Acórdão nº 2129/03.4TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Janeiro de 2011
Magistrado Responsável | PEDRO MARTINS |
Data da Resolução | 18 de Janeiro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados: R (…), solteiro, residente (…), em Viseu, interpôs, em 19/05/2003, a presente acção contra A (…), residente na (…), em Viseu, pedindo que seja: a) declarada a resolução do contrato de compra e venda celebrado ou declarar-se anulado o mesmo contrato por erro e dolo; b) condenado o réu a restituir ao autor a importância de 26.336,53€ acrescida de 13.092,19€ a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Subsidiariamente, o autor pede que seja: c) condenado o réu a substituir a viatura por uma outra viatura do mesmo modelo, gama e características em bom estado de conservação e funcionamento, reduzindo-se o preço pago em, pelo menos, 6.000€, condenando-se o réu a pagar ao autor tal importância, acrescida da quantia de 800€; ou d) condenado o réu a eliminar todos os defeitos que a viatura tem, acrescida da indemnização dos danos sofridos em montante não inferior a 800€ e reduzindo-se o preço da alienação em, pelo menos, 13.000€, condenando-se o réu a restituir tal importância ao autor.
Por último, o autor pede que a qualquer importância em que o réu venha a ser condenado acresçam juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, em síntese e com relevo, o autor alega que adquiriu ao réu um Mercedes SLK e que este lhe garantiu que se encontrava num estado de conservação impecável, tendo o autor pago mais de 5.000€ a 6.000€ em relação ao valor do mercado do mesmo tipo de viatura e veio o autor a descobrir que o mesmo veículo não tinha as qualidades asseguradas pelo réu, tendo-lhe ocultado que era sinistrada; após a aquisição surgiram ou foram descobertos defeitos que denunciou ao réu, que reconheceu a existência dos mesmos.
O réu contestou, defendendo-se por excepção face à impossibilidade de se apurar quando foi feita a alegada denúncia de defeitos e sustenta a ilegitimidade do réu pois convencionaram que a responsabilidade garantística da transacção seria transferida para a N...
SA; e defende-se também por impugnação de factos alegados pelo autor, para além de ter reconvencionado que o autor fosse condenado a pagar-lhe 2.493,99€ a título de danos não patrimoniais e em quantia que relega para execução de sentença, a título de danos patrimoniais. Para sustentar tal pedido alega que o autor começou a dizer perante terceiros que o réu era um vigarista, apelando à não aquisição de viaturas e pondo em causa o bom nome do réu, e sente-se difamado e caluniado e o seu prestígio ficou seriamente abalado; que diminuíram os potenciais compradores e vendas e retirou-lhe a tranquilidade e o sono e degradou-lhe o bem-estar psicológico e físico.
E requereu a intervenção da referida empresa nestes autos.
O autor/reconvindo replicou.
Foi indeferida a requerida intervenção principal provocada.
Antes do despacho saneador, o autor requereu a produção antecipada da prova (perícia ao veículo), que só veio a ter o seu desfecho em 03/02/2009.
Depois do julgamento foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e a reconvenção improcedente e declarando resolvido com efeitos à data da celebração o contrato de compra e venda do Mercedes SLK ... celebrado entre o autor e o réu, condenando este a restituir ao autor 26.336,53€ correspondente ao preço liquidado na aquisição da viatura identificada, acrescida de juros de mora à taxa legal anual civil em vigor, desde a citação e até efectivo e integral pagamento; e absolvendo o autor dos pedidos formulados pelo réu.
O réu recorreu desta sentença, terminando as suas alegações com as seguintes “conclusões”: (…) Deste modo ao decidir como decidiu violou o tribunal a quo, as normas e os princípios jurídicos contidos nos artigos 12º nºs 1, 2 e 4 da Lei 24/96, de 31/07; arts 247º, 251º, 289º, 432º, 433º, 434º/1, 435º/1, 914, 802, 808º/1, 921º/1, 913º, 914º, 817 do CC e 933 do CPC, nos termos das conclusões supra enunciadas.
O autor contra-alegou, levantando a questão da intempestividade das alegações do recurso e defendendo a improcedência do recurso, sendo que em relação à restituição do veículo disse que nem sequer a podia fazer por não ser seu dono.
* Questões que importa resolver: a intempestividade das alegações; a resposta aos quesitos 48 e 51; a verificação dos pressupostos da resolução do contrato; da necessidade da interpelação admonitória; do abuso de direito; da relevância da garantia dos defeitos; do relevo, no caso dos autos, do regime do erro; se na sentença devia ter sido feita referência à obrigação do autor de restituir o veículo ao réu; qual o relevo da alegação, feita agora pelo autor, de que não comprou o veículo. * I Quanto à intempestividade das alegações: (…) Improcede, por isso, a questão prévia da intempestividade das alegações.
* II Quanto aos factos: Para apreciação da questão relativa aos quesitos 48 e 51, importa antes transcrever os factos dados como provados o que se passa a fazer (os sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob nºs vêm da resposta aos quesitos): A) O réu exerce com carácter profissional a actividade de comercialização de veículos automóveis novos e usados.
B) No dia 28/11/2002, pelo preço de 26.336,53€, o autor adquiriu ao réu um Mercedes SLK, ligeiro de passageiros, com a cilindrada de 1988 cm3, matrícula ....
C) Para pagamento do preço da venda da viatura, o autor celebrou um contrato de locação financeira com a B...
, SA, nos termos do qual se obrigou a pagar à mesma 72 prestações mensais de 536,50€, no montante total de 38.628,72€.
D) A viatura adquirida pelo autor era uma viatura usada.
E) A viatura, à primeira vista e análise, aparentava estar em bom estado de conservação e funcionamento.
F) No dia 28/11/2002, foi outorgada entre autor e réu contrato de garantia abrangendo a assistência em viagem, rebocagem, reparação e veículo de substituição, nos termos constantes dos documentos de fls. 27 a 29.
1. Esta viatura foi comprada pelo autor para uso privado, pessoal e familiar.
2. O réu garantiu ao autor que a viatura se encontrava num estado de conservação “impecável” e “como nova” e que não tinha sofrido qualquer acidente.
3. O valor da viatura em revistas de usados, à data, era de 22.000€ 5. O autor nunca aceitaria comprar uma viatura sinistrada.
6. O autor, se conhecesse os defeitos que a viatura apresenta, nunca a teria comprado.
8. Na altura da celebração do contrato de compra e venda, o réu referiu ao autor que a viatura se tratava de um SLK 200 Kompressor.
9. A viatura corresponde ao SLK normal com apenas 135 cavalos.
11. Três dias depois de o autor ter adquirido a viatura, deu-se conta que a mesma “fugia”, não mantendo uma trajectória direita.
12. O referido em 11 ocorria devido à viatura se encontrar equipada com um pneu 205/55 no lado esquerdo frente e com um pneu 245/55 do lado direito frente.
13. O autor foi obrigado a mudar os dois pneus da frente.
15 e 16. Em consequência de acidente, a viatura tem deslocados a carroçaria e chassis, ficou e está danificada na parte lateral esquerda em toda a sua extensão.
17. A viatura sofreu uma reparação na chaparia na lateral esquerda.
18. a 20. Os frisos da porta lateral esquerda não batem correctamente uns com os outros e nessa porta existe uma folga na ligação à capota da viatura e está desafinada, com folgas desiguais em relação à porta direita.
22. A folga no farol traseiro do lado esquerdo é desigual em relação ao lado direito.
23. A tampa da mala traseira está desenquadrada com os guarda-lamas laterais traseiros dos dois lados.
25. Todos esses danos foram provocados num acidente.
26. Quando se deu conta da situação descrita, o autor de imediato os denunciou ao réu.
28. A fim de resolver tais problemas e outros que surgiram, o réu solicitou ao autor que levasse a viatura às oficinas da Auto Era em Viseu.
29. A viatura esteve nessa oficina três vezes com vista a procederem à reparação do referido em 11 a 13, 15 a 20, 22, 23 e 25.
31. O referido em 11 a 13, 15 a 20, 22, 23 e 25 compromete a segurança da viatura e a sua utilização.
33. Por força do desalinhamento e folgas da porta, a viatura tem barulhos aerodinâmicos incomodativos.
35. A soleira esquerda foi soldada.
36. A viatura levou um banho de tinta de forma a ocultar os defeitos e com vista a aparentar que se encontrava em bom estado de conservação.
37. Há dias (tendo por referência a data da propositura da acção) a pintura do capot começou a descascar-se.
38. Quando se liga o isqueiro, os fusíveis do mesmo e da luz do porta-luvas fundem-se.
39. A capota do carro, que é descapotável, com frequência só recolhe depois de várias tentativas.
41. O estado da viatura desvaloriza-a em montante pecuniário correspondente ao valor da reparação necessária à eliminação dos defeitos.
42. Para eliminar os defeitos atrás referidos é necessário proceder à desmontagem da viatura, determinação exacta e final dos danos e desvios, correcção dos mesmos e tratamento a nível de superfícies das áreas intervencionadas.
43. O autor teve incómodos e aborrecimentos com a situação descrita.
45. O autor acordou com a B ... que se o artigo adquirido não estiver em boas condições, o adquirente tem 8 dias para denunciar e anular o contrato.
46. O autor não denunciou ou anulou o contrato celebrado com a B ....
47. O autor deixou desde finais de Abril de 2003 de pagar à B ... as rendas de aluguer não obstante continuar a andar com o veículo.
48. Na fase preparatória à conclusão do negócio, o autor examinou a viatura.
49. O réu autorizou o autor a levar a viatura durante um dia para fora das suas instalações.
50. O autor levou a viatura para inspecção num mecânico seu amigo.
51. Antes da venda, o autor teve conhecimento das qualidades e características exteriores e interiores visíveis da viatura.
52 e 53. Em finais de Março de 2003, o autor sugeriu ao réu uma troca do Mercedes por um veículo de 5 lugares marca BMW 320 D indicando como motivo ter feito as pazes com a esposa de quem estava...
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