Acórdão nº 635/19.8T8CNT-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | LUÍS CRAVO |
Data da Resolução | 08 de Setembro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 - RELATÓRIO Em 17/06/2020, M (…), propôs ação de acompanhamento de maior relativamente a L (…), nascido em 03.01.1955, casado, residente (…) (...) , atualmente internado no Centro (…) (...) .
Para o efeito alegou, em síntese, que o requerido, seu marido, em 04.09.2018 tentou cometer suicídio e ficou em estado vegetativo, situação esta que determina a incapacidade para o governo da sua pessoa e para administração dos seus bens, tendo-lhe já sido atribuída incapacidade na Suíça, país onde residia, sendo certo que o mesmo se encontra acamado/internado no já referido Centro (…), dependendo de cuidados de terceiros para tudo.
Pediu, a final, que fosse aplicado ao requerido o regime do maior acompanhado, aplicando-se as medidas de acompanhamento previstas no art. 145º do C.Civil, nomeadamente as necessárias à administração dos seus bens e outras situações do dia-a-dia, sendo nomeada ela requerente, nos termos do art. 143º, nº1 do mesmo C.Civil, como acompanhante do beneficiário.
* Ordenada a citação do requerido, e não tendo sido possível efetuar-se, em virtude do requerido se encontrar impossibilitado de a receber, veio a ser ordenado o cumprimento do disposto no art. 21º, nº1 do n.C.P.Civil, isto é, foi citado a Magistrada do Ministério Público, em representação do requerido, para no prazo de 10 dias contestar os autos (sem que tivesse apresentado articulado de oposição/resposta).
* Foi então, pela Exma. Juíza de 1ª instância, ordenada a realização de exame pericial ao beneficiário, pelo INML de Coimbra (cf. «Considerando os elementos juntos aos autos, e exigindo os factos a apurar conhecimentos médicos especializados que o julgador não dispõe, afigura-se necessária a realização de exame médico com as finalidades previstas no art. 899º, nº 1 do CPC, o que se determina (art. 897º, nº 1 do CPC).»).
* Foi junto aos autos o respetivo relatório pericial, do qual consta, em termos conclusivos, que: «1. O requerido evidencia sequelas neurológicas graves subsequentes a tentativa de suicídio por arma de fogo.
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Este estado vegetativo permanente e irreversível, impossibilita-o de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos, ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres.
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De igual modo, impossibilita-o para a celebração de negócios de vida corrente e para o exercício dos seus direitos pessoais, como, entre outros, todos os elencados no nº2 do artigo 147.º do Código Civil.
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A data provável de início da impossibilidade pode ser fixada a 9 de abril de 2018.
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É recomendável que continue a beneficiar do apoio, supervisão e cuidados por parte de familiares e de instituição vocacionada para o seguimento deste tipo de casos.» * Por despacho de 27/04/2020, a Exma. Juíza a quo decidiu notificar as partes para informarem se se opunham à dispensa pessoal e directa da audição do requerido face, além do mais, do teor do Relatório pericial, sendo que a requerente informou não se opor, e a Magistrada do Ministério Público manifestou a sua oposição.
* Na imediata sequência processual, foi, sem mais, com data de 04.05.2020, solucionada a questão pela Mmª Juiza a quo através do seguinte despacho: «(…) A audição pessoal e directa do beneficiário vem prevista no art. 898º do CPC nos seguintes termos: (…) De acordo com o nº 2, a audição pessoal e directa do beneficiário realiza-se através da colocação de questões ao beneficiário e auscultação/recolha das respectivas respostas. Infere-se da forma como é regulada a diligência de audição, que este meio de prova atípico, próprio do processo especial do regime do maior acompanhado, pressupõe uma afecção e um nível mínimo de consciência que ainda permita uma comunicação eficaz entre o Juiz e o beneficiário.
Como refere Margarida Paz, no artigo “O Ministério Público e o Novo Regime do Maior Acompanhado”, págs. 130-131, incluído no e-book “O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado”, CEJ, fevereiro de 2019, disponível em www.cej.mj.pt, “A audição pessoal e direta do beneficiário, na concretização dos princípios constantes do artigo 3.º da Convenção1, constitui o respeito pela dignidade inerente, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazer as suas próprias escolhas, e independência da pessoa com deficiência [alínea a)], bem como a sua participação e inclusão plena e efetiva na sociedade [alínea c)]. Neste contexto, audição pessoal e direta do beneficiário não deve apenas ocorrer relativamente à tomada de decisão da medida ou medidas de acompanhamento a decretar pelo tribunal. Na verdade, o acompanhado deve ser ouvido relativamente a todas as decisões que sejam tomadas e que lhe digam diretamente respeito”.
A audição do beneficiário destina-se também a facultar-lhe a participação na definição da sua situação e nas decisões a tomar em respeito pela sua autonomia e autodeterminação, o que implica que o mesmo tenha alguma capacidade de se expressar.
O beneficiário encontra-se internada na Unidade de Cuidados Continuados Integrados do Centro (…) em (...) , (...) .
Da informação clínica datada de 16.09.2019 da referida instituição consta além do mais que o requerido é “um doente consciente, não colaborante e afásico. Está acamado, totalmente dependente de 3ª pessoa para assegurar as suas necessidades mais básicas de alimentação, higiene e medicação.
É portador de Sonda Vesical crónica e é alimentado por PEG” (…) “sem interação com o meio que o rodeia”.
Realizada prova pericial na instituição onde o requerido está internado, consta no respectivo Relatório, que não foi objecto de reclamação, que “o requerido está acamado, não responde a estímulos, está algaliado, é alimentado por PEG (gastrostomia endoscópica percutânea), usa fralda, permanecendo totalmente alheado. Um tal estado vegetativo, permanente e irreversível, tem repercussões graves no funcionamento e autonomia do beneficiário” (…).
Assim, estando clinicamente comprovada a absoluta incapacidade de comunicação do requerido e o seu alheamento do meio envolvente, afigura-se que a diligência da audição pessoal e directa do beneficiário, é de execução...
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