Acórdão nº 2972/19.2TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LOUREIRO
Data da Resolução08 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Autora: R (…) Ré: A (…) Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório A autora propôs contra o réu a presente acção com a forma de processo comum, deduzindo o pedido seguidamente transcrito: “Termos em que e nos mais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, consequentemente, ser o Réu condenado a permitir a entrada nos imóveis e no cofre (bens melhor identificados nos artigos 1.º e 3.º da presente PI), de que é usufrutuário, por parte da Autora, devidamente acompanhada por perito avaliador.

”.

Alegou, como fundamento da sua pretensão e em resumo, que é legatária da nua propriedade dos bens identificados na petição, sendo o réu seu usufrutuário, encontrando-se o réu na posse dos mesmos; pretende exigir do réu a prestação de caução, para o efeito do que tem de proceder a uma inventariação e avaliação dos citados bens, necessitando para tanto de aceder aos mesmos, acompanhada de perito especializado, sendo que o réu se recusa a facultar o referido acesso.

Citado, o réu contestou, pugnando pela improcedência da acção.

Alegou, muito em síntese, que estando o réu na posse dos bens identificados na petição não pode agora ser compelido à prestação de caução, posto que esta só é devida antes do usufrutuário entrar na referenciada posse.

Por outro lado, a autora tem livre acesso, sem necessidade de qualquer colaboração do réu, aos bens que pretende inventariar e avaliar, sendo falso que o réu tenha assumido a recusa de colaboração de que é acusado na petição.

Acresce que existem bens que foram legados à autora que o não poderiam ter sido, porque não pertenciam à legante, razão pela qual o réu proporá acção de anulação do testamento até a decisão final da qual deveria ser suspensa a presente acção.

No despacho saneador, conheceu-se do mérito da acção e proferiu-se decisão de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte: “Pelo exposto, julgo a acção totalmente improcedente e consequentemente: a) absolvo o R.

A (…) do pedido nestes autos formulado por R(…) c) Custas a cargo da A. (artigos 527º nº1 do CPC).

”.

De notar que nesse despacho o tribunal recorrido apenas se pronunciou sobre os factos que infra se transcreverão em sede de factos provados, na base do entendimento de que a autora não é ainda proprietária dos bens que lhe foram legados, razão pela qual “Quanto aos restantes factos alegados pela A, mesmo a provaram-se todos eles, tornam-se insuficientes para a procedência dos pedidos, e como tal desnecessário se torna efectuar julgamento acerca dos mesmos o qual sempre se revelaria acto inútil.

”.

Nesse mesmo despacho e na base desse mesmo entendimento, não se conheceu da questão da suspensão da instância da presente acção suscitada pelo réu na contestação.

Não se conformando com o assim decidido, apelou a autora, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas: “1. Vem o presente recurso interposto do douto Despacho Saneador/Sentença proferido que julgou a acção proposta pela Autora, aqui Recorrente, totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu o Réu, aqui Recorrido, do pedido formulado pela primeira.

  1. Ora, o Meritíssimo Juiz a quo baseou a sua decisão – a partir dos factos dados como provados – no pressuposto de que a Recorrente não é proprietária de qualquer bem.

  2. Todavia, a Recorrente é proprietária dos bens, móveis e imóveis, em causa nos presentes autos.

  3. Assim, salvo melhor opinião, o Meritíssimo Juiz a quo fez uma incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos.

  4. Pelo que, deveria ter sido considerado que a Recorrente é proprietária dos bens imóveis e móveis (recheio dos imóveis e do cofre bancário) em causa nos autos e, por conseguinte, que a mesma poderia fazer uso do disposto no artigo 1468.º do Código Civil.

  5. E, em consequência, deveria o Recorrido ter sido condenado a permitir a entrada nos imóveis e no cofre, de que é usufrutuário, por parte da ora Recorrente, devidamente acompanhada por perito avaliador. Porquanto: 7. Em primeiro lugar, quanto aos bens legados à Recorrente no primeiro testamento o Meritíssimo Sr. Juiz a quo menciona que o legado abrange quer a raiz ou nua propriedade dos bens imóveis aí referidos, quer o recheio dos mesmos – cfr. factos provados 1 e 2 da douta sentença recorrida.

  6. Todavia, quanto aos bens legados à Recorrente no âmbito do segundo testamento, o Meritíssimo Juiz a quo conclui que do testamento não consta que o recheio dos mesmos lhe possa pertencer - cfr. Factos provados 3 e 4 da douta sentença recorrida.

  7. A Recorrente discorda com tal entendimento, e isto porque, no segundo testamento pode ler-se que a indicada M (…) «lega a seu filho A (…) o usufruto dos seguintes bens por conta da quota disponível: a) fracção autónoma designada pela letra “P” (…), com o respectivo recheio; b) cofre na agência da C (…) com o número um (…).» e ainda «Que lega por conta da quota disponível à sua neta R (…) a raiz ou nua propriedade dos referidos bens [mencionados em a) e em b)]».

  8. Por conseguinte, apenas se pode concluir que (no âmbito do segundo testamento) foi legado à Recorrente a nua propriedade dos bens referidos em a) e em b), ou seja, a citada fracção autónoma, com o respectivo recheio e os bens incluídos no indicado cofre, que se encontram devidamente discriminados no “Auto de Abertura, arrolamento e quitação do conteúdo do cofre n.º 000.95-66-9” (Doc.n.º 3 junto com a PI).

  9. Portanto, não restam dúvidas de que à ora Recorrente foi legada a nua propriedade dos três imóveis acima melhor identificados, incluindo o recheio dos mesmos, bem como a nua propriedade dos bens existentes no referido cofre.

  10. Em segundo lugar, e voltando à questão inicialmente aludida, ao não reconhecer que a Recorrente é a legítima proprietária dos bens que lhe foram legados pela testadora nos dois testamentos, o Tribunal a quo fez uma incorrecta subsunção dos factos ao Direito aplicável, incorrendo em lapso ao não admitir existir diferenciação no tratamento jurídico das duas espécies de sucessores, herdeiros e legatários. Atente-se.

  11. Os sucessores são herdeiros ou legatários, sendo que, diz-se herdeiro o que sucede na totalidade...

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