Acórdão nº 284/19.0T8FIG-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução15 de Junho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – Nos presentes autos de inventário para separação de meações, em que é Requerente S..., e Requerido L..., que foram casados entre si sem convenção antenupcial, sendo cabeça de casal o Requerido, e correndo tais autos no Cartório Notarial a cargo da Dra. ..., veio neles a Requerente reclamar contra a relação de bens apresentada a 3/9/2015, aí acusando a falta de benfeitorias e de bens móveis, e bem assim o saldo da conta bancária do Banco S..., n.º ...

O cabeça de casal pugnou pela improcedência dessa reclamação, com fundamento em que no processo de divórcio apenas foi feito constar o bem que inicialmente arrolou. . Nesses autos de arrolamento - que pendem por apenso aos presentes - foi proferida decisão de decretamento a 17/4/2015, consignando-se no respectivo ponto 7: “Na conta bancária no Banco S... com o n.º ..., titulada pelo RD, foram realizados todos os movimentos a crédito e a débito relacionados com a vida do casal, incluindo o reembolso do IRS e o pagamento do empréstimo à habitação, e a partir da qual foram constituídos depósitos a prazo e aplicações financeiras.” E na sequência dessa decisão foi oficiado ao S... no sentido de ser arrolada a referida conta bancária com o alcance referido.

O Banco em causa limitou-se a proceder ao arrolamento do saldo de €23.850,65.

Tendo sido de novo notificado para esclarecer sobre o pagamento do empréstimo, os depósitos a prazo e outras aplicações financeiras que lhe estão associadas, tal entidade manteve o já informado.

A reclamação da Requerente de 3/9/2015, acima referida, foi apreciada nos termos do despacho de 10/11/2015, tendo sido determinado, nos termos do art. 35º do RJPI, que o cabeça de casal relacionasse os bens em falta e que a Requerente juntasse o comprovativo do saldo da conta bancária do S... por referência à data de 04/09/2014 (data da instauração do processo de divórcio).

Na sequência desse despacho a Requerente respondeu que não tinha possibilidade de juntar o comprovativo do saldo da conta bancária nos termos solicitados, e pediu que fosse determinado à instituição bancária para, por referência à mencionada data, juntar comprovativo do saldo da conta, dos movimentos a crédito e a débito, incluindo o reembolso do IRS e o pagamento do crédito à habitação, depósitos a prazo e aplicações financeiras associadas a essa mesma conta.

Por despacho de 01/04/2016 foi determinado que o S... juntasse comprovativo do saldo bancário reportado a 04/09/2014 e movimentações ocorridas nessa conta desde essa data.

Foi entretanto tentada nos presentes autos a conciliação entre as partes, que não se logrou.

Por despacho de 10/05/2017 foi determinado que se oficiasse à instituição bancária para que, por referência a 04/09/2014, juntasse comprovativo do saldo da conta n.º ..., dos movimentos a crédito e a débito, incluindo o reembolso do IRS e o pagamento do crédito à habitação, depósitos a prazo e aplicações financeiras associadas a essa mesma conta e detidas pelos interessados dos autos.

O cabeça de casal reagiu no mesmo dia, opondo-se à extensão do despacho de 10/05/2017, por comparação com o de 01/04/2016, e, por isso, invocou a respetiva nulidade. E recusou autorização a que a sua conta bancária fosse devassada para além do determinado nesta última data, tendo junto o extrato bancário com referência a 04/09/2014.

Por despacho de 16/10/2017 foi declarado nulo o despacho de 10/05/2017, por indevidamente mais amplo que o despacho de 01/04/2016, nada mais sendo ordenado, por se entender suficiente o extrato junto pelo cabeça de casal com a resposta de 10/05/2017.

A ora impugnante, a 09/01/2018, não tendo tido ainda lugar a audiência preparatória nos autos de inventário, dizendo-se ao abrigo do nº 5 do art 32º RJPI, apresentou reclamação contra a relação de bens, nos termos da qual acusou a falta de sub-produtos/aplicações financeiras derivados da conta bancária do Banco S... n.º...

O cabeça de casal pugnou pela improcedência desta reclamação, referindo ter sido já junto aos autos extrato da conta bancária do Banco S... n.º ... sem que do mesmo conste qualquer sub-produto/aplicação financeira, e que o agora requerido mais não é, por isso, senão uma insistência relativamente aos requerimentos da reclamante de 03/09/2015 e de 29/05/2017, tudo já apreciado nas decisões de 01/04/2016 e 26/10/2017.

A Exma Notária, por decisão de 24/10/2018, apreciou a reclamação de 09/01/2018, tendo concluído que a mesma não era processualmente admissível e, ainda que o fosse, a impugnante não justificou que tais aplicações financeiras tenham sido constituídas após o casamento e com dinheiro comum.

II - Notificada deste despacho, veio a Requerente interpor impugnação judicial, nela referindo que em 9/1/2018 apresentou nova reclamação, nos termos e para os efeitos do art 32º/5 da lei do inventário, contra a relação de bens, justificando a sua apresentação com o facto de apenas ter tido conhecimento da existência daqueles sonegados bens naquele momento, e que nada obsta a que o mesmo interessado deduza mais do que uma reclamação de bens, desde que a posterior não incida sobre os mesmos bens que constituíram objecto da anterior, tendo terminado tal impugnação com as seguintes conclusões: A) O despacho que não admitiu a reclamação à relação de bens apresentado pela ora Impugnante, porque prévio à audiência preparatória, viola o preceituado no art 32º/5 do RJPI aprovado pela L 23/2013 de 5/3 B) As decisões proferidas pelo Notário ao longo do processo de inventário são, em regra, impugnáveis judicialmente.

  1. A competência para conhecer dessa impugnação é do tribunal de 1ª instância, não apenas nas situações previstas nos arts 57º e 16º do RJPI, mas em todas as outras em que nos termos gerais do direito processual civil a decisão é passível de recurso.

III -Remetidos os autos para o Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz – Juiz 1, o mesmo proferiu despacho saneador, enunciou os factos provados (sensivelmente os que acima se referiram no relatório) e, tendo enunciado como quatro as questões a decidir – impugnabilidade judicial de despachos notariais para além do expressamente previsto no art 16º/4 do RJPI; alcance semântico da reclamação da relação de bens, para efeitos do art 32º/5 do RJPI; efeito preclusivo da apreciação da mesma questão fáctico jurídica em fase anterior do processo; e do sigilo bancário – julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida, determinando que o Banco S... viesse a proceder à junção de: - comprovativo do saldo da conta bancária n.º ..., titulada por L..., em 04/09/2014, bem assim dos depósitos de qualquer espécie e aplicações financeiras, a tal data, associados à mesma conta e respetivo saldo ou valor de mercado; - comprovativo de todos os produtos financeiros/aplicações/depósitos a prazo/poupanças /investimentos existentes nessa instituição financeira titulados por L..., com referência à data de 4 de setembro de 2014, ainda que não radicados na referida conta bancária.

Referiu ainda que a Sra. Notária deverá pronunciar-se sobre a multa devida nos termos do art. 32º/5 do RJPI, e condenou em custas o cabeça de casal e a impugnante, na proporção de 2/3 e 1/3, a atender na nota final de honorários e despesas prevista no art. 23º n.º 1 c) da Portaria 278/2013, de 26.08, ex vi art. 67º n.º 3 do RJPI, ordenando que se remetessem os autos ao Cartório Notarial a cargo da Exma Notária ..., para efeitos da continuação do processo de inventário.

IV– Foi do assim decidido que apelou o Requerido, tendo o mesmo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: ...

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, por infração a disposições adjetivas e a disposições substantivas, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que julgue como não admissível a reclamação da relação de...

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