Acórdão nº 350/18.0T8SCD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução21 de Janeiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. L (…)- Companhia de Seguros, S. A., instaurou a presente acção declarativa comum contra I (…). (1ª Ré) e E (…) S. A. (2ª Ré), pedindo que as Rés sejam condenadas a pagar-lhe a quantia global de € 7 979, acrescida dos juros de mora vincendos.

Alegou, em síntese: no âmbito da sua actividade celebrou um contrato de seguro do ramo “equipamento electrónico” com C (…)Lda., o qual garantia a cobertura, entre outros, dos riscos de perdas ou danos materiais imprevistos e/ou acidentais, nomeadamente, por efeitos imediatos da corrente eléctrica; no dia 07.01.2016, entre as 16 horas e as 16.30 horas, ocorreram na sede da sua segurada duas interrupções de energia eléctrica, fornecida pela 1ª Ré; a súbita alteração da corrente eléctrica causou danos num ecógrafo e respectivas sondas; pagou a quantia global de € 7 733 à segurada, correspondente ao prejuízo sofrido, deduzido da respectiva franquia contratual, tendo ainda despendido € 246 na regularização do sinistro.

A 2ª Ré contestou, alegando, nomeadamente: à data dos factos abastecia a segurada da A. de energia eléctrica em baixa tensão cuja rede eléctrica se encontra e encontrava em bom estado de conservação e funcionamento, tendo sido alvo de vistorias, inspecções e acções de manutenção preventiva sistemática; existiram duas interrupções de fornecimento de energia eléctrica de curta duração (inferiores a 1 minuto), no dia 07.01.2016, mas não susceptíveis de causar quaisquer danos em equipamentos eléctricos, até porque, caso assim não fosse, teriam sido registados danos em mais aparelhos electrónicos da segurada da A., bem como teriam sido afectados outros clientes dos 2317 alimentados pela mesma rede, o que não sucedeu; o equipamento em causa não estaria em boas condições de funcionamento e isolamento. Concluiu pugnando pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

A 1ª Ré também contestou, alegando, em síntese: obrigou-se a fornecer energia eléctrica à segurada da A, em rede de baixa tensão; desconhece se ocorreram as mencionadas interrupções de energia nas instalações da segurada da A. e se serão causa adequada dos danos invocados; a eventual responsabilização pelos danos ocorridos recai sobre a 2ª Ré, operadora da rede de distribuição, uma vez que as interrupções de energia nada têm que ver com o fornecimento da mesma, mas sim com a sua distribuição. Pugnou pela total improcedência da acção e consequente absolvição do pedido contra si formulado.

Foi proferido despacho saneador que firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 04.6.2019, decidiu absolver a 1ª Ré do pedido e condenar a 2ª Ré a pagar à A. a quantia de € 7 979, acrescida de juros de mora, à taxa de 4 %, desde a citação até integral pagamento.

Inconformada, a 2ª Ré apelou formulando as seguintes conclusões: (…) A A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir: a) modificação da decisão relativa à matéria de facto/erro na apreciação da prova; b) decisão de mérito, cuja modificação depende, sobretudo, da eventual alteração da decisão de facto.

* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1.

A 1ª Ré é uma sociedade anónima que se dedica à comercialização e fornecimento de energia eléctrica.

  1. A 2ª Ré é concessionária do serviço público de distribuição de energia eléctrica em Alta Tensão, Média Tensão e Baixa Tensão no concelho de (...) .

  2. Em 14.01.2011, entre a A. e C (…) Lda.

    foi celebrado um contrato de seguro do ramo “Equipamento Electrónico”, titulado pela apólice n.º (...) .

  3. Das condições gerais do contrato aludido em II. 1.

  4. consta, além do mais, o seguinte: “Definições: (…) Equipamento Electrónico: Toda a espécie de equipamentos eléctricos com predominância de componentes electrónicos, utilizando correntes eléctricas de baixa voltagem.

    (…) Artigo 2º - Âmbito da cobertura (…) a Seguradora obriga-se a indemnizar o segurado por quaisquer perdas ou danos materiais imprevistos e/ou acidentais, verificados nos bens seguros, seja qual for a causa, com excepção dos excluídos na Apólice, desde que obriguem à reparação ou substituição dos referidos bens. Ficam nomeadamente, mas não exclusivamente, cobertos: (…) 2.2.

    Efeitos imediatos da corrente eléctrica, tais como curto-circuito, formação de arcos e todos os outros fenómenos eléctricos, estando compreendidos os efeitos da electricidade atmosférica”.

  5. Entre a C (…), Lda.

    e a 1ª Ré foi celebrado um contrato de fornecimento de energia eléctrica, através do qual esta se obrigou a fornecer àquela energia eléctrica de baixa tensão.

  6. A 2ª Ré, na qualidade de operador da rede de distribuição, abastece de energia eléctrica as instalações da C (…) Lda.

    a partir do Posto de Transformação n.º 63 - SCD Escola S+C, que se encontra ligado à rede de média tensão (...) / (...) .

  7. No dia 07.01.2016, ocorreram duas interrupções de energia eléctrica no local de actividade de C (…), Lda.

  8. As interrupções de energia eléctrica referidas em II. 1.

  9. foram inferiores a 1 minuto.

  10. Em virtude das interrupções de energia eléctrica referidas em II. 1.

  11. , o ecógrafo Xario 15 e a sonda linear PLT805AT apresentavam: avaria do sistema operativo, erros e bloqueio do sistema quando dada ordem de impressão, deficiente qualidade de imagem nas aquisições ecodoppler com a sonda linear PLT805AT, deficiente sensibilidade à detecção e diferenciação de fluxos venosos e arteriais.

  12. O referido em II.1.

  13. implicou a substituição do disco rígido do sistema e reinstalação do software de controlo e de aplicação clínica do sistema.

  14. Em virtude do referido em II. 1.

  15. , 9.

    e 10.

    , a A. pagou à C (…) Lda.

    a quantia de € 7 733 deduzida da franquia contratual, e despendeu a quantia de € 246 na regularização do sinistro.

  16. Até às circunstâncias de tempo referidas em II. 1.

  17. , a linha de média tensão referida em II. 1.

  18. encontrava-se em bom estado de conservação e com condições de segurança adequadas.

  19. A linha de média tensão referida em II. 1.

  20. foi inspeccionada nos anos de 2013 e 2015, sem que tivessem sido detectadas anomalias ou defeitos de funcionamento.

  21. Entre a 1ª e a 2ª Ré, enquanto primeira e segunda contratantes, respectivamente, foi celebrado o acordo designado “Contrato de uso de redes”, no qual foram estabelecidas as condições particulares de acesso e utilização, pela primeira contratante, das redes operadas pela segunda contratante no âmbito da rede nacional de distribuição de electricidade em alta tensão e média tensão (RND) e da distribuição de electricidade de baixa tensão, em regime de serviço público.

  22. E deu como não provado: a) Antes das interrupções de energia eléctrica referidas em II. 1.

  23. , o equipamento referido em II. 1.

  24. não estava em boas condições de funcionamento e de isolamento; b) As interrupções de energia eléctrica referidas em II. 1.

  25. ocorreram entre as 16h00 e as 16h30.

  26. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

    1. A 2ª Ré/recorrente insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, invocando a prova pessoal produzida em audiência de julgamento, considerando que deveria ter-se considerado provada a matéria incluída em II. 2.

    a), supra e a demais indicada nas “conclusões 2ª e 3ª”/ponto I., supra, e não provada a mencionada em II. 1.

  27. , supra.

    1. Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental.

      c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efectivação do princípio da imediação[1], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que se verifique se os depoimentos foram apreciados de forma razoável e adequada.

      E na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[2], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

    2. Consta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, designadamente (atenta a factualidade impugnada): «(…) Quanto aos factos constantes de 9) e 10), o Tribunal atendeu, desde logo, no que toca aos concretos danos e à substituição/reinstalação efectuada, ao relatório de reparação e orçamento da D (…), Lda.

      , empresa que procedeu à reparação do ecógrafo em causa nos autos, de fls. 26-27, do qual constam os danos sofridos no ecógrafo e a substituição e reparação efectuadas, tendo o Tribunal valorado ainda o depoimento da testemunha R (…)[3], perito avaliador da U (…), que elaborou o relatório de fls. 16 e seguintes e tirou as fotografias anexas, tendo confirmado o teor do mesmo e explicado que os prejuízos foram calculados com base na idade do equipamento e na sua expectativa de vida, sendo que a vida útil destes equipamentos em geral é de 8 anos e que o ecógrafo em causa tinha, aquando dos factos, 6 anos.

      Quanto à causa dos danos em apreço - facto 9) -, vejamos, mais concretamente.

      Atendeu o Tribunal ao depoimento da testemunha D (…), que é engenheiro de manutenção de campo - concretamente, é engenheiro de telecomunicações e informática, sendo que tem formações complementares, designadamente, formação específica para equipamentos da marca Toshiba (marca do ecógrafo em apreço) - e presta funções na D (…).

      , tendo sido o responsável pela realização do diagnóstico ao ecógrafo ora em causa.

      Esta testemunha prestou um depoimento seguro, circunstanciado, espontâneo, isento e credível, tendo relatado ao Tribunal os danos que o equipamento...

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