Acórdão nº 360/18.7T8PBL-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Sumário do acórdão: 1.

Nenhum direito admite uma paralisação no tempo: mesmo que as normas não mudem, muda o entendimento das normas, mudam os conflitos de interesses que se têm de resolver, mudam as soluções de direito, que são o direito em acção.

2. A tarefa de harmonizar jurisprudência numa questão como a tratada no AUJ n.º 4/2013 não é simples, pois a solução adequada depende da correcta consideração de diversas particularidades - não só no plano do regime cambiário aplicável, como no que toca aos contornos da concreta situação - e vários autores formularam diversas críticas e reparos, nomeadamente, pela total desconsideração da diferença entre o regime a aplicar ao aval em título completo e ao aposto sobre título em branco e a total desconsideração pelo tipo operação bancária garantida.

3. Apenas uma adequada e tendencialmente completa configuração da realidade - atentas as soluções plausíveis da questão de direito - possibilitará o juízo sobre a justeza e a razoabilidade do interesse e do direito das partes em litígio.

4. Sob pena de vermos irremediavelmente comprometidos, entre outros, os princípios/ensinamentos enunciados em 1., sacrificando ainda, porventura, uma aplicação do direito normativamente adequada às circunstâncias do caso concreto, perante uma livrança em branco, importará esclarecer, nomeadamente, o circunstancialismo atinente ao vencimento em 16.11.2017 de uma livrança emitida em 07.4.2006 (título executivo) e que teve subjacente um contrato de abertura de crédito em conta corrente de 21.3.1996 (objecto de alteração e aditamento), as circunstâncias ligadas à subscrição do título (v. g.

, o conteúdo/cláusulas do próprio negócio jurídico que o pacto de preenchimento consubstancia e o posicionamento societário dos avalistas), a subsequente cessão de quotas (em 2011 e 2013), a evolução daquele contrato de abertura de crédito (mormente no que concerne ao se e ao quando do financiamento concedido), a resolução do contrato, o preenchimento da livrança e a demais actuação das partes.

* Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Na execução para pagamento de quantia certa movida por C (…)S. A. contra E (…), P (…) e mulher M (…), M (…) e H (…), e outros, instaurada em 23.01.2018[1], aqueles, em 06.7.2018, vieram deduzir oposição à execução por embargos, aduzindo, em síntese: que se vincularam como avalistas da sociedade F (…), Lda., apenas em virtude da qualidade de sócios (desta sociedade) e cônjuges dos mesmos; nas circunstâncias descritas na petição perderam essa qualidade comunicando-o à exequente e, concomitantemente, desvincularam-se das garantias prestadas; ademais, o preenchimento da livrança é abusivo, o contrato de abertura de crédito é nulo por ser indeterminável e a obrigação é incerta, ilíquida e inexigível. Concluíram pela sua absolvição do pedido.

A exequente/embargada contestou, dizendo, nomeadamente, que a vontade de desvinculação dos garantes avalistas não é susceptível de, unilateralmente, produzir efeitos; os executados/embargantes assinaram a livrança e respectivo pacto de preenchimento, aceitando que fosse preenchida em caso de incumprimento das obrigações assumidas; nunca aceitou, a qualquer título, a desvinculação dos embargantes como avalistas da livrança dada à execução e que foi preenchida de acordo com o convencionado; improcede a demais matéria de excepção. Concluiu pela improcedência dos embargos.

Por saneador-sentença de 16.9.2019, a Mm.ª Juíza a quo - depois de concluir que “os autos contêm os elementos necessários à prolação de decisão de mérito” e que a obrigação exequenda é certa (o seu objeto está determinado), líquida (é concreto o montante da prestação) e exigível (a livrança mostra-se vencida) - julgou os embargos de executado totalmente improcedentes, determinando o prosseguimento da execução.

Inconformados, os executados/oponentes apelaram formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - Alegam os embargantes na sua petição inicial, vários segmentos que, para a boa decisão da causa, ter-se-ão que ter em conta, concretamente, a perda da qualidade de sócios, resolução do pacto de preenchimento da livrança, preenchimento abusivo e nulidade da obrigação.

  1. - À presente execução serve como título executivo uma livrança emitida em 2006/4/07, com data de vencimento em 2017/11/16, na importância de € 81 409,65 e subscrita pela sociedade F (…) Lda., declarada insolvente por sentença de 26/10/2016, no processo n.º 1204/16.0TBLRA, do Juízo do Comércio de Leiria.

  2. - Tem por base um contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização múltipla relacionado com a sua gestão corrente, datado de 23/3/1996, objecto de alteração no ano de 2004 e de aditamento em 2006.

  3. - Como garantia do cumprimento do referido contrato de abertura de crédito, o Banco exequente ficou na posse de uma livrança em branco, subscrita pela sociedade F (…), Lda., e com a assinatura de aval dos sócios e respetivos cônjuges.

    Foi apenas e só nessas qualidades e por causa dessas qualidades de sócios e cônjuges dos mesmos, que tal aval foi efetuado.

  4. - Os aqui executados/recorrentes (sócios, cônjuges e ex-cônjuges) apuseram a sua declaração de aval na livrança em branco subscrita pela sociedade, porque o financiamento era necessário para a prossecução da atividade da mesma, o que lhe interessava atenta a sua qualidade de sócios, e enquanto sócios estavam legitimados e consequentemente asseguravam-se que a sociedade estava a ser gerida de modo a honrar os seus compromissos financeiros assumidos com a exequente.

  5. - Conforme melhor se alcança pela informação do registo comercial relativa à matrícula com o n.º (...) , respeitante à sociedade F (…), Lda., os recorrentes E (…), P (…) e mulher M (…), em 23/6/2011 procederam à amortização e à cessão das respetivas quotas sociais que à data possuíam na respetiva sociedade; e a aqui executada/recorrente M (…), em 02/10/2013 transmitiu por cessão a quota de que era titular e que à data detinha na mesma sociedade.

  6. - Desde 23/6/2011 que os executados E (…), P (…) e mulher deixaram de ter qualquer participação social ou ligação à sociedade F (…), Lda., e desde 02/10/2013 que os executados M (…) e ex-cônjuge deixaram de ter qualquer participação social ou qualquer outra ligação à dita sociedade.

  7. - À data em que se desvincularam da sociedade F (…), Lda., - Junho de 2011 e Outubro de 2013, respectivamente -, não existia qualquer montante em débito à exequente C(…).

  8. - Logo após terem perdido a qualidade de sócios na referida sociedade, ou seja, após as respetivas amortizações e transmissões das suas quotas sociais e nas qualidades em que intervieram (sócios, cônjuges e ex-cônjuges) que os executados comunicaram tais factos à exequente/recorrida C(…), verbalmente e por escrito, tendo entregue em simultâneo à exequente documentos comprovativos de tal desvinculação - cópia do respetivo documento notarial, do respetivo documento escrito e da certidão comercial da sociedade devidamente actualizada com os respetivos registos efetuados.

  9. - Com a referida comunicação e em simultâneo, os ex-sócios e respetivos cônjuges e ex-cônjuges da sociedade subscritora da livrança que suporta a presente execução, comunicaram à exequente/recorrida C(…) a sua desvinculação das garantias que haviam prestado à sociedade F (…), Lda., enquanto sócios da mesma, sendo certo e como era e é do conhecimento da exequente, tais garantias prestadas pelos aqui recorrentes só o foram porque estavam diretamente ligados, relacionados e faziam parte dos corpos sociais da sociedade.

  10. - O facto de terem cedido as suas quotas e de terem perdido assim, a sua qualidade de sócios, fez com que deixassem de poder influenciar a gestão da sociedade e consequentemente de poderem assegurar-se que a mesma estava a ser gerida de modo a honrar os seus compromissos, nomeadamente, os financeiros - deixaram de conhecer por completo o modo de gestão e os negócios da sociedade e, principalmente, de ter controle e conhecer o seu nível de endividamento perante a recorrida e restantes credores.

  11. - Porque houve uma alteração e modificação das circunstâncias em que fundaram a decisão de prestar garantia de aval à sociedade subscritora da livrança, legitimamente os recorrentes se desvincularam do pacto de preenchimento da letra em branco, situação oportunamente comunicada à recorrida pelos recorrentes, bem como pelos seus mandatários em Agosto/2016, quando a exequente comunicou aos recorrentes o incumprimento da sociedade insolvente F (…), Lda., e em Dezembro/2017.

  12. - Ora, nos contratos de abertura de crédito em conta corrente, subjacentes à emissão das livranças em branco, raramente existe uma cláusula a regular os casos de cessão da participação social por parte dos sócios.

  13. - No caso nem sequer sabemos se no contrato inicial de abertura de crédito em conta corrente existe ou não, alguma cláusula respeitante a casos de cessão das participações sociais. Foi requerido que a exequente viesse juntar aos autos tal contrato datado de 27/3/1996 e esta não o entregou, tendo mesmo confessado até que, dada a antiguidade de tal contrato (1996) “não tem sido possível localizá-lo”.

  14. - Tratando-se de financiamentos com entregas de montante variável e indeterminado, como é o caso, a faculdade de resolução do pacto de preenchimento deve ser reconhecida através da integração do conteúdo negocial conforme o disposto no art.º 239 do Código Civil (CC).

  15. - Perante a lacuna, a lei manda atender à vontade hipotética das partes e aos ditames da boa fé - trata-se pois de uma faculdade reconhecida ao sócio-cedente por integração do acordo de preenchimento segundo a vontade hipotética das partes e os ditames da boa fé impostos pelo art.º 239 do CC.

  16. - O preenchimento da livrança é abusivo - os elementos constantes na livrança dada à execução, tendo em conta a desvinculação dos executados, foram nela apostos contrariando tal desvinculação.

    18 - Nos termos do art.º 10 da Lei Uniforme, também aplicável às...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT