Acórdão nº 2510/19.7T8CBR-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | BARATEIRO MARTINS |
Data da Resolução | 18 de Maio de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Insolvência De um só dos ex-cônjuges Modo de apreender os bens Citação do ex-cônjuge para declarar se aceita a comunicabilidade das dívidas Citação do ex-cônjuge para requerer a separação de meações 1 – Durante a pendência do casamento, em insolvência de um só dos cônjuges, só os próprios e concretos bens comuns (e nunca a meação, uma vez que, enquanto há casamento, esta não passa duma situação jurídica ideal) podem ser apreendidos.
2 – Após a dissolução do casamento (após a cessação das relações patrimoniais, cfr. art. 1688.º do C. Civil), é a meação no património comum (em insolvência de um só dos ex-cônjuges) que, em princípio, deve ser apreendida (cfr. arts. 781.º e 743.º/1 do CPC).
3 – Porém, nas hipóteses em que há concretos bens do património comum dados por ambos para garantir dívidas da responsabilidade dos dois ex-cônjuges, também tais concretos bens (e não a meação no património comum) podem/devem ser aprendidos na insolvência de apenas um dos ex-cônjuges.
4 - Efetuada tal apreensão (nos próprios bens), tem o ex-cônjuge (do devedor/insolvente) que ser citado (aplicando-se com as necessárias adaptações o art. 741.º do CPC) para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida assim como a garantia/hipoteca (e não que ser citado para requerer a separação de bens, nos termos do art. 740.º/1 do CPC).
5 – Após o que, uma de duas: ou, vindo a dívida a ser considerada comum, a apreensão se mantém sobre os próprios bens (que serão liquidados na totalidade); ou, não sendo a dívida considerada comum e não subsistindo em relação a ela a garantia, a apreensão tem que ser considerada como incorretamente efetuada, devendo a mesma ser retificada, levantando-se a apreensão sobre os próprios bens e passando a mesma a incidir sobre a meação (do devedor/insolvente) no património comum.
Apelação n.º 2.510/19.7T8CBR-C.C1 Comarca de Coimbra – Secção de Comércio F (…), com os sinais dos autos, veio, por apenso aos autos de insolvência de C (…), intentar a presente ação de separação de bens contra a Massa Insolvente, a Devedora e os Credores, tendo em vista que seja determinada “a separação da meação do autor nos bens comuns supra referidos, liquidando-se na insolvência apenas a meação nos mesmos da devedora insolvente ou, a não ser assim, liquidando-se na insolvência a totalidade dos bens comuns não partilhados do dissolvido casal do autor e da devedora insolvente e revertendo para o autor metade do produto da venda efetuada em tal liquidação” Alegou para tal que foi casado com a insolvente, casamento entretanto dissolvido por divórcio; e que, na constância do casamento, compraram os 3 prédios (2 imóveis urbanos e 1 imóvel rústico) apreendidos para a massa insolvente, que ainda não haviam partilhado.
Mais refere que “os créditos hipotecários da responsabilidade comum do dissolvido casal – que oneram com hipotecas os 3 imóveis – foram objeto de verificação na insolvência e no valor total de 60.757,59€”[1]; que, pelos créditos da devedora insolvente, “respondem os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns do dissolvido casal que aquela compunha com o autor, mas não a meação deste em tais bens comuns”[2], razão pela qual se “impõe a separação da meação do autor nos bens comuns referidos, liquidando-se na insolvência apenas a meação nos mesmos da devedora insolvente ou, a não ser assim, liquidando-se na insolvência a totalidade dos bens comuns não partilhados do dissolvido casal do autor e da devedora insolvente e revertendo para o autor metade do produto da venda efetuada em tal liquidação.
[3]” Foram citados editalmente os credores e pessoalmente a massa insolvente e a devedora, não tendo sido apresentada qualquer oposição, vindo, porém, o Administrador Judicial dizer que “notificado do pedido de separação da meação do ex-cônjuge da insolvente nos bens comuns, onde se admite que a liquidação possa efetuar-se no presente processo, manifesta a sua concordância por considerar tal solução mais consentânea com a valorização da venda dos bens em causa.” Conclusos os autos, a Exma. Juíza, entendendo estar já em condições de decidir, passou a fazê-lo, tendo proferido sentença, em que “julgou improcedente a presente ação especial para separação de bens, devendo os referidos bens permanecer apreendidos para a massa insolvente, respondendo, contudo, o produto da sua venda exclusivamente pelas dívidas comuns dos cônjuges, e sendo o eventual (e improvável) saldo positivo (remanescente existente se o valor da venda exceder o montante das dívidas comuns) dividido pelos cônjuges.” Inconformado com tal decisão, interpõe a A. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que ordene a separação da meação do autor nos bens comuns, liquidando-se na insolvência apenas a meação nos mesmos da devedora insolvente.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: (…) B ) Como se refere no Acórdão do T. R. de Lisboa de 24 - 05 – 2018 (…): «Como se entendeu no acórdão da Relação de Guimarães de 19/05/2016, “de acordo com o disposto no art. 159º do CIRE (...) verificado o direito à restituição ou separação de bens indivisos, ou verificada a existência de bens de que o insolvente seja contitular, só se liquida no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre esses bens (...)” No já mencionado acórdão da Relação de Coimbra de 24/09/2013, pode ainda ler-se: “Em caso de venda do direito da meação do insolvente no património comum do ex-casal, a hipoteca não é afetada, porque não é o imóvel sobre o qual a mesma incide que é vendido. Quem adquire tal direito adquire uma parte do património comum no qual se integra um imóvel hipotecado. Apesar do direito passar para outro titular, o bem imóvel hipotecado continua a responder pela satisfação do crédito garantido, pois tal resulta da natureza da hipoteca enquanto direito real de garantia e da sequela que lhe anda associada”» C) Nas palavras de Carvalho Fernandes e João Labareda (…) , «Estão, com efeito, em causa, por um lado, a verificação do direito de restituição ou separação de bens indivisos e, por outro la do, a existência de bens de que , por qualquer título, o insolvente seja apenas contitular.
Em ambos os casos , só se liquida no processo o direito que o insolvente tenha sobre os bens, ou seja, só esse direito é alienado » . Ademais , D) A Sentença recorrida e interpretação diversa da norma do art. 159.º do CIRE, permitindo-se que se execute num processo património de quem nele não é parte, não é ouvido, nem tido nem achado, sendo como que um insolvente por arrastamento, viola e atenta claramente princípios e regras basilares de contraditório e contraditoriedade, contra a esfera e os direitos patrimoniais do autor / requerente e contra qualquer espécie de processo justo e equitativo e de acesso ao direito e aos tribunais, princípios e direitos previstos no art. 20.º, n.º s 4 e 5, ínsitos ainda no princípio do Estado de Direito Democrático previsto no art. 2.º, todos da CRP. (…)” Não foi apresentada qualquer resposta.
Dispensados os vistos – mantendo-se a regularidade da instância – cumpre, agora, apreciar e decidir.
* II – Elementos Factuais com Relevo 1.º - F (…) e a devedora/insolvente C (…) foram casados e encontram-se divorciados; 2.º - Na constância de tal casamento, entretanto dissolvido, compraram a C (…) e marido F (…) e a M (…) e marido M (…) (aquisições inscritas nas respetivas descrições registrais pela AP. 5 de 2001/11/16) os seguintes bens: - o prédio urbano sito em (...), União das Freguesias de (...) do Concelho de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3559 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 290, da referida freguesia ( ...); - o prédio urbano sito em (...), União das Freguesias de (...) do Concelho de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3560 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1753, da referida freguesia ( ...); - o prédio rústico sito em (...), União das Freguesias de (...) do Concelho de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3561 e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 3561, da referida freguesia ( ...) - cfr. auto de apreensão; 3º - Tais imóveis foram penhorados no âmbito da execução a correr termos sob o nº 3364/18.6T8CBR do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Juízo Execução - Juiz 1 em que é exequente, Banco Comercial Português, S.A. e executados o aqui autor e a aqui insolvente; 4.º - Tais imóveis constituem a integralidade dos bens comuns do dissolvido casal composto que foi pelo autor e pela devedora insolvente, não foram objeto de partilha e encontram-se apreendidos no âmbito da insolvência; 5.º - Os créditos hipotecários da responsabilidade comum do dissolvido casal – que oneram com hipotecas os imóveis referidos – foram objeto de verificação na presente insolvência e com efeitos nesta no valor total de 60.757,59 €; 6º - Foram reconhecidos no Apenso A os seguintes credores, num passivo total de € 67.253,69: - B (…) S.A.; - I (…), Lda.; -C (…); - G (…) S.A.; -Fazenda Nacional representada pelo Ministério Público com privilégio creditório imobiliário especial (por IMI) sobre os referidos imóveis.
7.º - O A., na pessoa do seu mandatário, foi pelo Administrador de Insolvência citado, em 11/10/2019, para, “conforme o estatuído no art. 740.º/1 do CPC, vir requerer, querendo, no prazo de 20 dias a separação de bens ou juntar certidão comprovativa de assim ter requerido”, acrescentando-se que “mais se consigna que, caso nada diga no prazo indicado, a apreensão, seguida de liquidação, prosseguirá nos referidos bens comuns, na sua totalidade” * III – Direito Diz o A./apelante, no art. 6.º da sua PI, que, na sequência da citação referida no ponto 7.º dos factos, vem “requerer a presente...
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