Acórdão nº 115/2000.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelARTUR DIAS
Data da Resolução29 de Março de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

RELATÓRIO A…, residente em Quelimane, Moçambique, B…, residente na Beira, Moçambique, C…, residente na Quinta …, D…, residente em …, E…, residente na Rua, F…, residente na Avenida … e G…, residente em …, intentaram, em 19/04/2000, acção declarativa, com processo comum e forma ordinária, contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo que: a) Se conceda aos AA. … o benefício do apoio judiciário; b) Sejam declarados nulos por falta de observância da forma legalmente imposta, os contratos que os autores celebraram com o réu, bem como as posteriores renúncias aos juros ou; c) Sejam as renúncias anuladas, por usura, ou declaradas nulas, por abuso de direito ou; d) Seja o réu condenado a pagar aos autores os juros de mora vencidos desde a data da interpelação, até à data da devolução dos montantes depositados, os quais se liquidam em esc. 11.097.390$00, bem como os juros que se vencerem desde esta última data, até ao momento do seu efectivo pagamento e, ainda; e) Seja o réu condenado a restituir aos autores as quantias pagas a título quer de emolumentos, quer de acréscimos, no caso de proceder o pedido da alínea b), que liquidam no montante de esc. 60.564.017$00; f) Seja o réu condenado a pagar aos autores uma indemnização pelos danos morais e patrimoniais emergentes do não cumprimento atempado da obrigação de restituição dos depósitos, em montante a liquidar oportunamente.

Para tanto alegou, em brevíssima síntese, que no período imediatamente posterior à declaração de independência de Moçambique os AA. entregaram nos Consulados de Portugal no Maputo e na Beira determinadas quantias em escudos moçambicanos, quantias essas que discriminam; que o réu, abusando da sua necessidade, apesar de interpelado para as devolver, apenas lhes restituiu essas quantias, sem qualquer actualização, muitos anos mais tarde, exigindo-lhes ainda, para o efeito, que declarassem que renunciavam aos juros; e que os contratos em que se traduziram aquelas entregas de quantias bem como as declarações de renúncia exigidas pelo R. são inválidas.

O réu, representado pelo Ministério Público, contestou por excepção e por impugnação.

Por excepção, invocou o pagamento; as renúncias aos juros, que defendeu serem válidas e eficazes; a prescrição dos hipotéticos juros de mora; e a caducidade do prazo de arguição da anulabilidade, nos termos do art. 287º do Cód. Civil, uma vez que os depósitos foram realizados em 1976 e as renúncias foram subscritas em 1995 e 1996, anos em que também foram reembolsados os depósitos e atendendo a que a acção foi instaurada em 2000.

Por impugnação, o réu alegou, em resumo, que o Estado Português tinha, por imposição legal, de proceder ao depósito em instituições bancárias das quantias que recebeu em depósito nos Consulados do Maputo e da Beira; que não usou tais importâncias para financiar qualquer actividade, já que os consulados nem são entidades bancárias, nem prosseguem quaisquer fins de semelhante natureza; que o réu nunca assumiu, nem podia, a obrigação de proceder à transferência de tais verbas para fora de Moçambique, já que a Lei interna daquele país o proibia; que os montantes referenciados como depositados pelos AA. foram entregues nos Consulados Gerais de Portugal em Maputo e na Beira com o fim único e exclusivo de aqueles consulados os conservarem em “depósito” e à sua guarda; que a finalidade exclusiva visada, quer pelos AA. quer pelo Réu, com a entrega das quantias em dinheiro foi tão só proteger os capitais entregues nos Consulados pelos autores, atento o clima de insegurança instalado após a independência da República Popular de Moçambique.

Concluiu, pedindo a procedência das excepções e a sua absolvição do pedido.

Os autores replicaram, pugnando pela improcedência das excepções e concluindo como na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador em que se entendeu verificarem-se todos os necessários pressupostos processuais e se relegou para final o conhecimento das excepções.

Seleccionou-se a matéria de facto já assente e organizou-se a base instrutória, peças processuais que não foram objecto de reclamações.

Passada a fase da instrução, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em cujo decurso os AA. ampliaram o pedido formulado em e) da parte final da petição inicial, de modo a que o mesmo ficasse com a seguinte redacção: “Condenar-se o Réu a restituir aos Autores, devidamente actualizadas por aplicação dos índices de preço estabelecidos anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística desde as datas dos respectivos depósitos até à data da sentença, as quantias por estes depositadas nos Consulados-Gerais de Portugal na Beira e no Maputo, bem como as quantias pagas, quer a título de emolumentos, quer de acréscimos, no caso de proceder o pedido da alínea b), que no seu conjunto ascendiam a 60.564.017$00 (sessenta milhões quinhentos e sessenta e quatro mil e dezassete escudos) à data da entrada em Juízo da presente acção, correspondente a € 302.092,04 (trezentos e dois mil e noventa e dois euros e quatro cêntimos).” Tal ampliação foi admitida.

Também no âmbito da audiência de discussão e julgamento foi proferido o despacho de fls. 509 a 521 respondendo aos quesitos da base instrutória e, desse modo, decidindo a matéria de facto controvertida.

Foi depois emitida a sentença de fls. 556 a 598, julgando a acção improcedente e absolvendo o Réu do pedido.

Irresignados, os AA. … interpuseram recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Os apelantes apresentaram alegação que encerraram com as conclusões seguintes: … O apelado respondeu, defendendo a manutenção do julgado.

Colhidos os pertinentes vistos, cumpre apreciar e decidir.

*** Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 691º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas as questões seguintes: a) Nulidade, por falta da forma legal, dos contratos em que se traduziram as entregas das quantias e das declarações subscritas pelos AA.; b) Anulabilidade, por usura, das declarações referidas; c) Actualização monetária das quantias entregues; d) Obrigação de pagamento de juros; e) Indemnização por danos.

*** 2.

FUNDAMENTAÇÃO 2.1.

De facto Na 1ª instância foi considerada provada a factualidade seguinte: 1. Após a independência, a antiga colónia de Moçambique entrou em guerra civil e muitos portugueses levantaram o dinheiro que tinham depositado nos bancos e entregaram-no nos Consulados de Portugal no Maputo e na Beira (alínea A) da matéria assente); 2. Os funcionários dos Consulados asseguravam aos portugueses que os valores entregues lhes seriam restituídos em Portugal, logo que o solicitassem (resposta ao n° 1 da base instrutória); 3. Os autores não dispunham de outro meio seguro, para as suas integridade física e própria vida, para pôr a salvo as suas economias (resposta ao nº 2 da base instrutória); 4. O Autor … entregou, em 1978, no Consulado-Geral de Portugal na Beira a quantia de 1.000.000$00 (um milhão de escudos moçambicanos) (alínea B) da matéria assente); 5. O Autor … efectuou, em Março de 1976, duas entregas no Consulado-Geral de Portugal no Maputo, uma no valor de 407.166$00 (quatrocentos e sete mil, cento e sessenta e seis escudos moçambicanos) e outra no valor de 417.000$00 (quatrocentos e dezassete mil escudos moçambicanos) (alínea C) da matéria assente); 6. Tendo pago de emolumentos e acréscimos aos mesmos a importância de 21.684$00 (vinte e um mil, seiscentos e oitenta e quatro escudos moçambicanos) (alínea D) da matéria assente); 7. O Autor … entregou, em 16 de Dezembro de 1976, no Consulado-Geral de Portugal na Beira, a quantia de 200.000$00 (duzentos mil escudos moçambicanos) (alínea E) da matéria assente); 8. Tendo pago de emolumentos e acréscimos aos mesmos a importância total de 10.400$00 (dez mil e quatrocentos escudos moçambicanos) (alínea F) da matéria assente); 9. O Autor … entregou, em 2 de Abril de 1976, no Consulado-Geral de Portugal em Maputo, a quantia de 100.000$00 (cem mil escudos moçambicanos) (alínea G) da matéria assente); 10. Tendo pago de emolumentos e acréscimos aos mesmos a importância total de 5. 200$00 (cinco mil e duzentos escudos moçambicanos) (alínea H) da matéria assente); 11. O Autor … entregou, em 16 de Dezembro de 1976, no Consulado-Geral de Portugal no Maputo, a quantia de 150.000$00 (cento e cinquenta mil escudos moçambicanos) (alínea I) da matéria assente); 12. Tendo pago de emolumentos e acréscimos aos mesmos a importância total de 7.800$00 (sete mil e oitocentos escudos moçambicanos) (alínea J) da matéria assente); 13. A Autora … entregou, no Consulado-Geral de Portugal no Maputo, em 24 de Fevereiro de 1976, o montante de 135.000$00 (cento e trinta e cinco mil escudos moçambicanos) (alínea L) da matéria assente); 14. A autora … entregou, em 25 de Fevereiro de 1976, no...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT