Acórdão nº 549/10.7TBPBL-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Outubro de 2011
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 18 de Outubro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I. No Tribunal Judicial de Pombal, declarada a insolvência de S (…) Lda., por sentença de 10.5.2010, transitada em julgado, e aberto o incidente de qualificação de insolvência, veio a Administradora da Insolvência emitir parecer, nos termos do art.º 188º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa/CIRE (aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3)[1], propondo a qualificação da insolvência como culposa e a consequente afectação do sócio gerente da insolvente, J (…), referindo, em resumo, que este retirou do património da sociedade valores que, em 31.12.2009, atingiam € 102 476,34 e que correspondiam então a cerca de 36 % do activo da sociedade, circunstância que terá agravado a situação de insolvência da empresa, e que desde, pelo menos, 31.3.2008 a situação de insolvência era do seu conhecimento por o capital próprio apresentar um valor negativo de € 466 700 e, apesar disso, não se apresentou à insolvência, estando assim preenchidos os requisitos do art.º 186º, n.º 2, al. f) e n.º 3, al. a).
A Exma. Magistrada do M.º Público concordou com aquele “parecer”.
Notificada a devedora e citado pessoalmente o referido sócio, este deduziu oposição, para concluir que a insolvência devia ser qualificada como fortuita, alegando, designadamente, que os valores em débito da sua parte para com a insolvente resultam de uma “conta corrente” existente entre ambos, onde constam as suas remunerações enquanto gerente, alguns empréstimos e os depósitos de reembolso que foi fazendo, não existindo movimentos a débito nos anos de 2008 e 2009 e tendo sido feito um “acerto” da sua parte, em 2009, no valor de € 71 967,57; tem créditos de trabalho sobre a insolvente, por não terem sido processados os salários entre Setembro de 2006 e Março de 2010, no valor global de € 90 429,50 e que não foi processado contabilisticamente, devendo ser compensado com o dinheiro que foi recebendo da sociedade; não fez assim uso de créditos ou bens da empresa em seu proveito pessoal porque tinha direito a receber o seu salário da empresa, pelo que tais créditos não contribuíram para o agravamento da situação económica da empresa; em 2009 a empresa apresentou um lucro de € 7 757,84, tendo as contas sido aprovadas em Março de 2010, pelo que só a partir de tal data deveria o gerente pedir a insolvência; a situação de insolvência resultou de causas externas, em particular o aumento do preço dos combustíveis, que fez reduzir a procura, aliada à abertura de postos de abastecimento próximos, com preços mais favoráveis.
Foi proferido despacho saneador (tabelar) e seleccionada a matéria de facto (assente e controvertida), depois rectificada (fls. 191 e 261) Efectuado o julgamento e decidida a matéria de facto, o tribunal recorrido qualificou a insolvência de S (…), Lda., como culposa, por verificação das alíneas f) e h) do n.º 2 do art.º 186º, afectando a qualificação o sócio gerente/administrador[2] da insolvente J (…), o qual ficou inibido para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de três anos.
Inconformado, e visando a revogação da sentença e a qualificação da insolvência como fortuita, nos termos do art.º 185º, o referido J (…) interpôs o presente recurso de apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
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- A actuação do gerente J (…), no período de referência de três anos, não foi nem dolosa nem com culpa grave, não tendo criado ou agravado a situação da empresa, dado que já em 2007, 2008 e 2009 a insolvente registara valores negativos de capitais próprios.
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- A situação economicamente deficitária da insolvente resultou fundamentalmente da concorrência desleal de postos de abastecimento de combustível de linha branca localizados a cerca de 5 km do único posto da insolvente, o que originou necessariamente uma redução das vendas desta, e, ainda, do facto da empresa não poder praticar preços livres por imposição da GALP.
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- A insustentabilidade da empresa resultou de razões de mercado e não de qualquer actuação do gerente, nem foi por este criada ou agravada.
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- A partir do momento em que a empresa deixa de ser economicamente rentável pelas razões sobreditas, o processo de degradação das suas contas, a prazo, não poderia deixar de conduzir à situação de insolvência.
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- A partir de 2006 o recorrente não mais aferiu qualquer remuneração a que tinha direito pelo exercício da gerência, contribuindo desta forma para não aumentar o passivo da empresa.
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- Em 2009, apesar da crise instalada no sector conseguiu interessado na compra de todo o imobilizado da empresa pelo preço de € 143 050, o qual serviu integralmente para amortizar dívidas da agora insolvente.
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- O débito que tinha para com a sociedade não foi nem criado nem agravado nos três anos em apreço, mas antes reduzido substancialmente, tendo sido contraído em data anterior a 2008.
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- A actuação do gerente J (…) não preenche a alínea f) do n.º 2 do art.º 186º do CIRE; deve considerar-se a insolvência fortuita, nos termos do art.º 185º do CIRE.
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- Não basta qualquer incumprimento ou irregularidade para se verificar ipso facto a alínea h) do n.º 2 do art.º 186º, do CIRE, sendo necessário que esse incumprimento se verifique em termos substanciais ou que a irregularidade origine prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
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- In casu, verificou-se uma mera irregularidade contabilística não substancial, porquanto se tratou do não processamento de remunerações para com a pessoa do gerente da sociedade e não um fornecedor/terceiro, nem tal não processamento trouxe qualquer prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da empresa...
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