Acórdão nº 4139/15.0T8VIS-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Junho de 2020

Data22 Junho 2020
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo n.º 4139/15.0T8VIS-C Insolvência Incidente de qualificação da insolvência Administrador de direito Insolvência culposa Sumário: I – A presunção de culpa grave estabelecida no n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, em relação ao administrador de direito, não está dependente do exercício efectivo de funções por parte do gerente.

II – Os factos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE fazem presumir [presunção iuris tantum] a insolvência culposa do devedor.

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra A (…), credor da insolvente D (…)Lda, requereu se qualificasse a insolvência da sociedade como culposa e se declarassem afectados pela qualificação da insolvência o gerente de direito, S (…), e o gerente de facto, A (…) O Meritíssimo juiz do tribunal a quo declarou aberto o incidente da qualificação da insolvência.

A administrador da insolvência emitiu parecer no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa e de serem afectados pela qualificação S (…), gerente de direito, e A (…), gerente de facto.

O Ministério Público emitiu parecer no mesmo sentido.

A (…) e S (…)opuseram-se à qualificação da insolvência como culposa.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência final foi proferida sentença que decidiu: 1. Qualificar a insolvência da devedora D (…)Lda como culposa; 2. Declarar afectados pela qualificação da insolvência o sócio-gerente da insolvente, S (…), e o seu gerente de facto, A (…), fixando em 25% o grau de culpa do 1º, e em 75% o grau de culpa do 2º; 3. Declarar A (…) inibido para a administração de património de terceiros por um período de 4 (quatro) anos; 4. Declarar S (…) inibido para a administração de património de terceiros por um período de 2 (dois) anos; 5. Declarar A (…) inibido para o exercício do comércio durante 4 (quatro) anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; 6. Declarar S (…) inibido para o exercício do comércio durante 2 (dois) anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; 7. Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre massa insolvente detidos pela insolvente e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; 8. Condenar os afectados pela qualificação da insolvência, S (…) e A (…), a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do seu património, e na proporção do seu grau de culpa.

S (…) não se conformou com a sentença e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão e a substituição dela por acórdão que não qualificasse a insolvência como culposa.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: 1. A sentença recorrida é contraditória na sua fundamentação e os factos dados como provados e não provados; 2. A contradição insanável entre factos torna a sentença nula; 3. O tribunal não considerou a efectiva distinção entre gerente de facto e gerente de direito; 4. Para a qualificação da insolvência como culposa é imperativo que se prove o nexo de causalidade entre actuação culposa e a criação ou agravamento da situação de insolvência; 5. A sentença recorrida violou o n.º 3 do artigo 186.º do CIRE.

A (…) respondeu ao recurso, sustentando a confirmação da sentença recorrida, mormente no segmento que qualificou como culposa a insolvência da sociedade, afectando o recorrente com o grau de culpa de 25% nessa insolvência, e que, em consequência, lhe aplicou as consequências legais advindas dessa afectação.

* Questões suscitadas pelo recurso: 1. Saber se a sentença enferma de nulidade insanável; 2. Saber se a sentença recorrida violou o n.º 3 do artigo 186.º do CIRE.

* Não tendo havido impugnação da decisão relativa à matéria de facto e não havendo razões para a alterar oficiosamente, consideram-se provados os seguintes factos discriminados na sentença: 1. A D (…), Lda., foi constituída em 06 de Janeiro de 2010, tem sede (…), Vouzela e, tem como objecto: “Construção Civil e obras públicas. Acabamentos em edifícios. Comércio, importação e exportação de artigos de decoração, material e artigos de construção civil.” 2. O único sócio da sociedade é S (…), o qual foi também o único gerente.

  1. O capital social da insolvente é de € 5.000,00.

  2. A (…), intitulando-se gerente da Insolvente, assinou o contrato de trabalho celebrado entre o Requerente e a Insolvente.

  3. A (…) intitulando-se gerente da Insolvente, pagou ao trabalhador/Requerente as quantias devidas, a título de réditos laborais (salários, subsídios, despesas, etc.): a ele e a todos os demais trabalhadores da Insolvente.

  4. A (…), intitulando-se gerente da Insolvente, dava ordens ao Requerente, enquanto ele trabalhou para a Insolvente: a ele e a todos os demais trabalhadores da Insolvente.

  5. Era a A (…), por ser considerado gerente da Insolvente, que o Requerente e demais trabalhadores desta reportavam todas as situações relevantes que decorriam das e nas obras que executavam.

  6. A (…), intitulando-se de gerente da Insolvente, escreveu ao Requerente do incidente cartas, designadamente dando-lhe conhecimento do despedimento.

  7. Era no terreno situado mesmo em frente à casa de A (…)(só passa a estrada ao meio), e nesta casa, que se desenvolvia a vida societária, designadamente a relacionada com os trabalhadores da Insolvente, pois era aí que o A (…) dava as instruções àqueles e lhes pagava o que lhes era devido; recebia a correspondência e os telefonemas que eram dirigidos à Insolvente; recebida os clientes e os fornecedores desta.

  8. Era também ali que aparcavam as viaturas da Insolvente, designadamente quando os trabalhadores desta vinham de França a Portugal. Era ali que aqueles trabalhadores da Insolvente depositavam a maquinaria e ferramentas a ela pertencentes (máquina de projectar monomassas, réguas, colheres, martelos, talochas, etc.), que eram usadas nas obras desta.

  9. Era também naquele terreno que se encontravam depositados os materiais que a Insolvente comerciava, designadamente estatuetas e fontanários para jardins.

  10. Os serviços que a Insolvente prestava, integrados na área do seu objecto social, designadamente na construção civil, ocorriam em França, para onde deslocava trabalhadores apesar de, fiscalmente, ser considerada residente.

  11. A Insolvente fazia deslocar toda a maquinaria e material que os seus trabalhadores usavam na actividade de construção civil para a França.

  12. A Insolvente começou a não pagar os salários e outras remunerações que eram devidas ao Requerente desde Julho de 2012 - subsídio de férias desse ano - até Junho de 2014 - com os proporcionais do subsídio de Natal desse ano e a compensação pela resolução do contrato de trabalho.

  13. No ano de 2012 teve um volume de negócios de €592.753,98 e um lucro tributável de €25.005,25, e, no ano de 2013, um volume de negócios de €612.863,94 e um lucro tributável de €29.847,13.

  14. No exercício económico de 2014 a sociedade teve vendas e serviços prestados no montante de €70.199,90 € e obteve um resultado líquido de – €41.234,27, sendo que, dado que os resultados transitados de 2013 eram de €47.726,46 €, o capital próprio ainda era positivo, cifrando-se em €11.042,26.

  15. Pela análise do balancete do fecho de 2014, verifica-se a existência de saldos bancários de €30.458,69 € e saldo de clientes de €301.321,83.

  16. Não foi possível aferir da possibilidade de recuperação destes valores.

  17. Todas as decisões relativas à sociedade Insolvente eram tomadas pelo Requerido A (…) 20. As contas anuais do exercício de 2014 não foram depositadas.

  18. A insolvente, nos anos de 2012 e 2013, cumpriu com as suas obrigações tributárias, não tendo sido encontrada qualquer declaração de...

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