, deverá a decisão que recaiu sobre a matéria de Direito ser também modificada, na medida em que impugnados que se encontram os factos dados como não provados, e bem assim os provados, os mesmos terão de se subsumir a decisão diferente quanto à matéria de Direito! XIII. De acordo com o normativo legal de direito de regresso das seguradoras, pode ler-se que, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto Lei 291/2007, apenas aquele que tenha dado causa ao acidente e verifique taxa de alcoolemia superior ao legalmente admitido, poderá assumir o dever de reembolsar as seguradoras.

  11. O condutor no dia e hora em causa encontrava-se a conduzir o veículo por se encontrar consciente e com todas as capacidades para a prática da atividade de condução.

  12. Não consumiu, naquele dia e hora, ou sequer horas anteriores, bebidas alcoólicas que justifiquem a alegada taxa de álcool apurada.

  13. E, bem resulta que a causa do acidente é, de facto, alheia a uma conduta desvaliosa por parte do condutor. O que se verificou foi a travessia da faixa de rodagem por animal de grande porte, que levou a perda de controlo, pelo condutor, do veículo, culminando no despiste do mesmo.

  14. Não é, nem pode ser exigido, a um condutor a previsão de uma conduta de um animal selvagem, previsão que o pudesse antecipar o comportamento daquele (que nem sequer é visível ou audível, no período da noite, apesar do seu porte) e assim desviar-se sem que se verificasse o despiste.

  15. Conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 14/07/2008, referente ao processo 0834104, disponível em www.dgsi.pt, verifica-se que “II - Com efeito, o critério de culpa consagrado na nossa Lei é o da diligência de um homem médio, do bom pai de família, expresso no art., 487.º n.º 2 do C.P.C.. Não é o da diligência dum “Michael Schumacher !”.” XIX. Sendo clara, objetiva e exigente quanto à verificação cumulativa daqueles dois critérios, a supra mencionada norma legal, não se verifica aqui possível a conclusão do douto Tribunal a quo, decidindo como fez.

  16. O certo é que o acidente não se ficou a dever a qualquer falta de cuidado por parte deste. Não foi este quem deu causa ao acidente.

  17. Restringe-se, desta feita, o destinatário do exercício do direito de regresso ao condutor culpado na eclosão do acidente e este é um critério que se terá necessariamente de se encontrar preenchido para se poder exigir regresso de indemnizações liquidadas pela seguradora, o que não se verifica na presente situação.

  18. O certo é que da prova produzida e recolhida não se verifica uma conduta, de todo, dolosa ou sequer negligente, uma vez que não ficou demonstrado que o acidente se tenha ficado a dever à falta de cuidado por parte deste.

  19. Não está presente o elemento essencial: a culpa do condutor! XXIV. Não é, nem pode ser, ao condutor exigida qualquer quantia quando o mesmo não deu causa ao acidente, impondo-se, desta forma, a absolvição do Réu dos presentes autos! XXV. Deste modo, face ao exposto, também esta parte da sentença deve ser revista e decisão diferente se impõe como V. Exas. doutamente suprirão.

    Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis requerem a V/exas.se dignem dar provimento ao recurso e ser revogada a sentença proferida pelo tribunal a quo, substituindo-a por decisão, que reponha a verdade, nos termos anteriormente expressos, designadamente absolvendo-se o réu do pedido formulado, fazendo-se, assim, a costumada justiça! c) Contra-alegou a Autora pugnado pela manutenção da sentença.

  20. Objeto do recurso.

    De acordo com a sequência lógica das...

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