Acórdão nº 215/19.8T8CNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Data da Resolução21 de Janeiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I - A Causa: G (…), casado, residente em (…), França, e quando em Portugal, na (…) (....) veio intentar a presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra M (…) casada, residente em (…) Ormesson sur Marne, alegando o autor, em síntese, que ambos contraíram entre si casamento civil em 9 de Janeiro de 1993, em França, sob o regime de comunhão de adquiridos, tendo-se verificado o nascimento de dois filhos do casal, A (…) e M (…), esta ainda agora menor de idade, verificando-se que os cônjuges estão separados pelo menos desde Dezembro de 2017, sem que desde então haja comunhão de vida entre ambos.

Mais alegou que não dormem juntos, não comem juntos, nem vivem na mesma casa, não havendo da parte de qualquer deles a intenção de restabelecer a relação matrimonial.

Entende o autor que estão verificados os pressupostos para ser decretado o divórcio entre ele e a ré, nos termos dos arts. 1773.º, n.º 1 e 1781.º, a), do Código Civil, porquanto estão separados de facto por um ano consecutivo, concluindo pelo pedido de decretação do divórcio com fundamento em separação de facto dos cônjuges.

Juntou cópias do seu assento de casamento, dos assentos de nascimento dos filhos e arrolou duas testemunhas.

* Frustrou-se a tentativa de conciliação, por falta de acordo das partes, quer para a reconciliação do casal, quer para a conversão do processo em divórcio por mútuo consentimento, tendo a ré sido de imediato notificada para contestar a acção, nos termos do art.º 931.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil.

* Na sua contestação a ré veio dizer que a separação de facto dos cônjuges apenas ocorreu nas vésperas do Natal de 2018, tendo até então havido comunhão de vida entre ambos, não aceitando a ré que tenha pretendido, ou agora pretenda, refazer a sua vida independentemente do autor, pois o casamento dura há mais de 25 anos e a dissolução do casamento prejudicaria os filhos, principalmente a filha menor, que deixaria de crescer na companhia de ambos os progenitores, pugnando a ré pela improcedência da acção, dado que não decorreu um ano desde a separação de facto, para os fins do art.º 1781.º, al. a), do Código Civil, alegado pelo autor.

* Foi elaborado despacho saneador, fixando-se o objecto do processo, tal como os temas da prova e admitindo-se a prova testemunhal considerada necessária para o esclarecimento das questões essenciais que poderiam conduzir, ou não, ao decretamento do divórcio, não se admitindo outras provas, designadamente a audição por teleconferência de duas das testemunhas da ré, desde França, onde residem (art.º 547.º do C.P.C.).

A ré não se conformou, recorrendo do despacho saneador, por haver limitação de prova testemunhal.

Ficou-se a aguardar que o autor viesse, porventura, a responder ao recurso da ré, mantendo-se a data do julgamento, pois o prazo para aquela resposta só terminaria após decorrerem as férias judiciais de Verão.

* Procedeu-se a audiência final com observância do legal formalismo, em duas sessões, pois na primeira data, anterior às ditas férias, só compareceu uma testemunha, a primeira do rol do autor, tendo de se realizar outra sessão em Setembro de 2019, onde se ouviram mais duas testemunhas, a segunda e última do autor e uma da ré, não tendo sido requerida a produção de outros meios de prova, pelo que as ilustres advogadas efectuaram as suas alegações finais, sendo depois ordenado que se abrisse conclusão oportunamente, para ser elaborada a sentença.

* Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que: «Consequentemente, julgo provada e procedente a presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge e decreto o divórcio entre o autor G (…) e a ré M (…) ambos com os sinais dos autos, declarando dissolvido o respectivo matrimónio, celebrado no dia 9 de Janeiro de 1993.

Custas da acção por autor e ré em partes iguais, pois o divórcio foi decretado por razões objectivas (art.º 527.º, n.º 1, do C.P.C.), sem prejuízo do disposto no R.C.P. quanto ao impulso processual.

Registe e notifique.

Após trânsito em julgado comunique à competente Conservatória do Registo Civil, nos termos dos artigos 78.º e 69.º, n.º 1, al. a), do Código de Registo Civil».

* M (…), Ré nos autos em epígrafe, não se conformando com a sentença proferida nos autos, , veio interpor RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que: 1. O autor não alegou quaisquer factos tendentes à demonstração da ruptura definitiva do casamento.

  1. Ao invés invocou, como causa exclusiva para fundamentar o divórcio, a separação de facto de casal por mais de um ano! o que não conseguiu provar.

  2. Por força da contraprova produzida pela Recorrente, não se demonstrou ter ocorrido a separação do casal há mais de um ano, tendo sido adquirido que a separação de facto remonta ao último trimestre do ano 2018.

  3. Nada mais tendo o autor alegado para fundamentar o divórcio, não poderia o mesmo ter sido decretado com fundamento na separação de facto, porquanto a mesma durou por período inferior ao legalmente previsto.

  4. Os factos alegados pelo Autor subsumem-se unicamente à concretização da separação de facto, designadamente, a falta de coabitação.

  5. A demonstração da ruptura do casamento subsumível à al, d) do n.º 1 do art. 1782º do Código Civil implicaria necessariamente a alegação e prova da violação grave dos demais deveres conjugais enunciados sob o artigo 1672º do CC, designadamente, dos deveres de respeito, fidelidade, cooperação e assistência.

  6. E bem assim da irreversibilidade do rompimento da comunhão própria da vida conjugal, o que não se verificou no caso sub judice.

  7. A decisão proferida contende com os princípios do dispositivo, da auto-responsabilidade, da igualdade e do contraditório.

  8. Pese embora não esteja limitado pelas alegações das partes, quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [art. SR n.!! 3 do CPC), conforme bem refere a sentença; o Juiz está sempre vinculado aos factos alegados pelas partes, cabendo a estas alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.

    10, Vigorando no processo civil os princípios da auto-responsabilidade das partes e do dispositivo, as partes são responsáveis pelas alegações que produzem ou pela sua omissão, assim como pelo labor probatório.

  9. O art. 52 do CPC continua a fazer impender sobre as partes o ónus de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, valendo de forma plena o princípio da disponibilidade objetiva no que respeita a estes factos, estando vedada ao Tribunal a sua consideração quando não tenham sido alegados pelas partes.

  10. No caso sub judice, uma vez que o Autor se limitou a alegar, de forma vaga e como mera concretização da separação de facto, que "tem o propósito de refazer a sua vida sem a ré", constituindo indubitavelmente a separação de facto por um ano consecutivo a causa de pedir e estando expressamente mencionada no próprio pedido. não crê a Ré que o Tribunal tenha decidido bem ao subsumir este facto à norma jurídica em que fundamenta a decisão de julgar a ação procedente - art. 1781 ai. d) do CC, porque tal facto é manifestamente insuficiente.

  11. A previsão da citada ai. d) não comporta o pedido de divórcio apenas por vontade unilateral e infundamentado de um dos cônjuges, tendo de estar demonstrados factos que consubstanciem à luz da normalidade das relações entre duas pessoas, que se verifica uma rutura na comunhão de vida entre elas.

  12. O preenchimento do conceito indeterminado de "ruptura definitiva do casamento" implica que não se esteja perante factos banais e esporádicos. sendo necessário que se esteja perante factos que demonstrem o comprometimento consolidado da vida em comum, permitindo a lei que o causador dessa rutura possa pedir com base nesses factos o divórcio.

  13. Pese embora esta questão tenha sido aflorada em recurso autónomo oportunamente apresentado nos autos, não pode a Ré deixar de salientar que recaindo sobre o Autor o ónus da prova dos factos por si alegados, assiste à Recorrente o direito de acerca de tais factos exercer o contraditório, direito que, com o indeferimento da prova testemunhal por si arrolada, viu irremediavelmente coartado e posto em causa, o que de todo o modo contribui de forma decisiva para o sentido da decisão proferida nos autos.

  14. A única testemunha arrolada pela Ré que depôs em Tribunal, não obstante ter contribuído de forma cabal de decisiva para descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, designadamente porque foi com base no seu depoimento que o Tribunal logrou apurar que a separação de facto perdurava há menos de um ano, não foi, como a Ré aliás previu, suficiente para que a mesma lograsse fazer prova cabal de todos os factos que alegou, muitos dos quais, por via disso, foram dados como não provados e, sobretudo, tendo indeferido a inquirição de testemunhas com conhecimento diretos dos factos reportados nos autos, o Tribunal impediu a Ré de contraditar e colocar em crise os factos que o Autor alegou e que se propôs provar.

  15. A sentença viola o disposto nos art. 5º, n.º 1 do C.P.C. e o disposto no art. 1781º aI. a) e d) e o art. 1782º do Código Civil.

    Termos porque ao presente recurso deve ser dado provimento, impondo-se a revogação da sentença e a prolação de decisão que julgue a ação improcedente por não provada.

    * Legal e tempestivamente notificado, para o efeito, veio G (…) A./Recorrido, apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, por sua vez concluindo que: 1ª A DECISÃO posta em causa pela recorrente, limitou-se a aplicar o Direito à matéria de facto indiciariamente provada, carecendo de qualquer fundamento as Alegações da Apelante.

    1. O Tribunal a quo, como bem consta da Douta Sentença proferida, fez inteira Justiça , ao proferir Sentença, julgando a acção proposta pelo autor procedente e em consequência decretou o divórcio , fez correcta apreciação da prova produzida em audiência de julgamento.

      ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT