Acórdão nº 3422/19.0T8VIS-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO AREIAS
Data da Resolução06 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO Declarada a insolvência de M..., Lda., a credora requerente a..., veio requerer a abertura de incidente de qualificação da insolvência como culposa e que tal qualificação afete o seu gerente J..., Alegando, para tal, e em síntese: tendo a sociedade, agora insolvente, sido condenada, por sentença proferida a 21.10.2013, a eliminar, no prazo de 90 dias, os defeitos existentes na moradia que construíra a pedido da Requerente, e incumprida tal obrigação no prazo fixado pela sentença, a Requerente viu-se obrigada a instaurar ação executiva para prestação de facto e para pagamento de quantia certa, para assim dar cumprimento a tal sentença; contudo, no âmbito da execução não foram encontrados quaisquer bens penhoráveis nem apuradas contas bancárias da insolvente; desde a data em que foi proferida a sentença que condenou a insolvente na eliminação dos defeitos, que o seu gerente, J..., ludibriou a requerente, fazendo-a acreditar que tudo se iria resolver pela via consensual, ganhando tempo, apenas para, entretanto, conseguir dissipar o património da insolvente, passando-o para a nova empresa por si constituída; o identificado gerente da insolvente transferiu para a sua nova sociedade “J..., Lda.”, a carteira de clientes da insolvente e muito do seu património; esta empresa assumiu as obras da insolvente, para a qual foram canalizadas as novas obras, tendo os trabalhadores da insolvente passado a nesta exercer a sua atividade; na insolvente ficou só o imobilizado obsoleto, sem qualquer valor comercial; o material da insolvente com algum valor encontra-se parqueado num estaleiro pertencente à nova sociedade e afeto à atividade desta; a insolvente está desde há muito numa situação de insolvência, em que não conseguia honrar os seus compromissos, com um ativo muito superior ao ativo, e face a uma conduta deliberada do seu sócio-gerente de esvaziamento da sociedade e desvio da sua atividade para outra, em prejuízo inequívoco dos credores, mormente da requerente da insolvência; Conclui, não poder tal insolvência deixar de considerar-se como culposa, face ao preenchimento das presunções iure et iure previstas nas alíneas a) e g) do nº 2 do artigo 186º CIRE.

Declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência, o Administrador da Insolvência veio apresentar Parecer no sentido da qualificação da insolvência como não culposa, com a seguinte alegação: a insolvência da requerida foi requerida a 16 de julho de 2019, pela Requerente/credora A..., e decretada a 6 de novembro de 2019; a devedora está inativa, tendo apresentado, a 12 de outubro de 2015, nas Finanças, a Declaração de Cessação de Atividade; não foram localizados nem apreendidos quaisquer bens à insolvente; o sócio gerente da insolvente constituiu uma outra sociedade, “J..., Lda.”, para a qual passou a atividade as novas obras para a nova empresa deixando inativa a insolvente; o sócio gerente dissipou todos os seus bens em benefício da nova sociedade, de que é único sócio e gerente; a insolvência é ainda culposa por força do disposto nº 3 do artigo 186º CIRE, tendo a insolvente incumprido o dever de apresentação à insolvência, pois deveria ter-se apresentado à insolvência em 12 de outubro de 2015, quando apresentou a cessação de atividade para efeitos de IVA; a atuação do gerente é causa direta e necessária do agravamento do estado de insolvência da sociedade requerida; encontram-se preenchidas as presunções inilidíveis de culpa previstas na al. a) do nº 3 do art.186º CIRE – incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência –, bem como as previstas nas alíneas a) e f) do nº 2 do citado artigo 186º – respeitantes à ocultação ou destruição do património do devedor, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenha interesse direto ou indireto; contudo, tendo os factos suscetíveis de fundamentar a qualificação da insolvência como culposa ocorrido antes do inicio do processo de insolvência (nº1 do artigo 186º), conclui que a presente insolvência não deve ser considerada como culposa.

Remetidos os autos ao Ministério Público para os termos do nº 4 do artigo 188º CIRE, este emitiu Parecer no qual, aderindo ao requerimento da Credora A..., bem como ao do Administrador de Insolvência, conclui encontrarem-se preenchidas as alíneas a) e h) do nº 2, e alínea a) do nº 3, todos do artigo 186º do CIRE, com a qualificação da insolvência como culposa, com afetação do seu sócio gerente, J..

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J... deduziu oposição, alegando em síntese: mesmo que se apurem factos dos quais resulte ter havido, por parte dos administradores da insolvente, uma atuação dolosa ou com culpa grave, que tenha criado ou agravado a situação de insolvência da devedora, tais factos deverão ter sido cometidos dentro do período dos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; caso assim não suceda, os factos em causa serão irrelevantes para efeitos da qualificação como culposa da insolvência, que não poderá ser decretada com tal fundamento; centrando-nos no período temporal relevante, quer do requerimento de abertura do incidente, quer do parecer do Sr. Administrador de Insolvência, quer ainda do parecer do Ministério Público, não constam quaisquer factos que datem de tal período de três anos; a M..., Lda. está inativa e não se encontra a laborar desde, pelo menos, 30 de Setembro de 2015, como se prova pelo teor da Declaração de Cessação de Atividade apresentado no serviço de Finanças em 12 de Outubro de 2015, tendo o processo de insolvência dado entrada a 16 de julho de 2019; encontra-se também indemonstrado um outro pressuposto essencial para a procedência da qualificação, que é o relativo ao prejuízo que para os credores resulta da insolvência; sendo o crédito da requerente ilíquido não poderá o mesmo ser considerado em sede de qualificação da insolvência; atenta a dimensão da empresa em causa, os seus recursos materiais e financeiros próprios (veja-se a cifra do passivo existente), a insolvente jamais comportaria um prejuízo equivalente ao montante do reclamado pela requerente do incidente, pelo que, se a requerente tivesse deduzido o incidente de liquidação (o que não fez) e neste se apurasse um valor aproximado ao reclamado; Conclui pela improcedência do incidente de qualificação da insolvência como culposa, absolvendo-se a requerida do requerido e qualificando-se a insolvência como fortuita.

Realizada audiência prévia, pelo juiz a quo foi proferido o Despacho, de que agora se recorre, a declarar a insolvência da sociedade M..., Lda., como fortuita.

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