Acórdão nº 4661/16.0T8VIS-R.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução20 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

* Sumário do acórdão: 1. Na regulação do exercício das responsabilidades parentais e conhecimento das questões a este respeitantes é permitido ao julgador usar de liberdade na condução do processo e na investigação dos factos, seja para coligir oficiosamente provas que repute essenciais às finalidades do processo, seja para prescindir de actos ou de provas que repute inúteis ou de difícil obtenção (art.ºs 12º do RGPTC e 986º do CPC) e, neste sentido, incompatíveis com o superior interesse da criança, que também se projecta no direito a uma decisão em tempo adequado e razoável.

  1. No âmbito do incidente de incumprimento e antes da prolação da decisão final, nada impede que o Tribunal fixe determinado regime provisório quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, visando garantir o superior interesse das crianças, que prevalece sobre quaisquer outros interesses que eventualmente estejam envolvidos ou mesmo em oposição (cf., designadamente, os art.ºs 3º, alínea c); 12º; 28º e 38º do RGPTC).

    3. A audição da criança para livremente exprimir a sua opinião prevista no art.º 5º, n.ºs 1 e 2 do RGPTC não se confunde com sua audição para tomada de declarações para efeitos probatórios, esta, envolvendo inquirição pelo Juiz, com perguntas adicionais pelo Ministério Público e Advogados, sujeita às regras enunciadas nos n.ºs 6 e 7, do art.º 5º do RGPTC.

    4. Constitui um interesse superior do menor poder privar e manter contactos com ambos os progenitores - quando demonstrem capacidade para assegurar o desenvolvimento psico-afectivo da criança -, de modo a assegurar o seu bem-estar e desenvolvimento integral (art.º 1906º, n.º 7, do CC).

    5. O regime de visitas - como os demais aspectos da regulação - deverá ser ajustado se e quando as circunstâncias assim o ditarem.

    * Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. A 07.4.2020, J (…) deduziu incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais contra C (…) relativamente às menores J (…) e G (…) (…), suas filhas, nascidas a 28.7.2008 e 01.02.2010[1], pedindo, além do mais, a entrega das menores ao requerente e a notificação da requerida para respeitar as decisões judiciais proferidas nos autos.

    Alegou, em síntese, que a requerida não entregou as menores ao requerente no dia 13.3.2020 e a partir do dia 06.4.2020, incumprindo a decisão proferida em 22.11.2019, obstando ao convívio daquelas com o pai.

    [2] A requerida respondeu, dizendo que no dia 13.3.2020 foi mãe de um menino[3] e que “não entregou as menores com vista a evitar o risco de contaminação e de propagação pelo agente Coronavírus”, devendo o contacto diário das filhas com o pai ser realizado por meio de “videochamadas”.

    A Exma. Magistrada do M.º Público emitiu parecer, seguindo-se a pronúncia das partes.

    O requerente apresentou, depois, diversas “ampliações do pedido” baseadas em pretensas novas situações de incumprimento do regime de convívio (fls. 82, 88, 101 verso, 112 e 119).

    Em 16.6.2020, após a audição das menores e a conferência dos pais, na ausência de acordo, a Mm.ª Juíza a quo fixou, quanto à questão dos convívios das crianças com o pai, o seguinte regime provisório: «1.ª - O pai passa a conviver com as filhas e estas com o pai todos os domingos, a contar do próximo domingo, entre as 10:00 horas e as 18:00 horas, indo o pai levá-las e buscá-las à casa da mãe.

    1. - O regime fixado na cláusula anterior não prejudica a frequência pelas crianças de todas as actividades extracurriculares previstas no regime em vigor que não se encontrem suspensas em virtude das restrições legalmente estabelecidas em consequência do perigo de contágio pandémico.

      A mãe das crianças assegurará o transporte das filhas de e para os locais onde tais actividades são desenvolvidas.

    2. - No dia de aniversário de cada criança, nos anos pares, as crianças almoçarão com o pai, entre as 11:00 horas e as 14:00 horas, e jantarão com a mãe, entre as 18:00 horas e as 21:00 horas, invertendo-se nos anos ímpares.

    3. - No dia do Pai e no dia da Mãe e no dia de aniversário de cada progenitor, as crianças, nos anos pares, almoçarão entre as 11:00 horas e as 14:00 horas com o progenitor homenageado/aniversariante e nos anos ímpares jantarão com o mesmo entre as 18:00 horas e as 21:00 horas.

    4. - As crianças passam a estar sujeitas, no prazo máximo de quinze dias, a acompanhamento psicológico a financiar por ambos os pais, com vista a fomentar e fortalecer a imagem do pai.

    5. - Os pais ficam obrigados a indicar nos autos, no prazo máximo de cinco dias, uma Psicóloga da escolha de ambos.

    6. - O pai poderá contactar diariamente as crianças através do telemóvel da criança J (…), entre as 19:30 horas e as 20:00 horas, obrigando-se a mãe a manter disponível esse telemóvel para esse concreto efeito.

    7. - Nos dias em que as crianças estiverem com o pai, a mãe poderá contactar com as filhas pela mesma forma referida na cláusula anterior, entre as 15:30 horas e as 16:00 horas, ficando o pai obrigado a manter disponível o telemóvel para o efeito.

    8. - O pai poderá ainda contactar as filhas através das redes sociais, sempre que estas se mostrarem receptivas para o efeito.» Inconformado, o requerente/progenitor interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:[4] 1ª - O incumprimento e alteração da regulação das responsabilidades parentais têm processualmente tramitação diferenciada, sendo em processo de incumprimento processualmente inadmissível proceder à alteração da regulação das responsabilidades parentais. Artigos 41º e 42º do RGPTC.

    9. - Não podendo ser apreciada a final a alteração das responsabilidades parentais não podia nos presentes autos ser proferida decisão provisória, a qual deve ser revogada, mantendo-se em vigor o regime vigente antes do seu proferimento, tendo sido violado o disposto no artigo 28º n.º 1 do RGPTC.

    10. - Nos autos foi requerida, e efetuada, a audição das menores, não tendo no requerimento e no despacho que o determinou sido referenciado o fim a que se destinava.

    11. - O mandatário do recorrente foi impedido de estar presente na audição das menores sem que o tribunal tenda efetuado qualquer ponderação dos motivos para vedar a presença, nem fundamentado a recusa de assistência à diligência.

    12. - O recorrente solicitou acesso ao conteúdo das declarações das menores e cartas juntas para exercer o direito ao contraditório e formular perguntas adicionais, que foi indeferido.

    13. - A audição da criança, conforme a finalidade a que se destina, seja a de exprimir a sua opinião, ou a tomada de declarações como meio de prova, tem diferente tratamento jurídico.

      Destinando-se a exprimir opinião o juiz poderá ouvi-la sem a presença do mandatário desde que fundamente devidamente os motivos que determinam tal procedimento.

      Destinando-se a meio de prova é obrigatória a presença do mandatário.

      No entanto, destinando-se a exprimir opinião, seguidamente a tal diligência, deverá obrigatoriamente ser permitido o exercício do contraditório e formular pedido de esclarecimento.

    14. - A decisão de impedir o mandatário do recorrente de assistir às declarações das menores enferma de falta de fundamentação, e o despacho que impediu o acesso ao seu teor e cartas, são nulos e devem ser revogadas por violação do art.º 5º n.ºs 6 e 7 do RGPTC.

    15. - Para garantir a espontaneidade e sinceridade das respostas deve a criança ser assistida na audição por técnico habilitado, previamente designado para o efeito, não tendo tal ocorrido enferma a audição de nulidade por violação do disposto no art.º 7º, alínea a) do RGPTC.

    16. - Na decisão foram consideradas declarações e cartas juntas pelas menores, cujo conteúdo desconhece por lhe ter sido negado o acesso, trata-se de meios de prova secretos, relativamente ao qual não foi permitido o exercício do direito ao contraditório, sendo processualmente inadmissível, enfermando de nulidade por violação do art.º 415º do CPC.

    17. - Relativamente às declarações prestadas em 16.6.2020, supostamente desfavoráveis à pretensão do recorrente, tendo as menores declarado não pretender que fossem divulgadas foram transcritas e não foi permitido o acesso, relativamente às declarações prestadas em 19.6.2019 no apenso K, favoráveis às pretensões do requerente, tendo as menores declarado igual pretensão, constam da ata lavrada e encontram-se acessíveis aos intervenientes processuais no citius.

    18. - O tribunal perante situações iguais, que merecem igual tratamento jurídico, permite procedimento diverso e contraditório, com prejuízo para o recorrente, ao qual deverá ser facultado o acesso a ambas as declarações e cartas juntas, tendo o procedimento violando os princípios de igualdade e da segurança e certeza jurídica.

    19. - O requerimento apresentado de acesso à audição das menores e cartas para se poder pronunciar sobre a promoção do M.º Público não corresponde a um incidente anómalo ao desenvolvimento da lide, antes um direito processual consignado no 5 n.º 7 alíneas b) e c) do RGPTC.

      Não se tratando de um incidente estranho ao normal desenvolvimento da lide, não pode ser sancionado com multa, violando o decidido no art.º 7º do RCP.

    20. - Sem prescindir mesmo que o fosse, o valor fixado de custas não se mostra adequado por excessivo segundo os princípios que regem a condenação em custas, não devendo ser fixado em montante superior a 0,5 UC.

    21. - Relativamente ao facto provado impugnado “as crianças pretendem conviver com o pai apenas durante o dia, sem pernoita”, nos autos inexiste outro meio de prova além, supostamente, das declarações das menores e cartas juntas, que permitam considerar provada tal facto.

      Tal meio de prova, como referido no ponto anterior, não pode ser considerado nos autos por na sua obtenção se terem violado os princípios do contraditório e igualdade de armas, enfermando de nulidade a prova assim obtida.

    22. - Mesmo que o tribunal pudesse considerar as declarações das menores como opinião a ter em consideração, ao tribunal incumbe fazer uma análise crítica de prova...

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