Acórdão nº 4911/18.9T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Dezembro de 2020
Magistrado Responsável | CARLOS MOREIRA |
Data da Resolução | 14 de Dezembro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.
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Direção de Finanças de Viseu – Autoridade Tributária e Aduaneira instaurou contra A (…) a presente ação especial de suprimento do consentimento.
Requereu: Seja concedido o levantamento do sigilo profissional invocado pela ré suprindo-se o consentimento recusado e atribuindo-se a necessária autorização judicial à autora para acesso a conta bancária titulada pela ré.
Para tanto disse, em resumo: Na sequência de uma denúncia por suspeita de omissão de faturação e consequente omissão de rendimentos declarados pela sociedade C (…), Lda desencadeou um procedimento inspetivo à sobredita sociedade.
A requerida é filha do legal representante de tal sociedade, que é advogada e que o seu domicílio profissional se localiza nas mesmas instalações das da referida sociedade.
Face a tal conclui pela existência de uma relação especial entre a requerida e a sociedade em causa, o que justifica o acesso às informações bancárias da primeira e relativas ao ano de 2013, já possuindo para tanto autorização da Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, carecendo apenas da respetiva derrogação do sigilo profissional, dado que notificada a ré para identificar as contas bancárias afetas à sua atividade profissional a mesma declarou que todas as suas contas se encontram adstritas a tal atividade.
A requerida contestou.
Disse que a requerente não demonstrou qualquer indício objetivo de que as suas contas bancárias foram utilizadas para encobrir rendimentos não declarados pela C (…) Lda e que a mera possibilidade de nas suas contas bancárias existirem documentos relacionados com a sua atividade de advogada configura causa suficiente para impossibilitar a derrogação do sigilo bancário, como terceiro.
Pede a improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
A ré apresentou o articulado superveniente de fls. 355 a 512, o qual foi admitido.
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Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «o Tribunal julga a presente acção totalmente procedente e, em consequência, autoriza-se a Autoridade Tributária e Aduaneira, nas pessoas dos seus funcionários devidamente credenciados, a consultar todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que seja titular a aqui requerida A (…) e referentes ao período compreendido entre 01/01/2013 a 31/12/2013.» 3.
Inconformada recorreu a requerida.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. O Diretor de Finanças de Viseu instaurou contra a ré o presente processo de suprimento em que formula o seguinte pedido: “… deverá ser concedido o levantamento do sigilo profissional invocado pela R, suprindo-se o consentimento recusado, e atribuindo-se a necessária autorização judicial à Autora…” 2. O Sr. Diretor de Finanças, como mero funcionário Tributário, não tem capacidade judiciária para instaurar a ação que moveu e em que pede, anacronicamente, que a autorização deve ser dada a uma autora desconhecida e que eventualmente será a Autoridade Tributária.
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Reconhece, contudo, que o que se pretende é levantar o sigilo profissional da ré, que é advogada, sem acautelar as normas do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados e sem o que esta ação, mesmo que notificada materialmente, não poderia proceder.
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Quanto à matéria de facto fixada deve eliminar-se o registo de que a ré é filha de (…) uma vez que não foi feita prova da filiação nos termos do artigo 211º do Cod. Reg. Civil, uma vez que a prova dos factos sujeitos a registo só pode ser feita pelos meios previstos nesse mesmo Código, ou seja, pelo acesso à base de dados do registo civil ou por meio de certidão do registo civil.
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E deste modo não é possível considera-se existir uma relação especial, nos termos da alínea c) do nº 4 do art.º 63 do CIRC.
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E deverá eliminar-se a designação de requerente e requerida quando reportadas nos presentes autos em vários factos, porquanto a ré é mesmo ré e a requerida não existe porque em seu lugar há um autor, que é o Diretor de Finanças.
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A matéria de facto fixada não contempla a referência a factos relevantes, comprovados nos autos, ou seja, o facto de no processo 139/17.3BELRS, ter sido concedido provimento ao recurso da C (…) que é a sociedade investigada, de derrogação do seu sigilo bancário.
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E igualmente no processo 31/17.1BEVIS, que julgou improcedente o levantamento do sigilo bancário do gerente da sociedade, A (…).
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Por outro lado, a Sr.ª Juiz devia ter dado como provados os factos das Sras. Inspetoras, (…)terem tido a faculdade, de que não usaram, de falar com a ré nos dias 29 e 31 de agosto do ano de 2016, porquanto, foram alegados no requerimento de contradita e confessados, pelo menos, pela Inspetora (…) 10. Relativamente à matéria não provada ela deverá ser eliminada na medida em que era prova que cabia ao autor; ou 11. Tinha que se aceitar a declaração da ré, em como as contas que movimenta são todas elas utilizadas e afetas à sua atividade profissional.
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Pelo facto de as Sras. Inspetoras não terem falado com a ré, quando podiam e deviam ter feito, e terem simulado dificuldade de contato com a mesma, o que se alega na presente ação como causa de pedir, o pleito encontra-se eivado de completo e manifesto abuso de direito, na modalidade venire contra facto próprio, nos termos do artigo 334.º do Código Civil.
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Por estas razões e por violação do disposto no artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, artigo 63.º e 63.º-B da Lei Geral Tributária, artigo 1.º da Portaria 320-A/2011, de 30 de dezembro e o artigo 3.º do Decreto Lei 118/2011, de 15 de dezembro, deve a presente ação ser julgada improcedente, absolvendo-se a ré do pedido.
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A não se entender assim, deve então revogar-se a decisão de não admissão das contraditas, admitindo-se as mesmas e revogando-se tudo o demais processado, inclusivamente a decisão impugnada.
Contra alegou a requerente pugnando pela manutenção do decidido.
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Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica, teleológica e coerentemente, as seguintes: 1ª - Ilegalidade da decisão de não admissão das contraditas, com consequente anulação da sentença.
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- Falta de capacidade judiciária do Diretor de Finanças de Viseu para instaurar a ação.
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- Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
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- Improcedência da ação.
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- Abuso de direito da autora.
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Apreciando.
Liminarmente.
A questão da terminologia usada: requerente/autor - requerida/ré é totalmente minudente/despicienda/anódina/inócua/irrelevante.
Não se antolham quais as diferentes e inaceitáveis consequência jurídico-práticas para a impetrante, do uso de um ou de outro termo.
Nem esta, sequer, as aduz.
Versus o alegado pela recorrente, para a clarificação, e, diremos nós, compreensão, da matéria de facto, ou de direito, é irrelevante referir-se «autor(a)» em vez de «requerente», ou «ré», em vez de «requerida.» Ademais, os termos «requerente» e «requerida» têm vindo a ser utilizados no processo desde há longa data, e só agora, em sede recursiva, vem a demandada a colocar esta oca questão, o que se vislumbra como patentemente extemporâneo.
5.1.
Quanto ao cerne.
Primeira questão.
A pretensão não colhe.
Quer por motivo formal, quer por razões substanciais.
Quanto aquele, e tal como defendido pela, o recurso revela-se extemporâneo.
Efetivamente estatui o artº 644º nº2 al. d) do CPC: 2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância: d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova; O despacho que incide sobre o incidente da contradita e a indefere, tem de considerar-se - quanto mais não seja por virtude de uma interpretação extensiva de tal segmento normativo, na medida em que, se deferida, ela abala ou pode abalar a credibilidade da testemunha e, assim, afetar e condicionar o valor do seu depoimento, com a consequente influência na convicção do julgador para a prova ou não prova dos factos relativamente aos quais o depoimento é efetivado - como uma decisão de rejeição de um meio de prova.
Logo, o recurso incidente sobre tal despacho é recurso autónomo e de subida imediata nos termos de tal preceito.
Ora tendo o despacho em crise sido prolatado e notificado em 12.11.2019 e o recurso interposto em 07.02.2020, este alcança-se manifestamente serôdio.
Quanto a estas razões.
Estatui o artº 521º do CPC: A parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afetar a razão da ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer.
Urge ter presente que no incidente de contradita: «faz-se um ataque, não ao depoimento propriamente dito, mas à pessoa do depoente; não se alega que o depoimento é falso, que a testemunha mentiu; alega-se que, por tais e tais circunstâncias, exteriores ao depoimento, a testemunha não merece crédito. Só quando a contradita se dirige contra a razão de ciência invocada pela testemunha, é que as declarações desta são postas em causa; mas ainda aqui não se atacam directamente os factos narrados pelo depoente, só se ataca a fonte de conhecimento que ele aponta.» - Alberto dos Reis in CPC, Anotado, Vol. IV, Pág. 45.
(sublinhado nosso) Ou seja, visa este incidente questionar a credibilidade da própria testemunha, pondo em causa a sua isenção e não diretamente a veracidade do seu depoimento (embora, tal possa acontecer indiretamente, pois que procedendo o incidente, esta veracidade possa ficar inquinada pela falta de credibilidade ou isenção da testemunha em causa).
Acresce que: «pode invocar-se como fundamento da contradita qualquer circunstancionalismo que afecte a razão de ciência invocada pela testemunha (…) ou afecte a credibilidade...
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