Acórdão nº 760/19.5T8ACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução18 de Maio de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

PEAP/PER Âmbito subjetivo do PER Âmbito subjetivo do PEAP Aprovação do Acordo de Pagamento Créditos que não conferem direito de voto Princípio da igualdade no PEAP Matérias de conhecimento oficioso 1 - O PER é restrito às empresas e o PEAP é reservado aos devedores não titulares duma empresa, ou seja, aplicando a noção constante do art. 5.º do CIRE, o PEAP é reservado aos devedores que não sejam titulares duma qualquer organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica.

2 - Não é o caso – não sendo o PEAP o meio processual próprio – de devedores que exploram uma estufa de flores, organização em que, conforme referem, têm “um enorme volume de faturação, com contabilidade organizada” e empregados.

3 - Efetivamente, consagrando o art. 5.º do CIRE uma aceção objetiva de empresa, é indiferente para o CIRE a realidade jurídica que a empresa configura, não deixando de haver empresa por ela não se ter constituído como um sujeito jurídico autónomo.

4 - É de aplicar a limitação constante do art. 212.º/2/a) do CIRE à aprovação do acordo de pagamento, o que significa que os credores cujos créditos não hajam sido modificados pela parte dispositiva do acordo de pagamento não têm direito de voto sobre a proposta do acordo de pagamento.

5 – Pretendendo evitar-se com tal art. 212.º/2/a) do CIRE que os credores que não são afetados imponham o Plano/Acordo aos credores afetados, não podem bastar pequenas alterações (nos juros e nos prazos de pagamento) para se dizer que o crédito foi modificado (sob pena de bastarem pequenas alterações para defraudar a lei).

6 - Em relação a um Acordo de pagamento que prevê o pagamento da totalidade dum crédito, no montante global de € 446.528,34, deve entender-se que, em substância, tal crédito não foi modificados pelo Acordo, não tendo o respetivo titular/credor direito de voto.

7 – Num mesmo Acordo de pagamento (estando em causa débitos pessoais dos devedores e duma empresa dos devedores), o princípio da igualdade não pode ter uma “geometria variável”, ou seja, não se pode dizer, no confronto entre credores hipotecários, que cada um receberá de acordo com a solidez das suas diferentes garantias hipotecárias e depois, no confronto com os credores comuns, proceder como se a garantia menos sólida não existisse e dizer que o princípio da igualdade é respeitado por todos – tal credor hipotecário com uma garantia menos sólida e os restantes credores comuns – receberem o mesmo.

8 – As disposições do CIRE que fixam os quóruns indispensáveis para que uma deliberação se considere aprovada constituem exemplos de “normas procedimentais cuja violação não é negligenciável”, pelo que a circunstância da violação de tais disposições não ter sido suscitada por um qualquer credor, nos 10 dias previstos no art. 222.º-F/2 do CIRE, não impede que se possa/deva dela conhecer oficiosamente.

9 – Identicamente, é também de conhecimento oficioso, nos termos do art. 215.º do CIRE, a apreciação do conteúdo do Acordo/Plano à luz do princípio da igualdade constante do art. 194.º do CIRE.

Rel.: Barateiro Martins; Adjs.: Arlindo Oliveira e Emídio Santos 760/19.5T8ACB.C1 Comarca de Leiria – Comércio de Alcobaça Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório O (…) e E (…), com os sinais dos autos, vieram requerer processo especial para acordo de pagamento (PEAP).

Nomeado administrador judicial provisório, cumprida a demais tramitação e concluídas as negociações, veio a ser apresentado acordo de pagamento, tendo votado contra, entre outros, a C (…) CRL.

Remetido o acordo de pagamento ao tribunal, este, conclusos os autos, proferiu decisão a homologar tal acordo de pagamento.

* Inconformada com tal decisão homologatória, veio a referida C (…) interpor recurso, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que recuse a homologação do acordo de pagamento apresentado.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: “ (...) 1- O credor M (…) não devia ter sido admitido a votar o Acordo de Pagamentos apresentado, já que o seu crédito não foi nele modificado, no seu núcleo essencial, e que foi o da intangibilidade do capital em dívida, o qual, contrariamente ao que sucedeu aos demais credores, com exceção dos que revestem natureza privilegiada, não foi objeto de qualquer redução; 2- Segundo o disposto no n.º 2, al. a) do artigo 212.º do CIRE, não conferem direito de voto os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano; 3- A violação desta regra procedimental corresponde a um vício de natureza formal, consubstanciado na violação de uma norma que regula o formalismo que deve ser observado na votação do Acordo; 4- Ao aceitar como regular, não o tendo desconsiderado, para efeitos de apuramento do quorum de votação, o voto do credor M (…), a decisão em recurso violou o disposto nos artigos 212.º, n.º 2, al. a) e 215.º do CIRE; 5- Na parte em que trata de forma desigual os créditos de dois credores que estão assegurados por direitos reais de garantia, a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 215.º e 194.º do CIRE; 6- Efetivamente, ao aceitar que em relação a tais créditos, dispondo ambos de garantias reais, o da recorrente fosse extinto na percentagem de 40%, mantendo-se incólume o do B (…) aceitou que fosse tratado de forma desigual dois créditos de idêntica natureza; 7- A postergação do princípio da igualdade apenas é possível se justificada por razões objetivas, não sendo suficiente para a diferenciação feita, a divisão da esfera pessoal dos devedores da sua esfera profissional ou da atividade a que se dedicam, ou seja, entre créditos pessoais e créditos da atividade a que se dedicam; 8- Os créditos assegurados por garantias reais, independentemente da sua finalidade, deviam ter tido igual tratamento, o que não sucedeu no caso; 9- O perdão de 40% imposto a alguns credores, como correspondendo ao montante do prejuízo sofrido por tempestade, que assolou a região, representa transferir para os credores o ónus e o sacrifício da perda havida, sem que os devedores assumam, ou partilhem, qualquer parcela desse prejuízo; 10- Também nesta parte, é nítida a violação de normas aplicáveis ao conteúdo do Acordo, o que se concretiza em violação de normas ou princípios que regulam diretamente o seu conteúdo, como o são as da equidade, equilíbrio contratual e da boa fé na celebração do contrato; 11- Ao homologar o Acordo, sem atender à tutela e proteção das normas que concretizem esses princípios, concretamente as dos artigos 227.º e 334.º do Código Civil, sem que os respetivos titulares nisso tivessem consentidos ou renunciado à tutela de que gozam, o M.º Juiz a quo pô-las em causa, assim violando o disposto no artigo 215.º do CIRE.

12- Não atendeu também a decisão recorrida, à circunstância de a credora recorrente ficar, segundo as disposições do Acordo, em situação menos favorável do que a que existia sem ele, como é ostensivo que fica quer em termos de remuneração do seu crédito, dez vezes menos da que foi pedida em execução intentada, e em termos de prazo de reembolso, que é alongado em dezoito anos, com o que se violou, na decisão em recurso, o disposto no nº 1, al. a), do artigo 216.º, do CIRE. (…)” Os devedores responderam, sustentando, em síntese, que a sentença homologatória deve ser mantida nos seus precisos termos.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões[1].

(…) Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II – Quanto à regularidade da instância A instância deve considerar-se como regular, uma vez que a irregularidade processual existente já não pode ser conhecia e declarada.

É muito evidente (daí não devermos aqui omiti-lo) que há um erro na forma de processo – foi usado o PEAP, quando o meio próprio era o PER – porém, embora se trate duma nulidade de conhecimento oficioso (cfr. art. 196.º do CPC), não pode a mesma ser neste momento conhecida e declarada (cfr. art. 200.º/2 do CPC).

Efetivamente, dispõe-se nos n.º 2 e 3 do art. 1.º do CIRE: “2 - Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, a empresa pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização (PER), de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-J.” “3 - Tratando-se de devedor de qualquer outra natureza em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, este pode requerer ao tribunal processo especial para acordo de pagamento (PEAP), previsto nos artigos 222.º-A a 222.º-J.” O que significa que, em termos subjetivos, o PER é restrito às empresas (e, pela negativa, não se aplica a quem não tiver o estatuto de empresa) e o PEAP é reservado aos devedores que, pelo seu estatuto subjetivo, não podem lançar mão do PER[2].

Com refere Maria do Rosário Epifânio[3], “(…) o PEAP aplica-se a devedores não titulares duma empresa, ou seja, não titulares de qualquer organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica”.

Na verdade, o CIRE prevê uma noção de empresa, para efeitos de tal diploma legal (e naturalmente aplicável ao PER e ao PEAP), segundo a qual empresa é “toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica” (art. 5.º do CIRE).

É pois irrelevante/indiferente, para o CIRE, a realidade jurídica que uma empresa constitui, sendo a mesma “encarada essencialmente como objeto de direitos por parte do empresário, desvalorizando-se a circunstância de, no plano sócio-jurídico, configurar um centro autónomo de congregação de interesses de várias categorias de sujeitos (…)”[4].

Como refere Coutinho de Almeida[5], no direito, as empresas revelam-se hoje numa aceção em sentido subjetivo (empresas como sujeitos jurídicos que exercem uma atividade económica) e em sentido objetivo (empresas como instrumentos ou estruturas produtivo-económicas objetos de direitos e de negócios), correspondendo a esta segunda aceção a noção constante do art. 5.º do CIRE.

Sendo...

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