Acórdão nº 858/18.7T8CNT-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Março de 2020
Magistrado Responsável | ISAÍAS PÁDUA |
Data da Resolução | 03 de Março de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1.
Em 07/12/2018, no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Cível e Criminal de Cantanhede – o MºPº instaurou ação especial de interdição por anomalia psíquica de relativamente à requerida L..., solteira, maior, natural da freguesia e concelho de (...) e aí residente.
Para o efeito alegou, em síntese, que a requerida, devido à anomalia psíquica de que padece, se encontra incapaz de reger a sua pessoa e administrar os seus bens.
Por via dessa incapacidade, pediu no final que fosse decretada a interdição da requerida e lhe fosse nomeado um tutor.
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Ordenada a citação da requerida, e não tendo sido possível efetuar-se, em virtude da se encontrar, devido a doença psíquica de que padece, impossibilitada de a receber, veio-lhe a ser nomeada defensora oficiosa para assumir a sua defesa (sem que tivesse apresentado articulado de oposição/resposta).
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Pela sra. juíza titular dos autos foi ordenado a realização de exame pericial à beneficiária (no qual, além do mais, foi determinado que nele fosse feito constar se a requerida consegue ouvir/e ou comunicar verbalmente, a fim de aferir da utilidade da sua audição pessoal pelo tribunal).
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Foi junto aos autos o respetivo relatório pericial, do qual consta, em termos conclusivos, que: “1. A examinada evidencia uma Síndrome demencial (F03 da CID-10).
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Este quadro neurodegenerativo com carácter irreversível impossibilita-a de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos, ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, a celebração de negócios de vida corrente e o exercício dos seus direitos pessoais, como entre outros, os elencados no n.º 2 do artigo 147º do Código Civil.; 3. Que a data provável de início da impossibilidade pode ser fixada em, pelo menos, a 4 de outubro de 2018.
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Que as limitações de comunicação decorrentes da demência (e da hopoacusia) impedem-na de compreender o alcance da sua audição pessoal pelo Tribunal ou de responder a questões nesse âmbito.
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É recomendável que continue a beneficiar de apoio e cuidados por parte de terceiros e/ou instituição vocacionada para o seguimento deste tipo de casos.
” 5. A sra. juíza a quo, face ao teor desse relatório pericial, notificou as partes para se pronunciarem sobre a eventual dispensa da diligência de audição da requerida/beneficiária, tendo a sua defensora oficiosa informado nada ter a opor a tal, enquanto que o requerente/MºPº se opôs a que tal sucedesse.
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Por despacho de 02/12/2019, a referida sra. juíza a quo decidiu dispensar a audição direta e pessoal da requerida/beneficiária.
Decisão essa que fundamentou nos seguintes termos: “ (…) De acordo com o disposto no art. 891º, nº 1, 2ª parte do CPC, são aplicáveis ao processo especial de acompanhamento o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do Juiz. Nestes processos, e em conformidade com o disposto no art. 987º do CPC, o Tribunal, nas diligências a tomar, não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sendo que só são admitidas as provas que o Juiz considere necessárias (art. 986º, nº 2 do CPC).
A audição pessoal e directa do requerido, prevista no art. 898º do CPC, destina-se a averiguar a sua situação e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas, pressupondo uma afecção que ainda permita uma comunicação eficaz entre o Juiz e o beneficiário.
Considerando o teor do relatório pericial, designadamente quando atesta a incapacidade de comunicação e debilidade física do requerida, que não há divergências entre as partes quanto à situação real em se encontra a beneficiária (extensão da incapacidade e grau de dependência a suprir) e acompanhante a nomear, afigura-se-me, com devido respeito por entendimento contrário, que a diligência da sua audição pelo Tribunal prevista no art. 898º do CPC consubstancia uma diligência inexequível, inútil e desnecessária e, nessa medida, atentatória da integridade pessoal e do direito à reserva da intimidade da vida privada da requerida.
Assim sendo, e ao abrigo do disposto nos arts. 6º, nº 1, 130º e 987º do CPC, decido dispensar a “audição pessoal e directa” da requerida.
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