Acórdão nº 2646/08.0TBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Novembro de 2011
Magistrado Responsável | FRANCISCO CAETANO |
Data da Resolução | 29 de Novembro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.
Relatório A...
propos acção declarativa, que de forma de processo sumário passou a ordinário, contra B...
, pedindo, em via principal, a condenação do R. a reconhecer a cessação do contrato de comodato que incidia sobre a casa de habitação identificada no artigo 2º da petição inicial e a restituir tal casa à A. livre e desocupada e, em via subsidiária, a condenação do R. a reconhecer que a A. é legítima possuidora e proprietária desse imóvel bem como a proceder à sua restituição.
Para tanto alegou, em síntese, que é filha do R. e de C...
, sendo proprietária daquela casa de habitação, que lhe foi doada pelos seus progenitores, sendo que, por si e antepossuidores, há mais de 20 anos, anda na respectiva posse, nela praticando actos, há tempo e com características tais que, se outro título não houvesse, levariam à respectiva aquisição pela via originária da usucapião, que expressamente invocou, não obstante a presunção de que beneficia, adveniente do registo de aquisição a seu favor.
Mais alegou que, muito embora inicialmente os doadores houvessem reservado para si o usufruto da mencionada habitação, vieram mais tarde, por escritura pública, renunciar a tal usufruto, tendo nessa altura, a A., autorizado ambos os progenitores a continuar a residir no prédio sua propriedade, sem que tivesse sido fixado qualquer prazo para a respectiva restituição, porém, em virtude das más relações que mantém com a mulher, o R., desde 2005, tem vindo a praticar actos que se destinam a dificultar o uso da casa por parte da mesma, mandando cancelar o serviço de telefone e fornecimento de água, o que fez surgir um conflito também entre ele e a própria A., o qual se agrava devido ao facto de o R. fazer da casa um uso imprudente, deixando nela géneros alimentícios avariados, sujidade nas divisões e chegando até a quebrar, com um martelo, os toalheiros da casa de banho, tudo isso trazendo a requerente intranquila e receosa de ser agredida pelo R., até porque este afirma que ela tem que sair da referida casa.
Alegou, finalmente, que, face a isso, mas também ao facto de sua mãe ser idosa e doente, a A. pretende obter a restituição da casa, tendo já reclamado a mesma junto do R. por carta registada com AR remetida no dia 21.8.2008, a ocorrer no prazo de 10 dias, contudo, sem qualquer resultado, pois o R. continua a ocupar a casa, contra a vontade da A., que está impedida de dela dispor livremente.
Citado, o R. deduziu contestação, onde impugnou o valor dado à acção e alegou que o usufruto que onerava o imóvel em causa nos autos poderá não se ter extinguido, pois a mãe da A. intentou contra seus filhos, incluindo a A., acção judicial onde peticionou, além do mais, seja declarada nula ou anulada a procuração usada para extinção desse usufruto, sustentando-se no facto de a sua outorga ter sido precedida de um plano pelos filhos arquitectado em ordem à obtenção da renúncia ao usufruto sobre os imóveis que haviam anteriormente sido doados, pois para tal lhes foi referido que a finalidade era venderem os prédios doados, revertendo o produto da alienação a favor dos doadores, permitindo-lhes um resto de vida tranquilo e sem dificuldades financeiras e a referida progenitora, ao aperceber-se de que isso, afinal, não iria ocorrer, endereçou carta registada, manifestando ao procurador expressamente vontade de não renunciar ao usufruto tendo, não obstante, o mesmo celebrado a escritura de renúncia dois dias depois do envio da missiva em causa.
Mais alegou o R. que, muito embora não subscreva as razões invocadas pela A. na referida acção, entende que a factualidade invocada projectará necessariamente os seus efeitos neste processo, afectando as pretensões da aqui A. enquanto pretende fazer valer direitos emergentes de um acto nulo.
A título de impugnação, invocou o R. que nenhum comodato existe, pois na realidade, entre A. e R. foi celebrado um contrato verbal por força do qual a mesma assumiu a obrigação de satisfazer todas as necessidades de habitação, alimentação e vestuário, custeando as correspondentes despesas e praticando todos os actos necessários para tal, como contrapartida pelo facto de lhe ter sido atribuído a ela A. um benefício que excedia claramente os atribuídos aos outros filhos do casal, o que, de resto, aconteceu desde a data da celebração da escritura de doação até pouco depois da revogação do usufruto.
Por outro lado, as suas decisões de cancelar fornecimentos de telefone e água da habitação foram amplamente justificadas na medida em que era titular dos contratos de fornecimento em causa, os quais estavam a ser utilizados em exagero pela sua esposa, que assim causava ao R. custos que não podia suportar e que pagava sozinho.
Por outro lado, o conflito entre A. e R. só surgiu quando aquela deixou de honrar o compromisso que havia assumido perante este, deixando de dele cuidar e em nada contribuir para o seu sustento.
Ora, alega o R., se tudo isso já era suficiente para julgar improcedente a acção, acresce que o deferimento da pretensão da A. sempre redundaria em abuso de direito, pois não só a A. ficou em vantagem patrimonial perante seus irmãos, assumindo obrigações que agora não cumpre...
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