Acórdão nº 9521/18.8T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelFERNANDO MONTEIRO
Data da Resolução05 de Maio de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação nº 9521/18.8T8CBR.C1 Sumário: Para efeitos de determinação da direção efetiva do veículo, nos termos e para os efeitos do art.º 503.º, n.º 1, do Código Civil, devemos atender aos poderes de facto concretamente exercidos pelos implicados e à sua incidência na esfera do risco envolvida no acidente.

No demais contexto do caso, se o proprietário contratou a limpeza do veículo e, por não estar disponível a esperar, solicita à funcionária que o estacione depois no parque, entregando-lhe as chaves daquele, a sua direção ainda se mantém no proprietário, quem assume o risco para a limitada manobra.

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: L (…), instaurou ação contra A (…), pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 12.185,15, acrescida de juros de mora.

A Autora alega, em síntese: Celebrou com E (…), Lda., um contrato de seguro do ramo automóvel nos termos do qual assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo com a matrícula PS (...).

No dia 10 de março de 2017, cerca das 10h15, o veículo seguro na autora interveio num acidente de viação no parque de estacionamento do Hospital da Universidade de Coimbra.

No local existe uma oficina de lavagem à data propriedade e explorada pela ré.

Por indicação da proprietária do veículo seguro, o seu funcionário entregou o veículo nas instalações da ré, para que esta procedesse à sua lavagem.

A funcionária da Ré, após ter concluído tal tarefa, conduziu o veículo para o exterior das instalações, com o intuito de o estacionar, vindo a causar o acidente.

Do embate resultaram danos em vários veículos, indemnizados por si.

Entre a Ré e a segurada da autora foi celebrada uma empreitada.

A Ré contestou, em síntese: Depositado o veículo no espaço de lavagem pelo sócio da sociedade proprietária daquele, por solicitação do mesmo, por nisso ter interesse e lhe ser conveniente, a funcionária ficou encarregada, por obsequiosidade, de guiar o veículo para o parque de estacionamento próximo, onde o primeiro iria mais tarde buscá-lo.

A Ré dedica-se à atividade de apoio à pessoa com deficiência mental, ministrando programas de formação profissional para pessoas com deficiência ou incapacidade.

A Lavagem Auto é um desses locais de formação profissional, no qual a Ré coloca os seus formandos para aí receberem formação prática nessa área.

O serviço contratado por quem lá se desloque é o de mera lavagem automóvel.

O procedimento padrão é o seguinte: o cliente chega com o veículo ao local de lavagem e, caso não esteja nenhum outro veículo a ser lavado, coloca o carro para lavar e aguarda a conclusão do serviço. Findo o serviço, o proprietário do veículo retira o carro. Caso a lavagem já esteja ocupada por outro veículo, o cliente aguarda a sua vez. Porém, acontece que, ou porque já se encontra um veículo a ser lavado ou porque sendo os clientes da empresa de lavagem muitas vezes funcionários do hospital, que vão permanecer no hospital algum tempo, estes questionam a funcionária da Ré se podem deixar o veículo, entregando-lhe as chaves, para que esta depois proceda à sua lavagem.

No caso, o proprietário do veículo seguro, médico nos HUC, dirigiu-se à lavagem explorada pela ré e depositou o veículo para que se procedesse à respetiva lavagem. Porque ia trabalhar, entregou as chaves à funcionária, tendo-lhe pedido que, após a conclusão do serviço, colocasse o veículo no estacionamento.

Esta colocação do veículo no estacionamento só acontece a pedido expresso feito no interesse e conveniência do proprietário.

Os funcionários da ré, se o fizerem, fazem-no apenas por cortesia e para atender a um pedido do cliente, extravasando as funções que desempenham para a ré.

Na lavagem está em causa um contrato de prestação de serviços inominado e não, como alega a autora, um contrato de empreitada, incluindo um depósito durante o período em que decorre a limpeza. O lugar da restituição é o local do depósito.

Só por conveniência e interesse do proprietário, este não fez o levantamento do veículo no Centro, solicitando expressamente à funcionária que lhe fizesse o favor de o colocar noutro local.

* Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

* Inconformada, a Autora recorreu e apresenta as seguintes conclusões: I. A Recorrente L (…), S.A.” interpôs o presente recurso por entender que a Meritíssima Juiz a quo não efetuou uma correta apreciação da prova produzida, nem efetuou uma correta aplicação do direito.

  1. A Recorrente não concorda com a resposta dada à matéria de facto constante dos pontos 13 e 47 da sentença, designadamente ao julgar provado a existência de uma solicitação ou pedido de favor por parte do representante da proprietária do veículo PS para estacionar o veículo no pós-lavagem.

  2. De facto, e tendo por referência a prova testemunhal produzida, conjugada com as regras da experiência comum, impõe-se a alteração da decisão da matéria de facto vertida nesses pontos, já que as respostas enfermam de erro de julgamento na apreciação da prova, impondo-se alteração da decisão.

  3. A decisão recorrida viola o disposto no artigo 483.º, no n.º 1 do artigo 503.º, nos artigos 798.º e 1207.º, todos do Código Civil, impondo-se, pois, a solução oposta.

  4. Com interesse para a presente questão, foram considerados assentes, entre outros, os factos 10, 11, 12, 35, 36, 37, 38, 39 e 40 da matéria de facto provada.

  5. A Meritíssima Juiz de 1.ª instância considerou – entendimento com o qual não concordamos – que resultou demonstrado que a condução do veículo PS para fora das instalações da Ré foi feita: “13. […] por solicitação do sócio da sociedade proprietária do veículo, autorizada para o efeito, no interesse e por conveniência daquele (substituindo-se-lhe) e por mera cortesia; 47. Porque ia trabalhar, entregou as chaves à funcionária (…), tendo-lhe pedido expressamente que, após a conclusão do serviço, colocasse o veículo no estacionamento;” VII. Salvo melhor opinião, atendendo à prova produzida nos autos (testemunhal), impõe-se, naturalmente, a alteração da resposta à matéria de facto constante dos pontos 13 e 47 da sentença proferida e, consequentemente, a revogação da sentença recorrida e substituição por outra que faça uma correta apreciação da prova produzida.

  6. Os referidos pontos referem-se à questão da titularidade da direção efetiva do veículo, nomeadamente da alegada solicitação ou cortesia adotada por parte da testemunha (…) em relação ao representante/sócio da proprietária do automóvel PS, bem como da posterior qualificação jurídica dos atos ou função exercida em concreto pela Ré no mencionado Centro de Lavagem auto.

  7. Relativamente à alegada solicitação do representante da proprietária do veículo para, após a finalização do serviço, a funcionária (…) colocar o veículo no parque de estacionamento, verificamos que o Tribunal a quo formou a sua convicção quanto à matéria, quase exclusivamente, tendo por base o depoimento da aludida testemunha (…), o qual se revelou interessado, insuficiente e incongruente com as regras da experiência comum e do normal acontecer.

  8. Interessado porque a testemunha é funcionária da Ré há 32 anos, ao que acresce o facto de a mesma ser a condutora do veículo que despoletou todo o acidente em discussão nos autos, não lhe sendo de todo indiferente o desfecho da causa; Insuficiente porque o Tribunal a quo dá como provada a alegada solicitação sem recorrer ao testemunho e confirmação de tal por parte do alegado solicitador, para uma efetiva apreensão do facto; Incongruente porque a afirmação que a tarefa de retirar veículos do Centro de Lavagem e estacionar os mesmos não faz parte das funções da funcionária, tratando-se de um mero favor, não se coaduna com a lógica resultante da experiência comum e do normal acontecer, uma vez que tal pressuporá à inexequibilidade das tarefas que a mesma prossegue, colocando a Ré na dependência de instruções dos seus clientes para prestar o seu serviço.

  9. No que respeita à alegada solicitação, houve sempre a “preocupação” da testemunha em realçar que a remoção de veículos do espaço de lavagem não consta das suas tarefas nem faz parte do contratualizado pela Ré, sem tal lhe ser diretamente questionado, denotando falta de espontaneidade e interesse em dirigir o depoimento para aspetos em particular.

  10. O Tribunal a quo, analisando o depoimento da testemunha (…), refere que um médico dos HUC dirigiu-se ao espaço da Ré para que lhe procedessem à limpeza do veículo PS, tendo colocado o veículo no espaço de lavagem da Ré e questionando, alegadamente, se no final da mesma poderia colocar o veículo no estacionamento dos HUC, afirmação que nos deixa perplexos, pois se a arrumação do veículo constitui um mero favor ou cortesia, mal se compreende como poderá a Ré laborar na eventualidade de não haver solicitação para remoção do veículo no pós lavagem, ficando o veículo imobilizado até o seu proprietário dar ordem em contrário.

  11. Se a tarefa de remoção de automóveis do interior do Centro de Lavagem não fizesse parte das tarefas da Ré, a mesma estaria objetivamente impedida de lavar e limpar outros carros e prosseguir a sua atividade, o que atenta contra as regras da experiência comum, pois estas não permitem extrair aquele facto, por desconforme à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil.

  12. A Ré dedica-se à limpeza, aspiração e higienização...

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