Acórdão nº 351/10.6TBPCV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução25 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. P (…), residente em ..., Coimbra, intentou a presente acção sumária contra F (…), comerciante de automóveis usados, com morada em ..., ..., Penacova, pedindo a condenação da ré a proceder à reparação dos defeitos do veículo automóvel que identifica, e ainda a mesma condenada a pagar-lhe o valor de 3.500 €, e ainda juros de mora vencidos e vincendos desde a data de reclamação dos defeitos até efectivo e integral pagamento.

Alegou que a ré, no exercício da sua actividade profissional vendeu ao autor no dia 1.3.2008 um veículo ligeiro de passageiros, já usado, marca Opel, Modelo Corsa 1.5 TD pelo preço de 3.210 €. Que a ré garantiu ao autor que o veículo embora usado apresentava as qualidades e desempenho habituais dos veículos da mesma categoria. Em face da constatação do anormal desempenho do veículo, o autor pediu a um mecânico amigo para analisar o veículo, tendo em meados de Janeiro de 2010 verificado que o mesmo tinha a junta da cabeça do motor queimada, que tinha um buraco por debaixo da bateria que metia água e que humidades do tecto derivavam de defeitos no tecto de abrir que metia água. Em 1.3.2010, o autor reclamou da ré a reparação dos referidos defeitos, e a mesma assumiu a reparação do defeito de cabeça do motor queimada, mas recusou-se a reparar os demais. Tais defeitos impedem o veículo de circular normalmente desde Março de 2010, e porque o veículo era essencial ao transporte do autor e da sua família, aquele teve de recorrer com frequência a transportes públicos e a empréstimos de viaturas de terceiros, o que lhe causou prejuízos que contabilizou em 3.500 €.

A ré contestou, não reconhecendo a existência dos defeitos à data da entrega do veículo. Mais acrescentou que à data que o autor reclama as deficiências no veículo, estava já ultrapassado o prazo de garantia acordado, sendo que com a estipulação do prazo de 6 meses no contrato, quiseram as partes reduzir o prazo legal de garantia de 2 anos, pelo que se deve considerar ajustado o prazo de garantia de 1 ano também previsto na lei.

O autor apresentou resposta, defendendo que sendo a garantia plasmada no contrato, de 6 meses, contrária à lei, deve aplicar-se o prazo supletivo legalmente previsto de 2 anos, dentro do qual o autor reclamou os defeitos.

* A final foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a R. do pedido.

* 2. O A. recorreu, tendo apresentado as seguintes conclusões: (…) 3. A Ré contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões: (…) II – Factos Provados 1) A ré dedica-se com carácter habitual e com fins lucrativos ao comércio de automóveis usados, com estabelecimento comercial na morada de ..., ..., Penacova (A).

2) No dia 01.03.2008 a ré, no exercício da sua a actividade, vendeu ao autor um veículo ligeiro de passageiros, usado, marca Opel, Modelo Corsa 1.5 TD, com a matrícula ...DA, pelo preço de 3.210,00 €, conforme escrito de fls. 9, que aqui se dá por reproduzido (B).

3) Nesse escrito, subscrito por ambas as partes, ficou a constar num item designado “observações” “6 meses ou 10.000Kms (conforme o que ocorrer 1º) de garantia motor e cx. velocidades. Exclui embraiagem e desgastes pelo uso e idade. Km 232.000.” (C).

4) A ré garantiu ao autor que o veículo automóvel adquirido, embora usado, apresentava as qualidades e desempenho habituais dos veículos da mesma categoria, ou seja, que se encontrava em bom estado de conservação e em bom funcionamento (D).

5) O preço acordado entre as partes pela compra e venda do bem foi pago pelo autor na íntegra (E).

6) No dia 01.03.2010, através do escrito de fls. 10 que entregou à ré, o autor reclamou e solicitou a reparação dos seguintes defeitos: “junta da cabeça do motor queimada”, “existência de buraco por baixo da bateria, que mete água”, “chove dentro do carro pelo tecto de abrir”, “tecto cheio de humidade” (F).

7) A ré respondeu ao autor através do escrito de fls. 11, datado de dia 01.03.2010, onde, para além do mais, declara assumir “o gasto com a junta da cabeça do motor”, como “ato de boa fé, e nunca como obrigação legal, e muito menos moral” (G).

8) Por haver constatado o anormal desempenho do veículo, o autor pediu a um mecânico para o analisar (1).

9) Tendo então verificado, em meados de Janeiro de 2010, que o veículo automóvel apresentava as seguintes anomalias: “junta da cabeça do motor queimada”, “buraco por debaixo da bateria que mete água” e “humidades no tecto” devidas ao tecto de abrir meter água (2).

10) Tais defeitos impedem o veículo de circular em segurança, estando por tal motivo parado desde Março de 2010 (3).

11) Em virtude do veículo estar parado, o autor tem de recorrer com frequência aos transportes públicos e pedir emprestado veículos de terceiros (4).

12) O que lhe acarretou gastos de valor não concretamente apurado (5).

13) O autor necessita do veículo para transporte de si próprio e da sua família (6).

14) O veículo automóvel é de 1994 e há data do contrato de compra e venda registava 232.000 Kms (7).

III - Do Direito 1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º, nº 3, e 685º-A, do CPC).

Nesta conformidade as únicas questões a decidir são as seguintes.

- Saber qual o prazo de garantia aplicável e se os direitos que o autor exercita caducaram.

- Em caso negativo suas consequências legais.

  1. Na sentença recorrida escreveu-se que: “A ré dedica-se com carácter habitual e com fins lucrativos ao comércio de automóveis usados, com estabelecimento comercial na morada de ..., ..., Penacova, e no dia 01.03.2008, no exercício dessa sua actividade, vendeu ao autor um veículo ligeiro de passageiros, usado, marca Opel, Modelo Corsa 1.5 TD, com a matrícula ...DA, pelo preço de 3.210,00 €, pelo que estamos perante um contrato de compra e venda. (…) A situação em causa remete-nos para o regime da compra e venda de coisa defeituosa regulada no Código Civil (CC) nos arts. 913º a 922º.

Preceitua o art. 913º do CC que se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente (relativa à venda de bens onerados), em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes (nº 2). Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa se vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria (nº 2). (…) A propósito desta matéria, ensina Calvão da Silva (Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 2ª ed., pág. 45): “A venda de coisa defeituosa respeita à falta de conformidade ou de qualidade do bem adquirido para o fim (específico e/ou normal) a que é destinado. E, na premissa de que parte o Código Civil para considerar a coisa defeituosa, só é directamente contemplado o interesse do comprador/consumidor no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada, com vista à salvaguarda da equivalência entre a prestação e a contraprestação subjacente ao cumprimento perfeito ou conforme ao contrato.

Equivale isto a dizer, noutros termos, que o clássico regime edilício da venda de coisas defeituosas tem directamente em vista os vícios intrínsecos, estruturais e funcionais da coisa - defeitos de concepção ou design e defeitos de fabrico, que tornam a coisa imprópria (por falta de qualidades ou características técnicas e económicas) para o seu destino, o destino especialmente tido em vista por...

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