Acórdão nº 1606/20.7TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução21 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório F (…), Lda., com sede (…), (...) , intentou o presente procedimento cautelar de arresto contra R (…) com residência (…) em (...) , e contra G (…), SA, com sede (…), (...) , peticionando que fosse decretado o arresto “(…) como preliminar de ação declarativa por desconsideração da personalidade jurídica e em consequência ser ordenado arresto sem audiência prévia dos requeridos (…)” sobre os móveis, imóveis e contas bancárias a aplicações financeiras que identifica.

Alegou, para tal, em síntese: Forneceu, no âmbito do seu comércio, a S (…), Unipessoal, Lda., tendo, em 29/04/2029, celebrado com ela um acordo de pagamento, segundo o qual o preço dos fornecimentos efetuados pela requerente seria pago em 35 prestações sucessivas, as 34 primeiras no valor de € 15.000,00 e a última no valor de € 17.008,26, para o que foram entregues letras de câmbio (por cada uma das prestações) sacadas sobre a S (…) e avalizadas pelo 1.º requerido, gerente da S (…).

Não obstante tal acordo de pagamento, não foram efetuados, quer pela S (…), quer pelo 1.º requerido, quaisquer pagamentos, encontrando-se o montante global de tal dívida, de € 527.008,26, por liquidar; acrescendo despesas com a devolução das letras e de encargos bancários, o que, descontada uma nota de crédito de devolução de mercadoria, perfaz a quantia de € 529.787,93, a que se somam juros de € 9.449.09, ascendendo assim o valor global em dívida a € 539.237,02.

Assim – e tendo entretanto a S (…) sido declarada insolvente em 16/12/2019, no tribunal de comércio de Alcobaça, cifrando-se o seu passivo em € 59.023.242,59 e sendo parco o ativo/património para lhe fazer face – a requerente intentou execução (nos juízos de execução de Alcobaça) contra o 1.º requerido, tendo em vista o pagamento de tal quantia, no âmbito da qual também não obteve qualquer pagamento, sucedendo que entrementes também o 1.º requerido foi declarado insolvente, em 18/02/2020, em processo a correr termos nos juízos de comércio de Lisboa, processo em que, pese embora os créditos reclamados (incluindo o aqui referido) ascenderem a € 25.484.342,01, apenas foi identificado (e nem sequer apreendido), em termos de ativo, um veículo ciclomotor.

Sucede, segundo a requerente, que “o 1.º requerido detém património, contudo, por forma a ludibriar os credores, assim não cumprindo as obrigações a que se comprometeu, alocou o património na aqui 2.ª requerida”[1]; que, ainda segundo a requerente, “é um mero instrumento para esconder o seu património e ludibriar os seus credores”[2].

E, nesta linha de raciocínio, alega um conjunto de factos e circunstâncias que, a seu ver, devem conduzir, em termos jurídicos, à desconsideração da personalidade jurídica da 2.ª requerida, G (…) “(…) como meio de combate à fraude que presidiu à sua criação e ao objetivo da mesma, pelo que caído o biombo da personalidade jurídica, deve o seu administrador de facto ser responsabilizado ante os credores”[3]; afirmando que o património da 2.ª requerida se encontra, em termos meramente aparentes, na esfera jurídica desta, “sendo que que o único objetivo era que tal património não constasse da esfera do devedor e aqui 1.º requerido, por forma a obstar a que a credora e aqui requerente, obtenha a satisfação do seu crédito” e, concluindo, entre outras coisas, que “o património que está efetivamente, em nome do 1.º requerido, do qual é titular é inexistente, sendo que todo o seu restante património, se encontra na esfera jurídica da 2.ª requerida (…)”[4] Conclusos autos, o Exmo. Juiz proferiu despacho de indeferimento liminar.

Tendo, na fundamentação, exposto o seguinte raciocínio jurídico: (…) constato que a presente providência é intentada contra um cidadão que foi declarado insolvente, por decisão, já transitada, proferida no âmbito do processo 1913/20.9T8Lsb, e em cujo âmbito foram reclamados e reconhecidos os créditos aqui invocados; pretende-se o pagamento dos invocados créditos através de bens, alegadamente, próprios do requerido singular, simuladamente transferidos para a titularidade da requerida sociedade. (…) O artigo 47º nº 1 do Decreto-lei nº 53/2004 de 18 de Março, código da insolvência e da recuperação de empresas dispõe que «declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio» - sendo os seus créditos considerados, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, como «créditos sobre a insolvência». Daqui decorre, desde logo, que, declarada a insolvência, os titulares de direitos de crédito sobre a insolvente deixam de ser credores do devedor insolvente, passando a ser credores da insolvência – ocorrendo, assim, desde logo, uma inutilidade, porquanto o devedor deixa de ser o réu/demandado, para passar a ser a massa insolvente.

Por outro lado, o artigo 90º do Decreto-lei nº 53/2004 de 18 de Março, conhecido como Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dispõe que «os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos deste Código, durante a pendência do processo de insolvência» - o que impõe a obrigatoriedade dos credores da insolvente exercerem os seus direitos, durante a pendência do processo de insolvência, segundo os meios processuais regulados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que, por seu turno, prefigura uma impossibilidade. O que, aliás, presidiu à jurisprudência obrigatória constante do acórdão nº 1/2014 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no nº 39 de 25 de Fevereiro, do jornal oficial.

Sempre importaria acrescentar que se considera mas que – sempre ressalvando o respeito naturalmente devido por diferente ponto de vista – se não compreende a alegação segundo a qual “não estamos perante uma situação de resolução de atos conforme prevê o artigo 120º do C.I.R.E.”; outrossim, afigura-se-me que apenas a falta de conhecimento dos factos poderia levar o administrador a não lançar mão do referido preceito, em benefício da massa insolvente e, assim, da pluralidade dos seus credores, aí estando incluídas a aqui requerente, evidentemente, mas não podendo nem devendo vir a ser a única beneficiária. Nestes termos, e além do mais, importaria dar conhecimento das alegações da requerente ao administrador, para os fins que ele mesmo entendesse adequados.

Assim, inútil e / ou impossível que se torne a demanda do aqui requerido, inconsequente igualmente se verifica ser a presente, enquanto providência conservativa dos bens sobre os quais iria ser exercida essa demanda.

Nestes termos, ocorreria uma extinção da instância, por impossibilidade ou inutilidade da lide.

A demanda da sociedade que, segundo as alegações da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT