Acórdão nº 6414/16.7T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução03 de Março de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. C (…) , SA, com sede em (…), instaurou acção contra os réus A (…) e A (…), residentes em (…), peticionando a condenação dos mesmos no pagamento da quantia de 193.203,66 €, acrescida de juros à taxa de 22,5% ao ano desde 21.12.2016, até integral pagamento.

Alegou, a concessão aos réus de um crédito, sob a forma de descoberto em conta, a partir de Janeiro de 2002, que teve origem, entre outros, em descontos/recâmbios de várias letras e livranças, e que em Setembro de 2002, atingia o valor de 86.394,64 €. A dívida dos réus para com a autora, incluindo capital, juros (no montante de 99.177,45 €), imposto de selo (no montante de 7.368,59 €) e comissões (no montante de 262,98 €) na data da interposição da acção era de 193.203,66 €.

Os réus contestaram, dizendo não terem acordado qualquer descoberto em conta, apenas existiu entre as partes um contrato de abertura de crédito, iniciado em Novembro de 1997 e solvido em Janeiro de 2006. Acresce que a autora juntou documentos que nada têm a ver com os contestantes, e que, com excepção das livranças juntas, a ré não foi interveniente, nem subscritora nos demais títulos, sendo alheia às operações que fundamentam o crédito em discussão nos autos. Os réus alegaram, ainda, a prescrição do direito de crédito invocado pela autora (nos termos do art. 482º do CC), por entenderem que a acção proposta pela autora se configura como um enriquecimento sem causa. Tendo ainda invocado a excepção de caducidade do direito de acção cambiária contra o réu, por a autora não ter apresentado as letras atempadamente a pagamento, além de que também não apresentou as letras a protesto por falta de pagamento. Também há muito prescreveu o direito cambiário da autora contra o réu, relativamente a tais letras, prescrição que também ocorreu no respeitante às livranças. Consideram, também, que a autora litiga com abuso de direito. Concluíram que a acção deve ser julgada improcedente, com a sua consequente absolvição do pedido, ou caso assim não se entenda, deverá ser julgada procedente a excepção de prescrição da acção por alegado enriquecimento sem causa, ou, se assim não for entendido, procedentes as excepções de caducidade do direito da acção cambiária e prescrição cambiária, devendo, caso assim não se entenda, a ré ser absolvida do pedido.

A autora respondeu, considerando que a defesa dos réus é improcedente.

* A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, e, em consequência: - condenou os RR no pagamento à A. do capital de 86.394,64 €, acrescida dos juros de mora aplicáveis às operações bancárias, devidos desde o dia 21 de Dezembro de 2011, e do respectivo imposto de selo; - absolveu os RR do demais peticionado.

* 2. Os RR apelaram, tendo concluído (reduzidas para, ainda assim, longas 83 conclusões depois de despacho de aperfeiçoamento relativamente a 149 conclusões !!) que: (…) 3. A A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

II - Factos Provados 5.1 – A autora é sucessora por incorporação do Banco (…), SA, nos direitos e obrigações deste (artigo 1º da petição inicial); 5.2 – A autora desenvolve a atividade bancária (artigo 3º da petição inicial); 5.3 – No âmbito da sua atividade e a solicitação dos réus, a autora concedeu-lhes um crédito sob a forma de descoberto, na conta de depósitos à ordem de que eram titulares, aberta na agência de (…) do Banco (…) com o número (…) que atualmente, por ter sido objeto de remuneração interna, tem o nº (…) (artigo 4º da petição inicial, artigo 52º do articulado de resposta às exceções); 5.4 – Tal conta foi aberta pelos réus no Banco (…), em data anterior à fusão mencionada em 5.1, em data que, em concreto não foi possível apurar mas situada há mais de 20 anos e podia ser movimentada por qualquer um dos seus titulares, por se tratar de conta solidária (artigos 8º e 9º da contestação e artigo 8º do articulado de resposta às exceções); 5.5 – No dia 18 de fevereiro de 2002, a conta mencionada no artigo anterior apresentava um descoberto de € 1.019,61 (artigo 5º da petição inicial); 5.6 – Tal descoberto teve origem em, além do mais descontos/recâmbios de várias letras e livranças, operações estas efetuadas por vontade de ambos os réus (artigos 1º e 9º da petição inicial); 5.7 – Desde 18/2/2002 até 16/9/2002 o saldo negativo da conta supra mencionada aumentou de € 1.019,61 para 86.394,64 (artigo 10º da petição inicial); 5.8 – A agência da autora de (…) enviou aos réus as cartas cujas cópias constam de fls 13 e 14v, datadas de 4 de abril de 2005 e de 15 de maio de 2006, nas quais além do mais aí exarado, solicita o pagamento do saldo devedor da conta DO (…), solicitação que também lhes foi efetuada por funcionários da agência de (…) aos réus (artigo 11º da petição inicial, artigo 23º da contestação); 5.9 – Os réus não liquidaram o saldo devedor de € 86.394,64, relativo a capital que se mantinha em dívida em 21/12/2016, embora conhecessem, pelo menos desde os contactos mencionados no artigo anterior, a existência do descoberto em conta em causa nestes autos, expressamente mencionado nas cartas que lhes foram enviadas em 4 de abril de 2005 e 15 de maio de 2006 (artigos 12º da petição inicial e 31º, 32º, 35º, 60º do articulado de resposta às exceções); 5.10 – Em 26 de novembro de 1997, entre os réus e o B(…) foi celebrado um contrato de abertura de crédito em conta corrente, até ao limite de 5.000.000$00 (correspondente a € 24.990,89) para apoio a tesouraria, contrato esse que veio a ser renovado e renegociado através de documento particular celebrado em 29 de fevereiro de 2000, pelo prazo de três anos, prorrogável automaticamente por iguais períodos, nos termos e com o teor constante de fls 119 a 120 dos autos, aí se prevendo, designadamente que “(…) todos os pagamentos, quer de capital, quer dos juros, quer das comissões ou de outras despesas serão efetuados por débito na nossa conta DO nº (…)” (artigos 19º, 20º, 21º da contestação e artigos 51º e 53º do articulado de resposta às exceções); 5.11 – As obrigações emergentes para os réus do contrato mencionado em 5.10 foram por eles integralmente liquidadas em 25 de janeiro de 2006 no âmbito da ação executiva instaurada pela autora no Tribunal Judicial de Mangualde e que correu os seus termos sob o nº 15/06.5TBMGL (artigos 22º, 25º, 82º, 86º, 87º, 88º da contestação); 5.12 – Tal execução foi instaurada pela autora contra os réus em 23 de dezembro de 2005 por estes não terem regularizado a situação de incumprimento decorrente do contrato mencionado em 5.10, aí reclamando dos executados o pagamento da quantia de € 33.205,95 (artigo 24º da contestação); 5.13 – A celebração do contrato mencionado em 5.10 decorreu de dificuldades temporárias de tesouraria por parte dos réus (artigo 70º da contestação); 5.14 – Na carta supra mencionada, datada de 4 de Abril de 2005, é solicitada aos réus a regularização quer da operação nº2(…), relativa ao descoberto em discussão nestes autos e ainda a regularização da operação (…), referente ao contrato de abertura de crédito mencionado em 5.10 (artigos 38º e 57º do articulado de resposta às exceções); 5.15 – Em 1 de janeiro de 2002 vigoravam entre a autora e os réus os acordos mencionados em 5.3/5.4 e 5.10 (artigo 49º do articulado de resposta às exceções); * Factos não provados: (…) - … 6º, 14º, 15º…, 18º, 20º (parcialmente), 21º (parcialmente), …, 24º (parcialmente), …, 38º (na parte em que não se reconduz a mera impugnação), 42º, 44º, …, 52º, 60º, 63º, 65º, 66º, 67º, 76º, 79º, 82º (parcialmente), 85º, 86º (parcialmente), 87º (parcialmente), 88º (parcialmente), 90º (parcialmente),da contestação; (…) * III - Do Direito 1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade da sentença. - Alteração da matéria de facto.

- Crédito da A. por força do “descoberto” que invoca.

- Juros atribuídos não devidos.

- Abuso de direito da A.

2. Defendem os recorrentes que a sentença é nula, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do NCPC, por omissão de pronúncia relativamente à questão da prescrição do enriquecimento sem causa, de 3 anos, prevista no art. 482º, nº 1, do CC (cfr. conclusões de recurso C. e D.). O preceito referido assim determina, efectivamente.

No entanto, foram os recorrentes que alegaram que a acção instaurada pela A., configuraria um pedido de enriquecimento sem causa. Ou seja, foram...

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