Acórdão nº 131/15.2T8AGN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução14 de Janeiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório “F (…), S. A.

”, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra “S. (…), Ld.ª”, também com os sinais dos autos, alegando por modo a concluir pela procedência da ação e peticionando «a condenação da Ré a pagar à A. da quantia de 43.793,51€ acrescida de juros legais moratórios a partir da citação e até efectivo pagamento, com base no exercício do direito de regresso pelo que pagou aos beneficiários (viúva e filha menor) de um falecido sinistrado enquanto trabalhava por conta da ré, tomadora do contrato de seguro.» ([1]).

Contestou a R., excecionando a prescrição do direito de regresso e defendendo-se por impugnação, assim pugnando por estar prescrito aquele invocado direito ou, a entender-se doutro modo, pela improcedência da ação por não provada.

A A. respondeu à matéria de exceção, concluindo pela sua improcedência.

Procedeu-se ao saneamento do processo e relegou-se para final o conhecimento da aludida exceção da prescrição, sendo ainda definidos o objeto do litígio e os temas da prova, por o estado do processo não habilitar a conhecer imediatamente do mérito, com prosseguimento dos autos para audiência final.

Realizada esta, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, o tribunal decide julgar procedente por provada a excepção peremptória de prescrição, e em consequência absolver a ré de todos os pedidos formulados pela autora nos presentes autos.».

Inconformada com o assim decidido, veio a A. interpor o presente recurso, apresentando alegação respetiva e as seguintes Conclusões ([2]) «DECISÃO DE FACTO 1ª A Relação, em sede de reponderação, deve alterar a decisão de facto e dar por provado – em vez de não provado – que em Junho de 2008 os elementos de averiguação disponíveis não permitiam à A. invocar causas descaracterizadoras do acidente.

  1. O Tribunal da 1ª instância, desde logo, na fundamentação da decisão de facto tomada, reconhece que a dinâmica e circunstâncias do acidente e a culpa na sua eclosão, emergem (no sentido de que só emergem) e ressaltam da aturada investigação criminal levada a cabo pelas autoridades espanholas no âmbito do processo criminal que correu termos pelo Juízo Criminal de Santiago de Compostela.

  2. Acresce que, concretos meios probatórios, mormente excertos de depoimentos testemunhais, referidos e transcritos no corpo destas alegações (…) militam no mesmo sentido, impondo decisão positiva à realidade de facto inserida na 1ª das conclusões.

  3. Ressalta dos extratos dos depoimentos das testemunhas e do mail que a testemunha (…) enviou à A aos 09/10/2014 e acompanhado da sentença proferida no processo abreviado do Julgado Penal de Santiago de Compostela que a recorrente só a partir desta data é que tomou conhecimento de factos que apontaram para caso especial de reparação previsto no artigo 18º/1 da Lei 100/97 então vigente, no caso, acidente provocado pela empregadora por falta de observação das regras sobre segurança e com as consequências previstas nos termos conjugados dos artigos 18º/1 e 37º/2 da referida Lei.

  4. Só a factualidade conhecida na sentença proferida no processo abreviado do Julgado Penal de Santiago de Compostela, proferida aos 12/06/2014 e comunicada à A. aos 09/10/2014, é que facultou a esta o conhecimento de que, nos termos conjugados dos já citados artigos 18º71 e 37º/2 da Lei 100/97, a sua responsabilidade infortunística era de segundo grau, meramente subsidiária, e que a responsabilidade primacial recaia diretamente sobre a entidade empregadora sua segurada.

  5. O acidente ocorreu em território espanhol, o que impossibilitou averiguação exaustiva das circunstâncias em que o mesmo ocorreu, o que nunca seria alcançável pela A. tanto mais que, como resulta dos autos, a própria Ré, no âmbito do procedimento criminal que tramitou em Espanha, através do seu encarregado, até tentou fazer crer, junto da equipa da Polícia Judiciária de (...) (vide Anexo III do documento junto pela A aos autos aos 24/09/2018 – referência Citius 30168948 e a folhas 2 – 52) que disponibilizara capacete de proteção à vítima, e o desmentido só foi possível pelo auto de inspeção visual de que a autoridade dispunha.

  6. Era impossível á A levar a cabo uma aturada investigação igual ou sequer semelhante à investigação criminal efetivada pelas autoridades espanholas de modo a que pudesse, em curta porção de tempo, conhecer ao detalhe as reais causas e circunstâncias que rodearam e motivaram a ocorrência, de modo a deter tais dados na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho, que correu termos em Portugal, e ou mesmo em fase contenciosa subsequente, se tivesse sido aberta, e invocar causas descaracterizadoras do acidente.

    DE DIREITO 8ª Diz a sentença que no caso, o crédito peticionado pela A. constitui direito de regresso, como tal sujeito ao prazo prescricional de três anos (artigo 498º/2 do CC) que inicia contagem a partir do cumprimento/pagamento (artigo 498º/2 e 306º/1 do CC) que no caso se verificou aos 19/11/2008 e tendo a Ré sido citada para a ação aos 14/09/2015, o direito creditício da A. nesta data já estava prescrito.

  7. Reitera a A. que aos 19/11/2008 quando indemnizou as beneficiárias da vítima não conhecia factos que lhe permitissem exercitar putativo direito de regresso, nem tais factos eram cognoscíveis, nem àquela data e nem nos anos póstumos.

  8. A A. só a partir de 09/10/2014 quando lhe foi comunicada a sentença proferida no processo abreviado do Julgado Penal de São Tiago de Compostela é que tomou conhecimento de que o acidente tinha sido provocado pela empregadora e por falta de observação por parte desta das regras de segurança.

    1. De resto – e reitera-se – a própria sentença recorrida reconhece que só a “aturada” investigação criminal levada a cabo pelas autoridades espanholas é que permitiu delinear ao detalhe as reais causas e circunstâncias que motivaram o sinistro de 03/03/2008.

    2. Ainda que o Tribunal da Relação não altere a decisão de facto como preconizada – o que não se concede – ressalta à evidência que só o conhecimento por parte da A. da decisão penal espanhola é que foi reveladora das reais circunstâncias em que se verificou o sinistro dos autos e definiu os comportamentos desencadeantes do mesmo, correspondente autoria e responsabilidade e culpa.

    3. No intervalo de tempo que decorreu entre 19/11/2008, altura em que a A paga às beneficiárias da vítima valores indemnizatórios e 09/10/2014, momento em que conhece o teor e conteúdo da sentença espanhola, esta última não podia e nem devia exercer regresso de modo temerário e à sorte.

    4. A A. só tomou conhecimento – já se disse e repete-se – da factualidade com base na qual alicerça o pedido de reembolso formulado, na sequência do teor e conteúdo da sentença que foi proferida aos 12/06/2014 pelo Julgado Penal nº 2 de Santiago de Compostela e de que veio a tomar conhecimento tão só aos 09/10/2014.

    5. No caso dos autos, importa ter em devida conta, dentro das vicissitudes da prescrição, ao nível do decurso do prazo prescricional, os efeitos iniciais ou constitutivos conexos com o início da contagem do prazo (artigos 306, 311 e 498 do CC) e os efeitos suspensivos dos impeditivos em conexão com a suspensão da contagem do prazo (artigos 306, 318 a 323 e 327º/1 do CC).

    6. Dispõe é certo o artigo 306º/1 do CC que de regra a prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, mas podem verificar-se factos/situações ou causas que desde logo retêm quer mesmo o início de contagem do prazo prescricional, quer depois o prosseguimento de contagem porventura iniciada (artigos 306º/1 e 321º/1 ambos do CC).

    7. No caso dos autos a A. desde a data da fatídica ocorrência (03/03/2008) e ulteriormente, desde a altura em que indemnizou as beneficiárias (19/11/2008) e até ao momento em que conheceu os factos trazidos pela sentença do Julgado Penal de Santiago de Compostela (09/10/2014) esteve impossibilitada de exercer o seu putativo direito de regresso.

    8. No intervalo de tempo que decorre entre 03/03/2008 (data da ocorrência) e 09/10/2014 (altura em que conhece as circunstâncias em que se verifica o acidente e as condutas desencadeantes do mesmo), a A. vivenciou uma total impossibilidade originária de exercitação do direito a eventual reembolso, impeditiva desde logo do início e começo de contagem de qualquer prazo prescricional, motivada por total desconhecimento da dinâmica do acidente e dos factos consubstanciadores da culpa subjetiva da Ré, desconhecimento esse que pelos seus próprios meios não podia superar, sendo que o desconhecimento da própria pessoa, do responsável por dado evento no âmbito da responsabilidade civil extracontratual tem sido apontado pela doutrina, como circunstância de facto a tipificar impossibilidade jurídica originária de exercitação de um direito, e equiparável a impedimento de força maior, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 498º/1 do CC.

    9. Concluindo, o direito que a A veio exercitar, contrariamente ao que vem sentenciado, não prescreveu porque esta, dentro do triénio contado a partir, seja de 12/06/2014, seja de 09/10/2014 instaurou, e aos 09/09/2015, a presente ação e a citação da Ré operou-se aos 14/09/2015.

      LEGISLAÇÃO INFRINGIDA A sentença que vem da 1ª instância, fez incorreta interpretação e aplicação do que vem disposto nos artigos 298º/1, 304º, 300º a 327º, 498º/1, 498º/2 e 576º/1 e 3, todos do CC e a correta interpretação e aplicação destes normativos, mormente o que vem disposto nos artigos 304º, 498º/2, 306º/1, 311º, 498º, 306º, 318º a 322º e 327º/1, 321º/1, 498º/1, todos do CC impõe a revogação da sentença da 1ª instância, substituindo-a por decisão que, julgando improcedente a exceção de prescrição, condene a Ré a pagar à A. a importância peticionada e acrescida de juros legais moratórios vencidos até ao presente.

      Nestes termos deve o recurso vir a ser julgado procedente, dando-se...

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