Acórdão nº 323/17.0T8SRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelEMÍDIO SANTOS
Data da Resolução10 de Dezembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo n.º 323/17.0T8SRT Responsabilidade civil Omissões Nexo de causalidade Condenação no que vier a ser liquidado Indemnização em dinheiro segundo a equidade Sumário: I - Apesar de não haver na ordem jurídica uma norma especial a impor aos proprietários de um edifício o dever de limpar a fuligem que se vai depositando nas paredes das condutas de saída de fumos das lareiras, quando nelas são queimados combustíveis sólidos, este dever resulta do Regime Jurídico da Segurança Contra Incêndio em Edifícios [Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de Novembro e do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação [Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro.

II – Provando-se que o incêndio na fracção de um prédio constituído em propriedade horizontal foi causado por fuligem incandescente que, provinda da conduta de saída de fumos da lareira de uma outra fracção, passou para a conduta de saída de fumos da lareira da fracção onde se deu incêndio, e que o proprietário das fracções, tanto daquela de onde proveio a fuligem como daquela onde se deu o incêndio, não procedeu à limpeza das conditas e que, se o tivessem feito, o incêndio não teria eclodido, é de afirmar o nexo de causalidade entre o acto omitido e os danos resultantes do incêndio.

III – Em acção de indemnização se ainda for possível fixar no incidente de liquidação a quantidade da condenação aplicar-se-á o n.º 2 do artigo 609.º do CPC; se não for possível, aplicar-se-á o n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil.

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra N (…) e S (…) residentes (…) Sertã, propuseram, por si e em representação dos seus filhos menores, S (…) e S (…) a presente acção declarativa com processo comum contra C(…) e esposa, F (…) residentes em (…), Suíça, e a Companhia de Seguros (…), SA, com sede na Avenida(…), Lisboa, denominada actualmente Seguradoras (…)S.A., pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 21 636,00, a título de danos patrimoniais, e da quantia de € 10 000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora vincendos, calculados sobre o capital em dívida à taxa civil até efectivo pagamento.

As quantias pedidas destinam-se a ressarcir danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente sofridos pelos autores em consequência de um incêndio que eclodiu no dia 18 de Novembro de 2014, na habitação onde residiam.

Os autores imputam aos réus (…), proprietários da fracção onde habitavam aqueles, a responsabilidade pela eclosão do acidente.

A ré T (…) foi demandada com a alegação de que os primeiros réus, na qualidade de proprietários do imóvel onde habitavam os autores, transferiram a responsabilidade civil para ela, por contrato de seguro.

Os réus contestaram.

Os réus impugnaram a as alegações dos autores, tanto relativas às causas do incêndio como aos danos deles resultantes. Imputaram aos autores a responsabilidade pela eclosão do incêndio.

A ré T (…) reconheceu a eclosão do incêndio, mas impugnou as alegações relativas às causas e aos danos. Alegou em sua defesa que o contrato de seguro celebrado com o réu C (…), foi contrato de seguro multirriscos habitação, titulado pela apólice n.º 3324103, que entrou em vigor em 21.09.2013, mas que tal seguro não cobria os danos cuja reparação era pedida pelos autores.

Os autores responderam.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência foi proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu os réus dos pedidos.

Os autores não se conformaram com a sentença e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo se desse provimento ao recurso e, em consequência, se anulasse a sentença, sendo a mesma substituída por decisão que julgasse procedente por provada a presente acção com a condenação do réu nos vários pedidos.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões consistiram em resumo: 1. Na alegação de que a sentença era nula por manifesta ausência de fundamentação; 2. Na impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

  1. Na alegação de que, alterada a matéria de facto, era de julgar procedente a acção.

    Os réus responderam, pedindo a manutenção da decisão recorrida.

    Os primeiros réus começaram por alegar que os recorrentes não impugnaram a decisão relativa à matéria de facto e que, caso se entendesse que a impugnaram, o recurso deveria ser rejeitado por não cumprir as exigências previstas no artigo 640.º do CPC. Para a hipótese de este tribunal assim não o entender, sustentaram que a sentença não merecia qualquer reparo.

    A ré Seguradora, pronunciando-se sobre a nulidade da sentença por ausência de fundamentação, disse que a mesma não se verificava. Quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, sustentou que a sentença não incorreu em erro na apreciação da matéria de facto. De seguida alegou que, uma vez que o fundamento para a alteração da decisão de direito era a modificação da decisão de facto, o que ela, recorrente, não concebia, defendeu a manutenção da decisão recorrida. Pronunciando-se sobre a cobertura do contrato de seguro, reafirmou o que havia alegado na contestação, ou seja, que o seguro não cobria os danos alegados pelos autores.

    * Síntese das questões suscitadas pelo recurso e pelas respostas ao recurso: O recurso suscita: 1. A questão de saber se a sentença é nula por falta de fundamentação; 2. A questão de saber se o tribunal a quo errou na decisão relativa à matéria de facto; 3. Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, saber se com a nova matéria de facto a sentença deve ser substituída por decisão que condene os réus nos pedidos.

    A resposta dos primeiros réus suscita a questão de saber se os autores, recorrentes, não impugnaram a decisão relativa à matéria de facto ou, no caso de se entender que a impugnaram, se o recurso deve ser rejeitado por não ter cumprido as exigências previstas no artigo 640.º do CPC.

    Quanto à ordem de conhecimento das questões, devemos começar pelas suscitadas na resposta, pois elas têm precedência lógica em relação às postas pelos recorrentes.

    I) Passemos, pois, à sua apreciação.

    Os primeiros réus sustentam que os recorrentes não impugnaram a matéria de facto ou que, tendo-a impugnado, não cumpriram os requisitos legais da impugnação da decisão relativa à matéria de facto com base na seguinte alegação: 1. Os recorrentes fazem uma impugnação geral, vaga e indefinida, não precisando, com um mínimo de clareza e rigor, quais os pontos da matéria de facto que merecem a sua discordância e quais os exactos elementos probatórios – designadamente no que diz respeito à prova testemunhal produzida – que no seu entendimento mereciam diferente ponderação pelo tribunal a quo, ficando-se por alegações vagas e genéricas a este propósito; 2. Os apelantes limitam-se a enumerar factos que, na sua opinião, deveriam ter sido dados como provados, mas não especificam quais os pontos de facto da sentença recorrida que, em concreto, deveriam merecer resposta diferente por parte do tribunal e quais os elementos fornecidos pelo processo que impunham decisão diversa; 3. Para que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido aos recorrentes que concretizem os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, especifiquem os concretos meios probatórios que imponham decisão diversa relativamente a esses factos e enunciem a decisão alternativa que propõe, o que os Apelantes não fizeram.

    Apreciação do tribunal: A resposta à questão de saber se os recorrentes não impugnaram a decisão relativa à matéria de facto é claramente negativa. Com efeito, tanto no corpo da sua alegação como nas conclusões, os recorrentes manifestaram inequivocamente a sua discordância em relação à decisão de facto, indicando a matéria que no seu entender devia ser julgada provada.

    Quanto à questão dos requisitos da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, deve dizer-se que tem inteiro amparo nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a alegação dos recorridos segundo a qual, quando seja impugnada a decisão sob a matéria de facto, é dever do recorrente especificar, sob pena de rejeição: a) Os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios e prova que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão alternativa que propõe.

    O que já não merece a concordância deste tribunal é a alegação de que os recorrentes não cumpriram os requisitos acabados de expor. Embora em termos pouco precisos e rigorosos, tais requisitos foram observados. Vejamos.

    Comecemos pelo cumprimento da exigência de especificação dos pontos da matéria de facto que os recorrentes consideravam incorrectamente julgados. Esta especificação implica a identificação concreta dos pontos da matéria de facto que os recorrentes consideram incorrectamente julgados. Apesar de não haver uma fórmula sacramental ou rígida para cumprir esta exigência, ela pressupõe que os recorrentes identifiquem por referência à decisão relativa à matéria de facto os pontos que consideram incorrectamente julgados. É certo que, no caso, não há esta especificação. Mas é certo também que a decisão relativa à matéria de facto não contém, na parte relativa aos factos julgados não provados, a especificação/concretização das alegações de facto que julgou não provadas. Neste capítulo, a sentença julgou não provados “todos os demais constantes dos articulados não mencionados na resposta dada supra”. Reconhece-se que esta fórmula imprecisa não favorece o cumprimento do requisito mencionado na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º.

    A verdade é que, apesar de os recorrentes não terem feito uma especificação precisa e clara da matéria de facto que consideravam incorrectamente julgada, ao especificarem os factos que, no seu entender, devem ser julgados provados, identificaram implicitamente os pontos da matéria de facto que estavam em causa na sua impugnação, concretamente os narrados na petição sob os artigos 17.º, 18.º, 21.º, 22.º, 23.º, 26.º, 27.º, 29.º...

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