Acórdão nº 42/19.2T8SRT-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelLUÍS CRAVO
Data da Resolução19 de Maio de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Proc. nº42/19.2T8SRT-B.C1[1] Apelações em processo comum e especial (2013) * Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[2] * 1 – RELATÓRIO M (…), nascida em 18.04.1968, instaurou no Juízo de Competência Genérica da Sertã / T.J. da Comarca de Castelo Branco, em 12.02.2019, ação de investigação de paternidade contra J (…), pedindo que, na procedência da ação, deve ser ordenada a perfilhação dela A. pelo Réu, e que mais seja ordenada a «realização de perícia hematológica entre a A. e R.».

Alegou, em síntese: a sua mãe manteve uma relação com o R., durante longos anos, de forma exclusiva por parte da mesma, no contexto do que mantiveram relações sexuais com total exclusividade, nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam e de que resultou o nascimento da A., sucedendo que por essa relação ser extra-conjugal para o R., este não quis assumir essa paternidade, não mais mantendo a relação com a sua progenitora, deste modo ela A. desconhecendo quem era o seu pai até ao presente, momento em que a progenitora lhe revela quem é o seu pai, relatando-lhe toda a sua história, sendo certo que não o fizera antes por não querer que a filha sentisse a rejeição, e que ela A. vive atualmente «angustiada e depressiva com o facto de ter tomado conhecimento de que o R. nunca assumira a paternidade, obrigando-a a passar por momentos depressivos ao longo da sua vida por ser filha de pai incógnito».

* O Réu contestou, impugnando a generalidade dos factos invocados na petição inicial (p. i.) e invocando a caducidade do direito de a A. investigar a sua pretensa paternidade como filha do Réu. Concluiu pela procedência da dita exceção e a improcedência da ação.

* A A. replicou sustentando, designadamente no que à exceção de caducidade dizia respeito, que desconhecia até data recente à propositura da ação, a relação que esteve na origem da sua conceção, donde deveria ser considerada não provada e improcedente a contestação apresentada.

* Tendo sido dispensada a realização de audiência prévia, em 1.10.2019 a Mm.ª Juíza a quo proferiu o seguinte “despacho-saneador”: «(…) Despacho saneador: O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo não enferma de nulidade total.

As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, assistindo-lhes legitimidade e não se verificando irregularidades de representação.

Não existem outras excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa, relegando-se para conhecimento final a matéria de excepção aduzida.

O estado dos autos não habilita a proferir imediata e conscenciosa decisão.

Objecto do lítigio.

Da filiação da Autora, concomitantemente, da paternidade do Réu .

Meios de prova Defiro à realização de perícia hematológica na pessoa do Réu, a realizar pelo IML.

Notifique.

Após, será designada data para julgamento.» * Notificado desse despacho, mais concretamente sobre o seu segmento através do qual se deferiu a “perícia hematológica”, o Réu apresentou em 14.10.2019 “Reclamação”, a qual concluiu nos seguintes termos: «Termos em que se requer a V. Exa. se digne revogar o despacho proferido a 1 de Outubro de 2019, e substituí-lo por outro que: a) não determine a realização da perícia hematológica na pessoa do RÉU; b) julgue a excepção da caducidade do direito da acção e, em consequência, absolva o RÉU da instância.» * Esta “Reclamação” veio a ser apreciada e decidida por despacho proferido em 04.01.2010, o qual foi no sentido do indeferimento da mesma.

* Por outro lado e paralelamente, o Réu apresentou em 21.10.2019 recurso de “apelação” contra o dito despacho de 1.10.2019, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: (…) Termos em que se requer a V.as Ex.as se dignem: A) Atribuir efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos do n.º 4 do artigo 647.º do CPC, com dispensa do pagamento de caução; ou, Caso assim não se entenda, Admitir a prestação de caução pelo ora Recorrente no valor de € 1.700,00 (valor referente ao encargo com a perícia cuja decisão de deferimento vai ora impugnada), através de depósito autónomo à ordem dos autos, para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 647.º do CPC; B) Dar provimento ao presente recurso e, em consequência: Absolver o Réu, ora Recorrente, da instância, por verificação da excepção de caducidade do direito de acção; ou Caso assim não se entenda, Revogar o despacho proferido a 1 de Outubro de 2019, e substituí-lo por outro que determine o prosseguimento dos autos com produção da prova requerida pelo ora Recorrente.

NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS: Artigos 18.º, n.º 2, e 25.º, n.º 1, da Constituição; artigos 333.º, n.º 1, 1817.º, n.º 1, e 1837.º do Código Civil; 467.º e seguintes do CPC.» * Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

* Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso – o qual foi admitido com subida imediata, em separado, e com efeito suspensivo, este último decretado após ter tido lugar a prestação de caução – cumpre apreciar e decidir.

* 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte: - junção de documento na fase do recurso (como questão prévia); - desacerto da decisão consistente em ter sido deferida a “perícia hematológica” na pessoa do R., sem prejuízo de que «existe nos autos uma questão prévia de conhecimento oficioso que prejudica o prosseguimento dos autos – a caducidade do direito de acção da Autora, ora RECORRIDA», sendo certo que «A excepção já foi alegada na Contestação e reiterada em sede de reclamação apresentada perante o Tribunal a quo em 14 de Outubro de 2019, apesar do seu conhecimento ter sido relegado para final em sede de despacho saneador», pois que «O RECORRENTE considera que existe nos autos prova suficiente que permite desde já conhecer a excepção de caducidade do direito de acção da RECORRIDA (o que levaria à absolvição do RECORRENTE da instância e à consequente inutilidade do exame hematológico determinado)».

* 3 – QUESTÃO PRÉVIA Cabe apreciar se deve ser admitido o documento junto pelo Apelante com as suas alegações.

Na verdade, com a apresentação das alegações recursivas, o R./recorrente junta 1 (um) documento, a saber, um documento contendo “literatura científica produzida pela ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE”, tendente a evidenciar que os riscos da flebotomia que acabara de invocar no corpo das alegações, encontravam aí acolhimento.

De referir que para justificar a sua junção apenas com as alegações de recurso, o R./recorrente nada de concreto e expresso aduziu, ao que se intui por nem sequer ter sentido necessidade de o fazer.

Quid iuris? Estabelece o nº 1 do art. 651º do n.C.P.Civil aplicável que «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».

Por sua vez, prescreve o art. 425º: «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento».

Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do n.C.P.Civil e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (i) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (ii) ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.

Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira...

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